Sanção dos EUA isola Moraes do sistema bancário, mas pode ser contornada
Punição norte-americana trava movimentações financeiras do ministro, enquanto modelo russo inspira solução interna.
Da Redação
quarta-feira, 30 de julho de 2025
Atualizado às 19:00
O governo dos Estados Unidos anunciou, nesta quarta-feira, 30, a aplicação de sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Global Magnitsky.
A decisão, formalizada pelo Ofac - Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, implica o congelamento imediato de todos os bens do magistrado sob jurisdição americana, além da proibição de transações com cidadãos e empresas dos EUA.
Segundo o comunicado do Departamento do Tesouro, Moraes seria responsável por "graves violações de direitos humanos" e por "ações que restringem a liberdade de expressão".
Entre as justificativas listadas, estão a decretação de prisões preventivas sem denúncia formal, ordens de remoção de perfis em redes sociais e medidas de busca e apreensão contra opositores políticos, incluindo jornalistas e cidadãos norte-americanos. O governo dos EUA também menciona a atuação extraterritorial do ministro, com ordens diretas a plataformas digitais sediadas nos Estados Unidos.
Restrições imediatas
Segundo Marcelo Crespo, advogado com certificação em gestão e negócios, as consequências da inclusão na Lista de Nacionais Especialmente Designados (SDN) do Ofac são abrangentes e de impacto concreto.
"Todos os bens e interesses em bens de Moraes localizados nos EUA, ou sob controle de pessoas e entidades sujeitas às leis dos EUA, foram congelados imediatamente. Isso inclui eventuais contas bancárias, investimentos ou propriedades que ele possua nos EUA, direta ou indiretamente.Por exemplo, se Moraes tivesse conta em banco americano ou ações listadas em bolsas americanas, esses ativos ficam indisponíveis. O bloqueio também se estende a quaisquer empresas nas quais ele detenha 50% ou mais de participação", explica.
Os efeitos da medida não se limitam ao ministro Alexandre de Moraes e podem atingir terceiros.
Cidadãos e instituições norte-americanas estão formalmente proibidos de realizar qualquer tipo de transação com o magistrado, o que inclui desde serviços e contratos até movimentações financeiras rotineiras, inclusive aquelas processadas em dólares, mesmo fora dos Estados Unidos.
Além disso, a legislação prevê sanções secundárias para qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize transações significativas com o sancionado ou o auxilie a burlar as restrições. Nesse caso, os envolvidos também podem ser penalizados com multas, bloqueio de ativos e outras restrições comerciais.
"Cidadãos, empresas e instituições financeiras dos EUA estão proibidos de realizar qualquer transação com Moraes, seja fornecendo ou recebendo fundos, bens ou serviços. Na prática, isso impede que ele movimente dinheiro através do sistema financeiro norte-americano ou contrate serviços de empresas sob jurisdição dos EUA. Transferências internacionais em outras moedas também podem ser afetadas, caso dependam de bancos correspondentes nos EUA (por exemplo, transações em dólares passam geralmente por bancos nos EUA e poderiam ser barradas)."
Outro impacto é o efeito de compliance global.
"Instituições financeiras fora dos EUA, embora não sejam obrigadas legalmente a cumprir as sanções americanas, costumam adotar políticas de compliance rigorosas. Frequentemente, bancos internacionais incluem a lista de sancionados Magnitsky em seus sistemas de controle, recusando-se a fazer negócios com indivíduos nela listados. Assim, mesmo no Brasil ou em outros países, Moraes pode encontrar obstáculos: bancos e empresas estrangeiras podem encerrar contas ou contratos por precaução, para não arriscar exposição a penalidades secundárias ou perder acesso ao sistema financeiro dos EUA. Esse efeito cascata já foi observado com sancionados de outros países (por exemplo, cidadãos russos sancionados tiveram contas fechadas em diversos locais por decisão dos próprios bancos)", afirma.
Soberania
Para Marcelo Crespo, a medida representa uma escalada institucional de grande magnitude.
"Do ponto de vista jurídico, trata-se de uma escalada institucional com forte potencial de crise diplomática."
Segundo o jurista, a Lei Global Magnitsky exige, para sua aplicação legítima, evidências robustas de violações de direitos humanos ou corrupção em escala internacional, geralmente sustentadas por investigações autônomas ou decisões de tribunais internacionais.
Nesse sentido, a aplicação da lei a Moraes representa "um marco sem precedentes no plano jurídico internacional, pois envolve sanções contra uma autoridade de altíssimo escalão de uma democracia consolidada, algo ausente em sua história normativa".
"A independência do Judiciário brasileiro se vê questionada por interferência estrangeira em litígios internos", completa.
Solução doméstica
Embora as restrições impostas pelos Estados Unidos afetem diretamente a capacidade financeira do ministro Alexandre de Moraes ao nível global, conforme divulgou o site Congresso em Foco, há formas de mitigar os impactos no âmbito interno.
A experiência internacional, especialmente o caso da Rússia em 2014, demonstra que é possível contornar parcialmente o isolamento imposto por sanções, por meio da criação de um sistema financeiro nacional independente.
No caso russo, a ameaça de exclusão da rede internacional Swift - base para comunicações entre instituições bancárias no mundo inteiro - levou ao desenvolvimento do SPFS (Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras), que opera de forma autônoma e viabiliza transações domésticas e, em alguns casos, internacionais, à margem do sistema tradicional. Embora inicialmente limitado, o modelo ganhou robustez ao longo dos anos, sendo adotado por centenas de instituições e ampliando a autonomia financeira do país.
Inspirado nesse precedente, o Brasil também teria condições técnicas para implementar uma rede similar. Instituições públicas como a Caixa Econômica Federal já operam sistemas de pagamentos de alta capilaridade, utilizados para repasses sociais, folha de pagamento e convênios interinstitucionais.
Com coordenação entre o Banco Central e o governo Federal, seria possível estruturar uma rede de comunicação bancária independente, voltada exclusivamente a operações nacionais e imune a interferências externas.
Na prática, essa solução permitiria que Moraes, e eventualmente outros agentes públicos, mantivessem acesso funcional ao sistema bancário interno, preservando pagamentos cotidianos, salários, transferências e outros compromissos locais, ainda que excluídos do circuito financeiro global.
Embora não substitua a operação em dólares nem o alcance da Swift, um sistema desse tipo representa uma alternativa viável diante de sanções unilaterais que afetam a soberania financeira de autoridades nacionais.
Lei Global Magnitsky: o que é?
Criada em 2012 para responsabilizar autoridades russas pela morte do advogado Sergei Magnitsky, a legislação foi posteriormente ampliada e hoje permite que os EUA imponham sanções unilaterais contra qualquer indivíduo estrangeiro acusado de violações de direitos humanos ou corrupção significativa.
A aplicação não depende de decisão judicial, bastando relatórios de parlamentares, ONGs ou governos aliados. Desde a promulgação, mais de 670 indivíduos foram incluídos na lista de sancionados.
Tensão diplomática
A sanção contra o ministro Alexandre de Moraes insere-se em um contexto de acirrada tensão diplomática entre os governos de Lula e Trump. O ambiente conflagrado vem se intensificando desde o início de julho, com uma série de medidas hostis adotadas pela administração republicana.
No dia 9, o presidente Donald Trump encaminhou carta oficial ao presidente Lula para comunicar a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras aos Estados Unidos. Na correspondência, o mandatário acusou o STF de promover perseguição política e classificou as investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro como atentatórias à democracia.
Poucos dias depois, em 18 de julho, o secretário de Estado Marco Rubio anunciou a revogação dos vistos de entrada nos EUA para ministros do Supremo e seus familiares, citando nominalmente Alexandre de Moraes como alvo da medida e antecipando a possibilidade de sanções mais severas.
O ápice desse movimento ocorreu nesta quarta-feira, 30, com a assinatura, por Trump, do decreto que formaliza a aplicação das tarifas ao Brasil.