No STF, ex-ministro Paulo Sérgio diz que atos de 8/1 não foram golpe
Militar foi o sétimo integrante do chamado "Núcleo 1" a ser interrogado no Supremo.
Da Redação
terça-feira, 10 de junho de 2025
Atualizado às 19:14
Nesta terça-feira, 10, o ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, foi interrogado pelo STF no âmbito da investigação que apura a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
O general da reserva é um dos réus acusados de integrar a suposta trama golpista organizada após as eleições de 2022.
Durante o depoimento, Paulo Sérgio negou que os atos de 8 de janeiro tenham configurado uma tentativa de golpe de Estado.
Segundo ele, tratava-se inicialmente de uma manifestação pacífica, que acabou se desvirtuando e resultando em cenas de desordem e violência. Para o ex-ministro, o episódio não ultrapassou os limites de uma baderna.
Veja este e outros destaques do depoimento.
Pedido de desculpas
Paulo Sérgio pediu desculpas por críticas feitas ao Tribunal Superior Eleitoral em reunião ministerial de 2022, cuja gravação integra a investigação sobre suposta tentativa de golpe de Estado.
Interpelado pelo ministro Alexandre de Moraes, o general reformado reconheceu o uso de "palavras inadequadas" e negou que tivesse intenção de atacar a Justiça Eleitoral.
"Eu queria me desculpar publicamente por ter feito aquelas colocações naquele dia", declarou, ao lembrar que havia acabado de assumir o ministério da Defesa e ainda trazia uma postura própria da carreira militar.
Na gravação, Nogueira se referia à Comissão de Transparência Eleitoral como "para inglês ver" e utilizava linguagem bélica ao mencionar uma "linha de contato com o inimigo", sugerindo rompimento e início de uma "operação" contra o TSE.
Diante do STF, o general buscou contextualizar suas falas como metáforas.
"Nós militares, nas academias, temos os azuis e os vermelhos. A linha de partida é a linha de contato. O desafio é romper essa linha e conquistar os objetivos. Era isso que eu queria: chegar à reunião técnica entre os técnicos das Forças Armadas e do Tribunal."
Afirmou ainda que o objetivo era garantir interlocução mais efetiva dos militares com os técnicos do TSE no âmbito da comissão.
"Foram palavras mal colocadas. Dar a entender que o TSE era inimigo, isso jamais, em tempo algum."
Minuta
Paulo Sérgio afirmou ao STF que jamais recebeu ou teve conhecimento prévio da minuta sobre fraude nas eleições apreendida no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
O documento, datado de 5 de novembro de 2022, intitulado "Bolsonaro Ministro Defesa 6/11", seria supostamente destinado a Paulo Sérgio e enviado a Braga Netto.
"Eu nunca recebi esse documento, nem sabia do seu conteúdo. Só tomei conhecimento na PET 12.100, já no inquérito", declarou o general. Afirmou ainda que não conhece a entidade que, segundo o texto, teria produzido a minuta.
"Nunca tive contato com essa entidade. O documento não chegou às minhas mãos."
Relatório das Forças Armadas
Durante o depoimento, ministro Alexandre de Moraes também questionou por que o relatório das Forças Armadas sobre o sistema eletrônico de votação não foi entregue ao TSE após o primeiro turno, conforme inicialmente previsto.
Paulo Sérgio explicou que o conteúdo era técnico e se baseava no que foi disponibilizado pelo Tribunal à equipe de fiscalização militar.
Segundo ele, o grupo responsável - a Efasev - Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação - agiu conforme resolução que regulamenta sua atuação, com sete etapas de verificação desenvolvidas entre junho e setembro. "
O ex-ministro relatou que, no primeiro turno, o chefe da equipe percebeu que não seria possível concluir o relatório a tempo. Por isso, foi feito pedido ao TSE para que eventuais aprimoramentos sugeridos pudessem ser considerados no segundo turno.
Fraudes x fiscalização
Paulo Sérgio explicou em detalhes o funcionamento e os limites da atuação da equipe militar designada para acompanhar as eleições de 2022.
Chamou atenção para o fato de que a missão da EFASERV - Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação - foi frequentemente mal interpretada.
"Atribuição da equipe não era encontrar ou não encontrar fraude, mas fiscalizar o serviço", afirmou.
Segundo o general, essa fiscalização seguiu parâmetros definidos na resolução TSE 23.673/21 e foi dividida em sete etapas, realizadas entre junho e setembro de 2022. O objetivo era verificar possíveis vulnerabilidades e apontar oportunidades de melhoria no sistema.
Paulo Sérgio também esclareceu que, segundo orientação dos técnicos do Exército, do IME e do ITA, não seria possível detectar fraudes no sistema sem auditoria posterior à eleição, com abertura das urnas e decompilação do sistema.
"Fraude é uma coisa, crime eleitoral é outra. E encontrar fraude exigiria um processo técnico de auditoria profunda que não cabia à missão da Efaserv."
O ex-ministro reforçou que, apesar da pressão política da época, a equipe militar cumpriu papel técnico e legal, atuando até o último dia das eleições.
"Muita gente achava que o papel da equipe era identificar fraudes. Isso nunca foi missão da Efaserv."
Encontro com Delgatti
Paulo Sérgio Nogueira afirmou que recebeu uma ligação do então presidente Jair Bolsonaro, solicitando que ele recebesse um "técnico da área de TI". Segundo o general, o contato ocorreu enquanto ele se deslocava para Belém/PA.
Bolsonaro teria dito apenas que se tratava de um especialista que poderia contribuir com sugestões sobre o sistema eleitoral.
Paulo Sérgio, então, orientou um assessor a organizar a recepção. O técnico chegou ao ministério acompanhado pelo coronel Câmara, que o identificou como "o hacker" - o que causou estranheza à equipe.
Diante da situação, o oficial responsável impediu que ele permanecesse na sala de visitas.
O general também rebateu as declarações prestadas por Walter Delgatti Neto à CPMI do 8 de Janeiro.
O hacker afirmou ter participado de até cinco reuniões no ministério da Defesa, incluindo um encontro com o próprio ministro, e sugeriu que suas ideias teriam sido incorporadas ao relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral.
Paulo Sérgio negou qualquer envolvimento de Delgatti nos trabalhos da equipe técnica, afirmando que ele não foi ouvido, não participou de reuniões técnicas e que as alegações não têm fundamento.
Reuniões
Paulo Sérgio confirmou ao STF que participou de uma reunião no Palácio da Alvorada, convocada pelo então presidente Jair Bolsonaro logo após as eleições de 2022.
Estiveram presentes os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Marinha, almirante Garnier, além do próprio ministro da Defesa. O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, não participou porque havia viajado para Pirassununga/SP.
Segundo Paulo Sérgio, a reunião foi breve, com caráter informativo.
Bolsonaro apresentou um documento que continha apenas considerandos - menções a eventos e ações ocorridas ao longo do governo que o presidente julgava prejudiciais ou injustas.
O general não soube precisar se havia mais conteúdo além desses apontamentos.
De acordo com ele, o documento seria retomado em outra oportunidade, pois a ausência de um dos comandantes impedia uma deliberação mais ampla.
Afirmou que, naquele contexto, as Forças Armadas discutiam internamente a possibilidade de serem empregadas em ações de GLO - Garantia da Lei e da Ordem, diante de eventual recrudescimento das manifestações populares.
Essa hipótese, segundo o ex-ministro, era objeto recorrente de conversas com os comandantes das três Forças. A reunião, no entanto, gerou apreensão. Ao saírem do encontro, os presentes estariam preocupados com o conteúdo apresentado e com o clima político do momento.
Questionado pelo ministro Alexandre de Moraes se Freire Gomes teria alertado Bolsonaro sobre as consequências jurídicas de decretar estado de sítio ou de defesa, Paulo Sérgio disse não ter como confirmar tal informação, mas acredita que isso não ocorreu.
Sobre reunião realizada no Ministério da Defesa em 14 de dezembro de 2022, na qual seria apresentado um documento, Paulo Sérgio confirmou que convocou os três chefes militares.
Indagado se teria voltado a tratar do assunto com Bolsonaro entre os dias 7 e 14 daquele mês, respondeu que não se recordava, embora tenha tido diversos encontros com o presidente naquele período.
Abatimento
O ex-ministro da Defesa relatou que o então presidente Jair Bolsonaro apresentou um quadro de forte abatimento emocional nos dias que se seguiram ao segundo turno das eleições de 2022.
Segundo o general, Bolsonaro ficou visivelmente deprimido, doente e recolhido no Palácio da Alvorada, o que motivou preocupação entre militares próximos.
De acordo com o depoimento, Paulo Sérgio manteve contato frequente com o presidente nas semanas seguintes à derrota eleitoral, sendo informado por Mauro Cid sobre o estado de saúde do chefe do Executivo.
Diante disso, o então ministro articulou com os comandantes das Forças Armadas uma escala informal de visitas ao presidente, com o intuito de animá-lo e incentivá-lo a retomar o convívio com aliados.
Os três comandantes - do Exército, Marinha e Aeronáutica - teriam passado a revezar visitas ao Alvorada, em encontros que tinham como objetivo proporcionar conversas e momentos de desabafo.
O clima, segundo Paulo Sérgio, nos primeiros 15 dias após o pleito, era de luto no entorno de Bolsonaro. Posteriormente, o cenário teria se alterado com a chegada de apoiadores e o retorno de atividades mais frequentes no palácio.
8/1
Ao final, o militar afirmou que os eventos de 8 de janeiro de 2023, que culminaram com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, começaram como uma manifestação pacífica.
Para o general, o protesto perdeu o controle e se transformou em um cenário de baderna, mas não caracterizaria, em sua visão, uma tentativa de golpe de Estado.
Paulo Sérgio classificou os atos como inadmissíveis e lamentou o desfecho violento, mas fez questão de afastar qualquer conotação golpista.
Quem será ouvido
O "núcleo 1" é composto por Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Cid e Ramagem foram ouvidos na segunda-feira, 9.
Garnier, Torres, Heleno, Bolsonaro e Paulo Sérgio foram ouvidos nesta terça-feira, 10.