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Direito Internacional

Conflito entre Irã e Israel sob a ótica do Direito Internacional

Veja análise.

Da Redação

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Atualizado em 24 de junho de 2025 08:34

O cenário de guerra entre Irã e Israel provoca um debate importante no Direito Internacional: quais são os limites do uso da força nas relações entre Estados?

Sob a ótica jurídica, o confronto envolve temas espinhosos: o princípio da soberania, o direito à autodefesa, a proibição do uso da força, o papel das organizações internacionais e a legalidade das sanções unilaterais. Em jogo, está a própria credibilidade do sistema internacional construído após a Segunda Guerra Mundial.

Autodefesa ou agressão?

O artigo 2, 4, da Carta das Nações Unidas veda o uso da força nas relações entre os Estados. A exceção, prevista no artigo 51, permite a autodefesa em caso de ataque armado. No entanto, a interpretação desse dispositivo vem sendo objeto de disputas políticas e jurídicas.

Israel tem alegado o direito à autodefesa ao realizar ataques contra alvos ligados ao Irã ou a grupos apoiados por Teerã, como o Hezbollah.

Já o Irã, por sua vez, denuncia tais ações como agressões e afirma reagir em legítima defesa de sua soberania.

Segundo o professor e doutor Danilo Garnica Simini, a Carta da ONU é clara ao condicionar o exercício da legítima defesa à ocorrência de um ataque armado. "Não houve um ataque efetivo contra Israel ou Estados Unidos que justificasse a invocação do artigo 51", avalia.

"Aliás, a própria Carta não contempla a hipótese de legítima defesa preventiva", completou.

Ele observa que, em situações urgentes, a autodefesa pode ser exercida até que o Conselho de Segurança adote as medidas necessárias, mas ressalta que o uso da força deve ser comunicado imediatamente ao órgão.

"A Carta da ONU estabelece que caso o país exerça o direito de legítima defesa o Conselho de Segurança deverá ser comunicado imediatamente. Também importante pontuar que o exercício do direito de legítima defesa - quando cabível - não retira a autoridade do Conselho de Segurança da ONU para a adoção de medidas visando o restabelecimento da paz e da segurança internacionais."

Simini destaca que cabe ao Conselho de Segurança determinar a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, podendo adotar medidas que não envolvam o uso da força - como sanções econômicas e diplomáticas - ou, em último caso, ações armadas com respaldo coletivo.

"No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas anteriormente mencionadas seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas."

Preempção x prevenção

Na mesma linha, o professor e doutro Caio Gracco Pinheiro Dias afirma que os ataques de Israel e dos EUA contra o Irã não podem ser considerados como legítima defesa.

"A Carta da ONU é expressa no artigo 51 ao condicionar a legítima defesa a um ataque armado contra um membro das Nações Unidas."

O professor explica que, embora a prática internacional tenha flexibilizado esse requisito para abarcar a chamada defesa antecipatória, ela exige que o ataque contra o qual se reage seja iminente.

"Por exemplo, se o País A descobre que o País B está lançando um ataque aéreo contra si, ele pode (tentar) destruir as aeronaves antes mesmo de elas terem chegado a seu território ou lá lançado bombas. Nesse caso, tem-se a legítima defesa, da mesma forma que no direito penal a pessoa não precisa esperar a agressão injusta se concretizar para poder usar da violência para se defender", afirma.

No entanto, segundo ele, o caso do Irã não pode ser enquadrado como preempção, mas sim como prevenção - o que é juridicamente incompatível com o sistema da ONU.

"A prevenção, como tentei mostrar em minha tese, é incompatível com um sistema internacional que pretenda sujeitar o uso da força a critérios jurídicos de licitude, o que foi a grande novidade da ordem internacional no pós-Segunda Guerra."

Para o professor, os ataques buscam garantir posição geopolítica, não impedir um ataque iminente:

"Não há um ataque, nem atual, nem iminente, mas apenas um ator querendo garantir sua posição favorecida na balança de poder contra outro que se coloca como adversário. Trata-se de eliminar agora os fatores que, com o tempo, podem equilibrar a balança ou mesmo torná-la desfavorável."

"Um ataque que não se justifica como legítima defesa, em Direito Internacional, tem uma classificação clara: é uma agressão", conclui.

Paralisia do Conselho de Segurança

Caio Gracco também chama atenção para o impasse institucional criado no âmbito da própria ONU.

Embora o artigo 51 preveja que o uso da força em legítima defesa seja provisório - até que o Conselho de Segurança da ONU intervenha -, a estrutura atual do Conselho compromete sua eficácia.

"Uma das tarefas da Organização (talvez a mais importante) é garantir a paz e a segurança internacionais, e isso, nos termos da Carta, é tarefa do Conselho de Segurança. Quando detecta uma quebra (ou ameaça de quebra) da paz e da segurança internacionais, o Conselho pode tomar todas as medidas necessárias para preservar ou restaurar a paz e a segurança."

No entanto, lembra que os idealizadores da Carta pensaram esse mecanismo tendo como "nações inimigas" os Estados do Eixo derrotados na Segunda Guerra. Hoje, todos os Estados reconhecidos - inclusive Alemanha, Japão e Itália - são membros da ONU.

O resultado é que os conflitos atuais frequentemente envolvem membros da própria organização, inclusive membros permanentes do Conselho de Segurança.

"Num mundo multipolar, como o de hoje, é natural que uma ou ambas as partes do conflito tenham como aliado um membro permanente do CS-ONU; uma vez que os membros permanentes podem vetar, isoladamente, uma decisão do Conselho, então o órgão nada pode fazer contra aliados deste ou daquele membro permanente - e, obviamente, pode ainda menos quando o membro permanente é uma das partes em conflito e, como no caso presente, o Estado agressor."

O professor cita exemplos recentes.

"Se o Irã leva a questão ao Conselho e pede ações contra os EUA e Israel, os EUA vetam uma resolução, mesmo que tenha sido aprovada pelos demais 14 países com assento no CS; foi o que houve, mais de uma vez, no que se refere a Gaza. Agora, se é os EUA que, porventura, levam a questão ao CS, algo bem pouco provável porque não lhes passa pela cabeça ter de pedir permissão para atacar, o veto da China ou da Rússia seria certo."

Para ele, essa paralisia estrutural do Conselho de Segurança faz com que a lógica da Carta se esvazie, reproduzindo o impasse vivido no auge da Guerra Fria.

 (Imagem: Freepik / Gerada por IA)

Especialistas analisam conflito entre Irã e Israel sob a ótica do Direito Internacional.(Imagem: Freepik / Gerada por IA)

Entenda o conflito

A tensão entre Irã, Israel e Estados Unidos é marcada por disputas geopolíticas que se agravaram nos últimos anos, sobretudo em torno do programa nuclear iraniano.

Israel considera inaceitável a possibilidade de Teerã desenvolver armas atômicas, enquanto o Irã insiste que seu programa tem fins pacíficos e que cumpre o TNP - Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, do qual é signatário.

Nesta mês de junho, Israel lançou uma série de ataques aéreos contra instalações iranianas. A justificativa foi impedir que o Irã avance no suposto programa militar nuclear.

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