STJ nega ingresso da Fazenda e de empresas do grupo João Santos em inventário
Turma entendeu que disputa sobre inventariante deve seguir sem interferência de terceiros interessados na recuperação judicial.
Da Redação
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Atualizado às 07:37
Por maioria, a 3ª turma do STJ negou pedido da Fazenda Nacional e de empresas do grupo João Santos para ingresso como terceiros interessados em incidente de remoção de inventariante no inventário de João Pereira dos Santos.
A Corte entendeu que as partes não detêm interesse jurídico direto para intervir na discussão, que trata apenas da substituição da figura do inventariante judicial.
Prevaleceu o voto do relator, ministro Moura Ribeiro, que reforçou que a discussão no recurso especial é restrita ao campo sucessório e familiar, sem afetar diretamente a recuperação judicial do conglomerado empresarial, em curso em outro processo sob relatoria da ministra Daniela Teixeira.
A discussão sobre a permanência ou substituição do inventariante dativo segue no recurso especial, mas sem a participação dos terceiros interessados.
Entenda o caso
O caso começou com pedido de herdeiros para remoção de Fernando João Ferreira dos Santos da função de inventariante, com a indicação da herdeira Maria Helena como substituta.
Após decisão do juiz do inventário negando o pleito, foi interposto agravo de instrumento no TJ/PE, no qual se requereu a nomeação de inventariante dativo. O pedido foi acolhido, e a liminar ratificada pelo acórdão recorrido.
Fernando João Ferreira dos Santos recorreu ao STJ, que concedeu tutela provisória para impedir a prática de atos de disposição patrimonial enquanto tramita o recurso especial.
Contra essa decisão, as empresas do grupo João Santos e a Fazenda Nacional pediram ingresso no feito, alegando que os efeitos da liminar impactam diretamente o cumprimento do plano de recuperação e de acordos firmados com a União.
Voto do relator
Ministro Moura Ribeiro, relator da ação, votou pelo indeferimento do pedido de ingresso.
Considerou que as partes pretendiam atuar para resguardar compromissos financeiros e negociações em curso, mas sem ligação jurídica com o objeto da causa - que é a definição do inventariante.
"[...] ambos pretendem o ingresso no incidente de remoção de inventariante para salvaguardar o cumprimento de obrigações assumidas pelo grupo João Santos, ou seja, para defender o interesse estritamente econômico", afirmou.
O ministro consignou, entretanto, que o voto de mérito seria encaminhado à preservação da eficácia dos atos praticados pelo inventariante dativo, de modo a resguardar a segurança jurídica e os compromissos assumidos pelo grupo empresarial.
Veja o voto:
"Cada dia sua agonia"
Ministra Daniela Teixeira, relatora da recuperação judicial das empresas do grupo João Santos no STJ, acompanhou o relator.
Esclareceu que as discussões sobre os bens e o cumprimento do plano de recuperação ocorrem em processo próprio, com medidas em curso.
Em sua avaliação, não há razão para autorizar a intervenção da Fazenda Nacional ou das empresas no inventário, que é, segundo ela, "uma ação familiar".
Daniela ressaltou que pedidos urgentes e relevantes têm sido apresentados na recuperação e serão analisados oportunamente.
"[...] cada dia a sua agonia, é um princípio bíblico, é um princípio de vida. Aqui estamos tratando exclusivamente do inventário, não é a recuperação judicial que está em julgamento."
Ministro Humberto Martins também acompanhou o relator neste ponto.
Divergência
Ministra Nancy Andrighi divergiu, entendendo que a causa é complexa, com mais de 40 advogados atuando no processo e a existência de sobreposição entre o espólio e o conglomerado empresarial em recuperação.
Nancy ressaltou que os bens inventariados são, em maioria, as próprias empresas em recuperação, o que impõe a necessidade de "sintonia harmônica" entre os juízos do inventário e da recuperação, para evitar decisões conflitantes.
Diante do impasse sobre a escolha do inventariante, ministra Nancy propôs tentativa de conciliação para destravar a tramitação do inventário.
Sugeriu que a definição sobre a manutenção ou substituição do inventariante dativo fosse objeto de mediação conduzida pelo Cejusc (núcleo de solução consensual de conflitos do STJ), com apoio dos herdeiros e advogados envolvidos.
A ministra afirmou que, após quase cinco décadas na magistratura, aprendeu que nem todas as questões complexas podem ser resolvidas com rigidez processual, e que a mediação poderia destravar o litígio e evitar a paralisação do inventário e da recuperação.
Veja trecho do voto:
A divergência foi acompanhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Ao votar, reconheceu que o interesse da Fazenda e das empresas do grupo João Santos não se limita ao aspecto econômico ou jurídico reflexo.
O ministro destacou que a decisão liminar proferida no recurso especial teve efeitos concretos sobre o patrimônio em disputa, com impacto direto no curso da recuperação judicial.
Conciliação?
Durante a sessão, os advogados César Asfor Rocha, da banca Cesar Asfor Rocha Advogados, e Alessandro Christian da Costa Silva se manifestaram no sentido de que, neste momento processual, seria inviável a conciliação.
Por outro lado, os advogados Sergio Santos do Nascimento, da banca Bermudes Advogados, Francisco Loureiro Severien e Carlos Henrique Sousa Dias, do escritório Zanin Martins Advogados, demonstraram apoio à tentativa de composição, considerando-a uma alternativa viável diante da complexidade do litígio.
Grupo João Santos
Outrora um dos maiores conglomerados empresariais do Nordeste e o segundo maior produtor de cimento do Brasil, com a marca Nassau, o Grupo João Santos atravessa atualmente um complexo processo de recuperação judicial.
O cenário contrasta fortemente com o império erguido por seu fundador, João Pereira dos Santos, que faleceu em 2009, aos 101 anos. Após a morte do patriarca, os herdeiros entraram em disputa, especialmente a partir da crise econômica de 2014, que fragilizou a saúde financeira do grupo.
Em meio a disputas judiciais entre os sucessores, o Grupo João Santos ajuizou pedido de recuperação judicial em dezembro de 2022, com passivo estimado em R$ 13,6 bilhões.
Como parte do esforço de reestruturação, firmou um acordo tributário com a PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que reduziu a dívida fiscal de R$ 11,3 bilhões para R$ 2 bilhões. Além de viabilizar a regularização fiscal, a transação visa normalizar a situação de mais de 20 mil trabalhadores com FGTS em atraso.
- Processo: REsp 2.203.769