STJ julga prova de má-fé para devolver valores em dobro a consumidor
Para o relator, ministro Humberto Martins, a repetição em dobro de valores cobrados indevidamente independe da má-fé do fornecedor, bastando violação à boa-fé objetiva; a ministra Isabel Gallotti pediu vista.
Da Redação
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado às 19:59
A Corte Especial do STJ iniciou o julgamento do Tema 929, que discute se a repetição em dobro dos valores cobrados indevidamente, prevista no art. 42 do CDC, depende da comprovação de má-fé do fornecedor.
O relator, ministro Humberto Martins, votou pela reafirmação do entendimento de que basta a violação à boa-fé objetiva, propondo ainda a modulação de efeitos para limitar a aplicação da tese a cobranças posteriores a 30 de março de 2021.
O ministro Luis Felipe Salomão apresentou divergência parcial, rejeitando a modulação e sugerindo critérios complementares para coibir abusos, enquanto a ministra Isabel Gallotti pediu vista, suspendendo o julgamento.
Caso paradigma
O recurso especial foi interposto por herdeiros de um consumidor idoso e analfabeto funcional que, sem ter contratado empréstimo consignado, sofreu descontos mensais em seus proventos de aposentadoria, realizados pelo banco.
As instâncias ordinárias reconheceram a inexistência da relação contratual, mas afastaram a devolução em dobro dos valores, sob o argumento de ausência de prova de má-fé.
O STJ, ao julgar o recurso sob o rito dos repetitivos, confirmou a ilicitude da cobrança e manteve a decisão de mérito, negando provimento ao recurso, mas fixando a tese jurídica vinculante para os demais casos.
Durante a sessão, houve participação de diversas entidades na condição de amicus curiae. O IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor defendeu a tese da dispensabilidade da prova de má-fé, alegando a dificuldade prática de o consumidor comprovar dolo em casos de fraude bancária.
Já representantes de instituições financeiras sustentaram que a aplicação da sanção deve estar condicionada à demonstração de dolo ou má-fé, ressaltando o caráter punitivo da devolução em dobro e as repercussões práticas para o sistema financeiro.
A defesa do recorrido pediu a desafetação do recurso, argumentando que o caso não seria adequado como paradigma. Sustentou que havia contrato entre as partes, mas reconheceu que o documento não foi juntado na fase processual adequada, o que, em sua visão, comprometeria a representatividade do processo.
Não precisa comprovar má-fé
O relator, ministro Humberto Martins, reafirmou o entendimento já fixado pela própria Corte em 2020 no sentido de que não é necessária a prova de dolo ou culpa para a aplicação da sanção. Para o ministro, basta que a cobrança indevida configure conduta contrária à boa-fé objetiva.
Martins ressaltou que a Corte Especial já havia uniformizado a jurisprudência, superando divergências entre as turmas de Direito Público e de Direito Privado do STJ, e que agora cabia apenas consolidar a tese:
"A restituição em dobro do indébito, parágrafo único do art. 42 do CDC, independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor, que realizou a cobrança indevida, sendo cabível quando referida à cobrança consubtanciar a conduta contrária à boa-fé objetiva."
O relator também propôs a modulação de efeitos, limitando a aplicação da tese às cobranças realizadas após 30 de março de 2021 - data da publicação do acórdão de referência -, exceto nas hipóteses de prestação de serviços públicos, em que a eficácia da tese seria imediata.
Para S. Exa., a limitação se justifica pela necessidade de segurança jurídica, já que a jurisprudência da Segunda Seção até então exigia a prova de má-fé.
No caso concreto, conheceu parcialmente do recurso especial, mas negou-lhe provimento, mantendo a restituição simples, por entender que o recurso não trazia elementos suficientes para modificar a decisão das instâncias de origem.
Divergência
O ministro Luis Felipe Salomão apresentou divergência parcial. Embora concorde com a tese de fundo - de que a devolução em dobro independe da prova de dolo ou culpa -, discordou da modulação de efeitos.
Para Salomão, não houve alteração jurisprudencial a justificar a limitação temporal, já que a má-fé sempre foi compreendida em sentido objetivo pelas turmas de Direito Privado, como conduta contrária à boa-fé objetiva. Nesse sentido, a decisão da Corte Especial em 2020 não representou mudança de entendimento, mas apenas a sua consolidação.
O ministro destacou que a proteção da confiança legítima, que poderia justificar a modulação, não se aplica a fornecedores que, de forma injustificada, efetuam cobranças indevidas contra consumidores vulneráveis. Assim, defendeu a eficácia plena da tese, sem restrições temporais, inclusive para relações privadas.
Além disso, Salomão propôs uma tese alternativa e complementar, sugerindo critérios adicionais para evitar abusos processuais, tais como:
- a omissão ou recusa do fornecedor em responder reclamações do consumidor como indício suficiente de má-fé objetiva;
- a inversão do ônus da prova, cabendo ao fornecedor demonstrar que agiu em conformidade com a boa-fé;
- a caracterização de "engano justificável" apenas quando houver controvérsia jurisprudencial ou cláusula posteriormente declarada nula.
No caso concreto, o ministro entendeu estarem presentes elementos de má-fé objetiva por parte da instituição financeira, em razão da cobrança de empréstimo não contratado e da ausência de prova documental do contrato. Por isso, votou pela restituição em dobro.
Pedido de vista
Após os votos, a ministra Isabel Gallotti pediu vista, suspendendo a conclusão do julgamento.
- Processo: REsp 1963770

