Sem prova de dolo, STJ absolve acusado de falsidade ideológica em licitação
Diante da ausência de provas e da dúvida quanto à intenção do agente, o STJ aplicou o favor rei e manteve a absolvição.
Da Redação
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Atualizado às 12:19
Por unanimidade, a 6ª Turma do STJ manteve a absolvição de acusado de falsidade ideológica, por suposta irregularidade em declaração de não impedimento para participar de licitação. Para o colegiado, a ausência de provas judicializadas e a falta de comprovação do dolo tornaram inviável a condenação. Aplicando o princípio do "favor rei", os ministros reforçaram que a dúvida sobre a intenção do agente deve ser interpretada em favor do réu.
Entenda o caso
O Ministério Público Federal interpôs agravo regimental contra decisão monocrática do STJ que havia dado provimento ao recurso da defesa, absolvendo o réu com base no art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas suficientes para a condenação. Para o parquet, a decisão deveria ser revista, mas isso exigiria reexame de provas, providência vedada pela súmula 7 do STJ.
No acórdão recorrido, o Tribunal de origem reconheceu apenas indícios de que o réu tinha conhecimento do impedimento para licitar. Segundo os desembargadores, seria razoável presumir que o advogado havia comunicado ao cliente sobre a restrição.
No entanto, o único elemento produzido em juízo foi o interrogatório do próprio acusado, que afirmou desconhecer qualquer impedimento. Nenhuma outra prova foi apresentada pela acusação para demonstrar a intenção dolosa.
De acordo com o MPF, o réu teria apresentado a declaração de habilitação mesmo estando, supostamente, inabilitado por decisão administrativa anterior. Para a Promotoria, isso configuraria falsidade ideológica, já que o acusado teria omitido, de forma consciente, sua restrição legal à participação em certames públicos.
Em primeira instância, o acusado foi condenado. A defesa, porém, alegou que não houve dolo, pois o réu não teria sido formalmente cientificado da decisão que o inabilitava. O Tribunal de origem reformou a sentença condenatória, decisão que foi mantida pelo STJ.
Sem comprovação do dolo
O relator do caso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, destacou que, embora a materialidade do delito estivesse presente com a apresentação da declaração de não impedimento, não houve comprovação do dolo do acusado, ou seja, da intenção de fraudar.
Segundo o ministro, o crime de falsidade ideológica só se caracteriza quando a declaração apresentada é aceita como verdadeira sem possibilidade de conferência, gozando de presunção absoluta de veracidade. No caso concreto, isso não ocorreu porque a própria Administração Pública poderia verificar a declaração de não impedimento para licitar.
Saldanha Palheiro também explicou que sua decisão não implicou reexame de provas - hipótese vedada pela súmula 7 do STJ -, mas apenas uma reavaliação dos fatos já reconhecidos pelas instâncias anteriores, o que é admitido pela jurisprudência.
No processo, o único elemento de prova produzido em juízo foi o interrogatório do próprio réu, que afirmou categoricamente desconhecer qualquer restrição que o impedisse de participar de licitações. O acórdão recorrido reconheceu apenas a existência de "indícios" de que o acusado teria ciência do impedimento, mas sem provas concretas.
"O acórdão recorrido reconhece que há apenas indícios de que o réu tinha conhecimento do seu impedimento para licitar. Porém o único elemento de prova produzido em juízo é o interrogatório do acusado, que afirma peremptoriamente que desconhecia a existência de qualquer restrição que o impedisse de participar de procedimentos licitatórios. Não foi produzida qualquer outra prova pela acusação que comprove o elemento subjetivo do tipo penal."
Favor rei: dúvida em favor do acusado
Por fim, o ministro ressaltou que, no direito penal, a análise das provas deve respeitar o princípio do "favor rei": havendo dúvida razoável sobre a responsabilidade do réu, a decisão deve favorecer a absolvição, já que o ônus da prova recai integralmente sobre a acusação.
"Diante do panorama acima delineado, é forçoso reconhecer a existência de fundada dúvida acerca da autoria delitiva (dolo) por parte do agravante, dúvida essa que, no campo do direito penal, milita em favor do acusado."
Com base nesses fundamentos, a 6ª turma manteve a absolvição, reconhecendo a inexistência de provas suficientes para caracterizar o elemento subjetivo do tipo penal.
O advogado advogado Leonardo Sica atua no caso.
- Processo: AREsp 2.481.631
Leia o acórdão.