STF: Imunidade parlamentar exclui dever de indenizar do Estado
No caso concreto, Estado não terá que indenizar magistrado por ofensa de deputado em Assembleia.
Da Redação
sábado, 27 de setembro de 2025
Atualizado em 28 de setembro de 2025 07:51
STF, por unanimidade, decidiu que não é possível a responsabilização civil do Poder Público por eventuais danos decorrentes de atos praticados sob a proteção da imunidade parlamentar.
A Corte seguiu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que fixou a tese de que manifestações de parlamentares no exercício do mandato, quando amparadas por essa garantia constitucional, afastam qualquer pretensão indenizatória contra o Estado.
O caso
O Estado do Ceará interpôs recurso extraordinário contra acórdão do TJ/CE que havia reconhecido a responsabilidade civil do ente público por danos à imagem e à honra de um magistrado.
O caso teve origem em ação indenizatória ajuizada pelo juiz ofendido, que alegou ter sido alvo de declarações de um deputado estadual durante sessão na tribuna da Assembleia Legislativa.
Segundo o magistrado, o parlamentar utilizou expressões como "conluio", "conchavo" e "maracutaia", insinuando que ele favorecia o prefeito de um município em razão de suas decisões judiciais. As afirmações, feitas no exercício do mandato legislativo, foram consideradas ofensivas à honra e à imagem do juiz.
Em 1ª instância, o pedido foi parcialmente acolhido, condenando o Estado ao pagamento de indenização equivalente a 50 vezes o valor do subsídio do magistrado. Em grau recursal, o TJ/CE reduziu o montante fixado para R$ 200 mil.
Inconformado, o Estado recorreu ao STF sustentando que não seria cabível a condenação por danos morais em situações como essa.
Argumentou que as declarações foram proferidas no exercício da atividade parlamentar e, portanto, estariam protegidas pela imunidade material prevista no art. 53 da Constituição, segundo a qual deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Com base nisso, defendeu que não haveria responsabilidade civil do ente público.
Voto do relator
No plenário virtual, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou para reconhecer que a imunidade parlamentar material afasta a responsabilidade civil objetiva do Estado em casos de opiniões, palavras e votos proferidos por deputados e senadores no exercício do mandato.
Segundo o ministro, não cabe ao ente público indenizar danos decorrentes de manifestações amparadas por essa garantia constitucional. S. Exa. destacou que a imunidade não constitui privilégio pessoal, mas sim uma garantia institucional destinada a preservar a independência do Legislativo e a assegurar a liberdade do debate parlamentar.
O relator ressaltou que a responsabilização do Estado por falas protegidas pela imunidade poderia gerar um "efeito inibidor" sobre a atuação dos parlamentares, contrariando os objetivos da norma.
Nesse sentido, afirmou que a imunidade parlamentar atua como excludente da responsabilidade civil do Estado, limitando o alcance do art. 37, § 6º, da Constituição. Para Barroso, impor ao ente público a obrigação de indenizar nesses casos restringiria de forma desproporcional a liberdade de expressão no Parlamento e poderia levar ao silenciamento de minorias políticas.
O ministro observou, no entanto, que manifestações que ultrapassem os limites da imunidade, como falas dissociadas do mandato, incitação a crimes ou discursos abusivos, não ficam imunes à responsabilização. Nesses casos, a responsabilidade é pessoal e subjetiva do parlamentar, não podendo ser transferida ao Estado.
No caso concreto, concluiu que a manifestação estava protegida pela imunidade parlamentar e, por isso, não gera responsabilidade civil objetiva do ente público.
Ao final, propôs a fixação da seguinte tese de julgamento:
"1. A imunidade material parlamentar (art. 53, caput, c/c art. 27, § 1º, e art. 29, VIII, CF/88) configura excludente da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º, CF/88), afastando qualquer pretensão indenizatória em face do ente público por opiniões, palavras e votos cobertos por essa garantia.
2. Nas hipóteses em que a conduta do parlamentar extrapolar os limites da imunidade material, eventual responsabilização recairá de forma pessoal, direta e exclusiva sobre o próprio parlamentar, sob o regime de responsabilidade civil subjetiva."
Leia o voto do relator.
Garantia institucional
Acompanhando o relator, em voto vogal, ministro Alexandre de Moraes reforçou o entendimento de que as imunidades parlamentares não são privilégios pessoais, mas garantias institucionais de proteção ao livre exercício da função legislativa.
Citando precedentes do STF, afirmou que a inviolabilidade é absoluta para manifestações feitas no recinto da Casa Legislativa, e que eventuais excessos devem ser tratados pela própria instituição, no âmbito político-disciplinar.
Para Moraes, "a incidência da imunidade parlamentar ao caso não autoriza a pretensão de indenização por dano moral em face do Estado sob o fundamento da responsabilidade objetiva do ente público, pois se trata de causa excludente da ilicitude da conduta, de modo que, uma vez constatada a proteção da garantia constitucional pela origem, fica afastada qualquer possibilidade de reparação por ato ilícito".
O ministro ressaltou ainda que falas desvinculadas do exercício do mandato ou manifestações ilícitas não estão abrangidas pela imunidade, cabendo nesse caso a responsabilização direta e pessoal do parlamentar.
No caso concreto, por se tratar de discurso proferido em tribuna legislativa, concluiu que a imunidade parlamentar material afasta qualquer pretensão indenizatória contra o Estado.
Ao final, votou pelo provimento do recurso extraordinário interposto pelo Estado do Ceará, para julgar improcedentes os pedidos da ação indenizatória.
Leia o voto de Moraes.
Ressalva
Ministro André Mendonça também acompanhou o relator, destacando que eventual responsabilização por falas de parlamentares só pode recair sobre o próprio agente político, em caráter pessoal e subjetivo.
S. Exa. ressaltou, contudo, que a repercussão geral fixada neste caso tem escopo restrito: apenas afirmar que o ente público não pode ser responsabilizado por manifestações amparadas pela imunidade parlamentar.
Mendonça frisou que a decisão não estabelece parâmetros definitivos sobre os limites dessa imunidade, nem analisa se houve ou não extrapolação no caso concreto.
Para o ministro, a improcedência do pedido indenizatório decorre da ilegitimidade passiva do Estado do Ceará, não sendo possível transferir ao ente público a reparação de eventual ofensa.
Ao final, aderiu à tese proposta por Barroso e votou pelo provimento do recurso, julgando improcedente a ação indenizatória.
Leia o voto de Mendonça.
- Processo: RE 632.115

