Advogado de Augusto Heleno diz que Moraes investigou testemunhas
Matheus Mayer Milanez criticou a atuação do relator e pediu a absolvição do general.
Da Redação
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
Atualizado às 11:24
No segundo dia de julgamento do chamado "núcleo crucial" por tentativa de golpe de Estado, o advogado Matheus Mayer Milanez, que atua na defesa do general Augusto Heleno, realizou sustentação oral no STF.
Heleno, que chefiou o GSI - Gabinete de Segurança Institucional durante o governo Bolsonaro, é um dos oito denunciados pela PGR por suposto envolvimento na tentativa de subverter o resultado das eleições de 2022. Entre os elementos reunidos pela acusação estão reuniões, documentos e manifestações públicas que, segundo a PGR, demonstram a tentativa deliberada de comprometer a legitimidade das urnas.
Conhecido por cobrar o "jantar" a Alexandre de Moraes durante sessão de depoimento dos réus, o advogado buscou, novamente, chamar a atenção no plenário. Ele iniciou sua fala citando Piero Calamandrei, em que o jurista fala do perigo do veneno da injustiça:
"Conheci um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos, acordava as noites em sobressalto, recordando com pavor que um miligrama daquela substância bastava para matar um homem. Como poderá dormir tranqüilamente o juiz que sabe possuir, num alambique secreto, aquele tóxico sútil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fuga pode bastar, não só para tirar a vida mas, o que é mais horrível, para dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?"
Crítica ao volume de documentos
Na sequência, o advogado apontou dificuldades enfrentadas pela defesa. Segundo ele, dois dias antes do interrogatório de Heleno foi disponibilizada uma pasta com digitalizações da operação "Tempus Veritatis". O acesso ocorreu em 8 de maio, enquanto o interrogatório foi realizado no dia 10.
Milanez classificou o material como uma "montanha de documentos", alegando que a busca por arquivos era inviável. Disse ainda que solicitou à Polícia Federal um índice da pasta, por considerar impossível a análise sem organização.
Produção de provas e imparcialidade
Outro ponto destacado foi o número de perguntas no interrogatório: de acordo com o advogado, Moraes formulou 302 indagações, enquanto a PGR apresentou 59.
Para a defesa, isso caracteriza uma atuação investigativa do relator, o que comprometeria sua imparcialidade.
"Por que não foi o MP que fez isso? O juiz é imparcial. Por que teve a iniciativa de pesquisar as redes sociais da testemunha?"
Citando o professor Aury Lopes Jr., Milanez disse que não é possível admitir a concentração de funções na figura do magistrado: "Não existe imparcialidade, pois uma mesma pessoa busca a prova e decide a partir da prova que ele mesmo produziu."
Assista a trecho:
"Imperiosa absolvição"
Ao requerer a absolvição de Heleno, o advogado rebateu a acusação de que o general teria apoiado críticas às urnas eletrônicas ao aparecer em uma live de Jair Bolsonaro em 29 de julho de 2021.
"Se essa sessão fosse transmitida da mesma forma que essa live, todos os assessores sentados ao fundo estariam envolvidos, pois da mesma forma estava General Heleno. Ele não falou. Não se manifestou."
A defesa também rejeitou a tese de que Heleno atuava como "consultor" de Bolsonaro. Segundo Milanez, reportagem da revista Veja demonstra que o general se afastou do núcleo decisório do governo. Em matéria intitulada "O melancólico fim de Augusto Heleno no governo Bolsonaro", a revista descreve que o ex-presidente teria privilegiado o "centrão", deixando o militar de lado.
Vacinas
O advogado também citou divergência de pensamentos entre Augusto Heleno e o ex-presidente da República. Para o general, o presidente deveria se vacinar.
"Toró de parpite"
O advogado afirmou que nada ficou efetivamente proposto a partir da apontada reunião ministerial apontada pela denúncia. Especialmente sobre seu cliente, diz que nada foi ventilado no GSI que tenha sido originado da famigerada reunião. Trata-se, segundo o advogado, de "toró de parpite", como, segundo ele, diriam os mineiros.
"Caderneta golpista"
A defesa também citou a "caderneta golpista", uma agenda pessoal com anotações do réu. Segundo o advogado, a PGR errou ao acreditar "cega e piamente na Polícia Federal".
O defensor esclareceu que Heleno confirmou que utilizava a agenda e fazia lá suas anotações pessoais, e que o general emendou a seguinte fala, que foi cortada pela PF: "Era um documento particular, secreto, não vinculava os assuntos que estavam escritos nessa agenda. Não apresentava nada quer pudesse levar ao julgamento de que essa agenda era uma caderneta golpista."
Para o advogado, ao omitir esse trecho, a PF induziu o MP em erro.
Em páginas da agenda, a PF apontou ter encontrado anotação de que "é válido continuar a criticar as urnas", e que "não faremos discurso contra negros e maricas". O advogado reclamou do fato de a Polícia não ter indicado as páginas seguintes, como a que fala em "pensar na qualidade do eleitorado", "resumo político do dia a dia para que o presidente tenha o que falar com apoiadores", entre outros.
"Claramente questões eleitorais. Por isso a PF curiosamente esqueceu de colocar."
Judiciário x Executivo
O advogado também mencionou a existência de atrito entre Judiciário e Executivo, afirmando que "era indiscutível". Ele citou frase do ministro aposentado do STF, Marco Aurélio Mello, proferida em setembro de 2021: "O STF está sendo utilizado pelos partidos de oposição para fustigar o governo. Isso não é sadio, não sei qual será o limite."
Além disso, destacou reportagem da Folha de S.Paulo, publicada em fevereiro deste ano, segundo a qual o número de decisões monocráticas no Supremo disparou nos últimos 15 anos, sobretudo durante o governo Bolsonaro.
"Abin paralela"
Ao negar que Heleno seria um articulador da "Abin paralela" - uso indevido de ferramentas de inteligência para monitorar autoridades -, o advogado diz que o general foi, ele próprio, monitorado pelo órgão por 11 vezes.
"Pera lá. Eu sou o grande articulador, junto com Alexandre Ramagem, da 'Abin paralela', e sou monitorado por ela?"
"Gota amarga"
Fazendo referência à citação que fez logo no início, o advogado pediu a absolvição de seu cliente, para que a "gota amarga da injustiça" não acabe com a doçura de sua vida.
"Caso as nulidades sejam superadas, que seja absolvido, e que se evite uma injustiça, e que amargue para sempre a vida de General Heleno, um sujeito que dedicou a vida inteira a essa nação e a esse país."
- Processo: AP 2.668