Constituição completa 37 anos com omissões legislativas reconhecidas pelo STF
Ao longo dos últimos anos, o STF tem sido provocado a reconhecer omissões do Congresso Nacional em temas que exigem lei para que os dispositivos constitucionais produzam efeitos.
Da Redação
sexta-feira, 3 de outubro de 2025
Atualizado às 06:34
No próximo domingo, 5, a Constituição Federal de 1988 completa 37 anos. Enquanto é celebrada como marco da redemocratização e das garantias fundamentais, parte de seu conteúdo permanece sem regulamentação legislativa. Ao longo dos últimos anos, o STF tem sido provocado a reconhecer omissões do Congresso Nacional em temas que exigem lei para que os dispositivos constitucionais produzam efeitos. Em diversos casos, a Corte fixou prazos para que o Legislativo delibere e, caso a inércia continue, previu medidas substitutivas.
A seguir, os principais casos recentes em que o STF constatou a ausência de regulamentação constitucional e determinou providências.
Número de deputados federais
A ADO 38 foi apresentada em 2017 pelo Estado do Pará. A ação questionou a falta de uma lei complementar que atualizasse os critérios de distribuição das cadeiras da Câmara dos Deputados, conforme determina o artigo 45, §1º, da Constituição.
Em agosto de 2023, o STF reconheceu a omissão do Congresso e concedeu prazo de dois anos para a aprovação da norma. A decisão também previu que, em caso de inércia, o TSE definiria a nova distribuição até 1º de outubro de 2025.
Em resposta parcial à decisão, o Congresso aprovou, em junho de 2025, o PLP 177/23, que ampliava o número de deputados de 513 para 531 e estabelecia novos critérios de repartição, revogando a LC 78/93. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o texto em julho de 2025 (veto 20/25). Como o veto ainda não foi apreciado, o processo legislativo não foi concluído.
Diante do impasse, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, pediu ao STF o reconhecimento de que a decisão havia sido cumprida com a aprovação do PLP, mesmo vetado, e solicitou a manutenção da atual composição da Câmara em 2026, em respeito ao princípio da anualidade eleitoral (artigo 16 da Constituição) e à segurança jurídica.
Em 29 de setembro, o ministro Luiz Fux concedeu medida cautelar determinando que o número de deputados nas eleições de 2026 seja o mesmo de 2022. Segundo o ministro, eventual alteração só poderá produzir efeitos "com segurança e clareza" a partir do pleito de 2030. O plenário confirmou a liminar por unanimidade.
Participação de trabalhadores na gestão de empresas
Em fevereiro de 2025, o STF reconheceu, na ADO 85, a ausência de regulamentação do direito de participação dos trabalhadores na gestão das empresas. O dispositivo está previsto no artigo 7º, inciso XI, da Constituição, que garante participação nos lucros e resultados e, "excepcionalmente", participação na gestão conforme lei a ser editada.
Por unanimidade, a Corte fixou prazo de 24 meses para o Congresso editar a norma. A ação foi proposta pela PGR, que destacou a ausência de lei sobre o tema mais de 35 anos após a promulgação da Constituição.
O relator, ministro Gilmar Mendes, apontou que a participação nos lucros já foi regulamentada, mas a gestão trabalhista permanece sem disciplina abrangente.
Mendes observou que existem leis específicas para empresas públicas, sociedades de economia mista e sociedades anônimas com conselhos de administração, mas ressaltou que a maioria das empresas não está abrangida por essas regras. Para o ministro, a omissão inviabiliza a plena aplicação do dispositivo constitucional.
Retenção dolosa de salários
Em maio de 2025, no julgamento da ADO 82, o STF decidiu que há omissão legislativa na falta de tipificação penal da retenção dolosa de salários. A Constituição prevê, no artigo 7º, que a retenção intencional de remuneração configura crime, mas nenhuma lei foi editada para definir o tipo penal desde 1988.
A PGR ajuizou a ação alegando demora inconstitucional do Congresso em elaborar a norma. Por unanimidade, a Corte estabeleceu prazo de 180 dias para que seja tipificado o delito.
O relator, ministro Dias Toffoli, afirmou que a omissão se prolonga há quase quatro décadas e possui repercussão social significativa. Ele destacou que o salário integra o patrimônio mínimo essencial dos trabalhadores e deve ser protegido por lei específica.
Toffoli também recordou que, segundo a jurisprudência do Tribunal, não há violação ao princípio da separação de Poderes quando o STF impõe prazo legislativo em casos de omissão constitucional.
Proteção ao Pantanal
Em junho de 2024, o STF identificou omissão legislativa na edição de uma lei Federal para preservação do Pantanal Mato-Grossense. A decisão foi tomada na ADO 63, relatada pelo ministro André Mendonça.
A maioria dos ministros fixou prazo de 18 meses para que o Congresso aprove uma norma específica para o bioma. Caso não haja deliberação no período, o Tribunal poderá impor medidas supletivas ou substitutivas.
No voto, o relator afirmou que, passados mais de 35 anos da Constituição, a ausência de uma lei Federal específica caracteriza omissão. Ele reconheceu a existência de leis estaduais e debates legislativos, mas considerou insuficientes os instrumentos existentes para garantir a proteção ambiental do Pantanal.
Os ministros Flávio Dino, Nunes Marques, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso acompanharam o relator. Barroso destacou episódios recentes de queimadas e afirmou que a legislação atual "não está sendo suficiente".
Houve divergência dos ministros Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, para quem o novo Código Florestal, de 2012, e leis estaduais já tratariam do assunto, afastando o reconhecimento de omissão.
Licença-paternidade
Em dezembro de 2023, ao julgar a ADO 20, o STF reconheceu omissão do Congresso na regulamentação da licença-paternidade e fixou prazo de 18 meses para a edição de lei específica. A ação foi proposta pela CNTS - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde.
O direito está previsto no artigo 7º da Constituição, mas, desde 1988, permanece apenas a regra transitória do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura licença de cinco dias.
O julgamento ocorreu em sessão presencial após destaque do ministro Luís Roberto Barroso. A maioria entendeu que o modelo vigente é insuficiente e não corresponde à evolução das responsabilidades familiares. Inicialmente, Barroso sugeriu a equiparação da licença-paternidade à licença-maternidade caso o Congresso não deliberasse no prazo, mas, após deliberação interna, os ministros decidiram que caberá ao Supremo definir o período caso a omissão persista.
O único voto contrário foi do ministro Marco Aurélio, já aposentado, que considerava inexistente a lacuna legislativa, com base no dispositivo do ADCT.
O prazo fixado ainda não resultou em norma aprovada pelo Congresso.
Adicional por atividades penosas
Em junho de 2024, a ADO 74 levou o STF a reconhecer a ausência de regulamentação relativa ao adicional para trabalhadores urbanos e rurais que exercem atividades penosas, direito previsto no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição.
Por unanimidade, o Tribunal fixou prazo de 18 meses para aprovação da lei. O relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o tempo decorrido desde 1988 superou o limite razoável. Ele lembrou que os adicionais de insalubridade e periculosidade já foram regulamentados, e que a dificuldade em conceituar atividades penosas não justifica a falta de norma.
Segundo o ministro, a inexistência de lei impede o exercício do direito e afeta trabalhadores expostos a condições extenuantes, ainda que não necessariamente insalubres ou perigosas.

