STF derruba regra que veda militares casados e com filhos em curso
Para ministros, restrição prevista no Estatuto dos Militares viola princípios constitucionais da dignidade e proteção à família.
Da Redação
quarta-feira, 27 de agosto de 2025
Atualizado às 19:06
Nesta quarta-feira, 27, por unanimidade, o STF declarou inconstitucional norma do Estatuto dos Militares (lei 6.880/80) que impedia o acesso de pessoas casadas, em união estável ou com filhos e dependentes a cursos de formação e graduação de oficiais e praças em regime de internato (Tema 1.388).
O Supremo deu parcial provimento ao recurso para assegurar ao militar recorrente o direito de participar do próximo concurso.
Ainda, fixou a seguinte tese:
"É inconstitucional o art. 144-A da lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), ao condicionar o ingresso e a permanência nos órgãos de formação ou graduação de oficiais e de praças - ainda que em regime de internato e de dedicação exclusiva, ou de disponibilidade permanente, peculiar à carreira militar - à inexistência de vínculo conjugal, de união estável, de maternidade, paternidade e de dependência sócio-afetiva."
A Corte também modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para atribuir eficácia ex nunc (a partir de então).
Veja a proclamação do resultado:
Entenda
No caso concreto, um militar casado recorreu de decisão do TRF da 5ª região, que manteve a validade do edital do Curso de Formação e Graduação de Sargentos com as exigências previstas.
O militar argumentou que a regra impunha restrição desproporcional, feria o direito de acesso a cargos públicos e contrariava os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família. Sustentou, ainda, que a norma, inserida pela lei 13.954/19, promovia discriminação em razão do estado civil, em violação à CF.
Outro ponto levantado é que não apenas militares, mas também outros servidores públicos precisam, em determinadas ocasiões, afastar-se da família para exercer suas funções. Para o recorrente, se houvesse justificativa válida, a restrição deveria se estender a toda a carreira militar, e não apenas aos cursos de formação.
Voto do relator
Ao votar, o relator, ministro Luiz Fux, destacou que a exigência do estatuto viola princípios constitucionais fundamentais, como a igualdade (art. 5º), a dignidade da pessoa humana, a liberdade de escolha profissional e a proteção à família (art. 226).
Para o ministro, "o fato de um candidato ser casado, estar em união estável ou ter filhos e dependentes não impede que se adeque a uma rotina intensa de atividades de formação e preparação para a vida militar".
O relator citou precedentes do próprio STF que afastaram restrições arbitrárias em concursos públicos, como proibições relacionadas a tatuagens, idade ou condições de saúde que não comprometem o exercício da função.
Ressaltou, ainda, que a análise da compatibilidade entre vida familiar e carreira deve ser feita em concreto, no âmbito administrativo, e não como barreira abstrata de acesso.
Fux frisou que a Constituição de 1988 "representa um marco na busca pela igualdade material, indo além da igualdade formal", e que a vedação em exame constitui retrocesso.
O relator também fez comparação internacional, observando que democracias consolidadas como Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália e Israel não impõem restrições semelhantes, ao passo que países que adotam tais limitações são, em sua maioria, de baixa tradição democrática.
Ao final, o ministro propôs a seguinte tese:
"É inconstitucional o artigo 144-A da Lei nº 6.880/1990, ao condicionar o ingresso e a permanência nos órgãos de formação ou graduação de oficiais e praças, ainda que em regime de internato, de dedicação exclusiva e de disponibilidade permanente peculiar à carreira militar, à inexistência de vínculo conjugal, de união estável, de maternidade, de paternidade e de dependência socioafetiva."
Segundo Fux, a norma afronta o núcleo essencial dos direitos fundamentais e, em vez de promover eficiência e disciplina, resulta em exclusão e discriminação.
Veja trecho do voto:
Três razões
Ao votar, ministro Flávio Dino acompanhou o relator. S. Exa. sustentou que a norma não resiste ao exame da proporcionalidade por três razões principais.
Em primeiro lugar, apontou que se trata de uma concepção ultrapassada sobre o papel das Forças Armadas, hoje muito mais próximas das funções de ordem interna do que da defesa contra agressões externas.
"A última vez que isso aconteceu foi na Guerra do Paraguai", recordou, acrescentando que, na atualidade, conflitos envolvem drones, inteligência artificial e tropas profissionalizadas, o que torna ainda menos razoável a restrição.
Em segundo lugar, o ministro ressaltou que diversas outras profissões também exigem longos períodos de ausência familiar, como caminhoneiros e garimpeiros, sem que isso implique vedação a pessoas casadas ou com filhos.
Por fim, destacou que o acesso a cargos públicos é a regra constitucional, cabendo à lei apenas impor restrições compatíveis com o texto maior.
Dino lembrou a lição de John Rawls obre a equidade no acesso a posições públicas, sublinhando que não basta a declaração formal: é preciso assegurar condições reais de igualdade.
Segundo o ministro, a restrição contida no Estatuto dos Militares viola o direito fundamental de acesso equitativo a cargos públicos, afronta a autonomia e a diversidade familiar, e não encontra justificativa legítima na atualidade.
Confira:
- Processo: RE 1.530.083