STJ afasta governador do Tocantins por suspeita de desvio de recursos na pandemia
Decisão monocrática de Mauro Campbell, referendada pela Corte Especial, está ligada à Operação Fames-19, que apura esquema milionário de corrupção.
Da Redação
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
Atualizado às 17:02
O ministro Mauro Campbell, do STJ, determinou o afastamento, por seis meses, do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, no âmbito da Operação Fames-19, que investiga desvio de verbas destinadas ao enfrentamento da pandemia de covid-19.
A PF aponta que o esquema, com contratos de cestas básicas, gerou prejuízo de mais de R$ 73 milhões, sendo parte dos valores lavados na construção de pousada de luxo em nome da família do governador.
Durante a sessão da Corte Especial desta quarta-feira, 3, ao justificar sua decisão, Mauro Campbell ressaltou que o governador, ao lado da esposa Karynne Sotero Campos, então secretária extraordinária de Participações Sociais, teria transformado a máquina pública em instrumento de atividades criminosas.
O ministro apontou que ambos se valeram de servidores públicos, empresários e deputados estaduais para estruturar um amplo esquema de desvio de recursos da assistência social durante a pandemia.
A decisão foi referendada, por unanimidade, pela Corte Especial.
Entenda o caso
Conforme noticiado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a PF deflagrou nesta quarta-feira, 3, a segunda fase da Operação Fames-19, voltada a aprofundar as investigações sobre o desvio de recursos públicos destinados ao enfrentamento da pandemia de covid-19, incluindo verbas parlamentares direcionadas à compra de cestas básicas.
As apurações apontam fortes indícios de que, entre 2020 e 2021, agentes públicos e políticos se aproveitaram do estado de emergência em saúde e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas.
Mais de 200 policiais federais cumpriram 51 mandados de busca e apreensão, além de outras medidas cautelares, com o objetivo de reunir novos elementos sobre o uso de emendas parlamentares e o suposto recebimento de vantagens indevidas.
Segundo a PF, foram pagos mais de R$ 97 milhões em contratos para fornecimento de cestas básicas e frangos congelados, resultando em um prejuízo estimado superior a R$ 73 milhões aos cofres públicos. Os valores desviados teriam sido ocultados por meio da construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais dos envolvidos.
Esquema de corrupção
Em sustentação durante a sessão, o MPF defendeu a manutenção do afastamento do governador e das medidas cautelares impostas.
O órgão destacou que a investigação teve início ainda no ano passado, antes mesmo de Barbosa assumir o governo, e lembrou que outros ex-governadores do Tocantins já foram afastados em situações semelhantes.
Ressaltou que a Operação Fames-19 se encontra em sua segunda fase, com indícios não apenas de desvio de recursos da pandemia, mas também de emendas parlamentares estaduais.
Segundo o MPF, os elementos analisados envolvem possíveis crimes de fraude à licitação, lavagem de ativos e organização criminosa, com destaque para a contemporaneidade dos delitos. Para a Procuradoria, a ligação entre os desvios e a construção da pousada de luxo em nome da família do governador reforça a necessidade do afastamento.
A manifestação também citou indícios de participação da esposa de Barbosa, de seu filho e de assessores próximos em operações de lavagem de dinheiro, tanto pelo parcelamento de valores quanto pelo uso de empreendimentos comerciais e pagamento de despesas pessoais.
Por fim, o MPF pediu que a PF complemente, em prazo anterior ao término dos seis meses de afastamento, o relatório da segunda fase da investigação, a fim de consolidar os elementos probatórios e subsidiar novas medidas judiciais.
Balcão de negócios
Mauro Campbell afirmou que Wanderlei Barbosa, ao lado da esposa Karynne Sotero Campos, então secretária extraordinária de Participações Sociais, teria transformado a estrutura do governo estadual em "instrumento de atividades criminosas".
O relator apontou que o casal se valeu de servidores públicos, empresários e parlamentares para estruturar um esquema sistemático de desvio de recursos da assistência social durante a pandemia.
"(...)Os elementos de convicção colhidos após o cumprimento da referida medida cautelar comprovaram inequivocamente que Wanderlei Castro, de fato, transformou o governo do Estado de Tocantins em um verdadeiro balcão de negócios, recebendo montantes em espécie a título de vantagem indevida pelos contratos de fornecimento de bens e serviços conduzidos durante a sua gestão."
Empresas beneficiadas
O núcleo do esquema, segundo o ministro, girava em torno da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, atribuída a Barbosa ainda como vice-governador. Empresas do ramo alimentício foram citadas como beneficiárias de contratos sob suspeita de fraudes, superfaturados.
Campbell ressaltou que uma das empresas permitiu a movimentação de recursos usados para quitar despesas pessoais do governador. O ministro também destacou o papel do chefe de gabinete Marcos Martins Camilo e do fiscal de contratos Matheus Macedo Mota, que realizavam depósitos e pagamentos de boletos bancários em nome de Wanderlei Barbosa.
Envolvimento direto de assessores e da primeira-dama
Conversas interceptadas revelaram que contratos com uma das empresas investigadas eram supervisionados diretamente pelo governador e por sua esposa, com planos de usar projetos sociais, como programas de conscientização sobre o autismo, para auferir propinas.
Assessores próximos também teriam atuado na montagem e intermediação do esquema.
O ministro mencionou ainda diálogos que indicaram o repasse de R$ 550 mil em espécie ao governador, por meio de uma empresária, relativos a contratos de fornecimento de proteína animal. Saques milionários realizados por servidores nomeados por Barbosa reforçaram a continuidade do esquema.
Pousada de luxo para lavagem de dinheiro
Um dos pontos centrais da decisão foi a ligação entre o esquema e a construção da Pousada Pedra Canga, empreendimento de luxo em Palmas registrado em nome de filhos do governador, Rérison Antônio Castro Leite. Segundo laudo da Polícia Federal, a obra já consumiu cerca de R$ 6,38 milhões.
Conversas interceptadas revelaram que o próprio filho de Barbosa teria afirmado que o pai não queria nada registrado em seu nome, evidenciando a prática de lavagem de capitais na modalidade de simulação. Campbell também destacou que documentos fiscais da pousada foram registrados às pressas na Junta Comercial em março de 2025, em tentativa de justificar retroativamente os aportes financeiros.
Medida excepcional
O ministro ressaltou que o afastamento de um governador eleito é medida de "gravidade ímpar" e só deve ser adotada em situações excepcionais, quando houver risco concreto de continuidade das práticas criminosas. Para Campbell, esse é o caso de Wanderlei Barbosa.
Com base no artigo 319 do CPP, determinou a suspensão do exercício da função pública pelo prazo de 180 dias para o governador e sua esposa. Além disso, decretou a suspensão das atividades das empresas envolvidas no esquema, proibiu o casal de ingressar em prédios públicos como o Palácio Araguaia e a Assembleia Legislativa, e também estabeleceu restrição de contato entre os investigados.
O relator, contudo, indeferiu pedidos de afastamento de deputados estaduais citados na investigação e do presidente da junta comercial do Tocantins, por entender que ainda são necessários novos elementos para comprovar a utilização dos cargos por eles ocupados na prática dos crimes.
Campbell também negou, por ora, o uso de monitoramento eletrônico por tornozeleira. Destacou, no entanto, que as medidas aplicadas são suficientes para interromper a atuação da organização criminosa e resguardar o andamento das investigações.
A decisão foi referendada, por unanimidade, pela Corte Especial.