STF: Toffoli vota para barrar busca e apreensão extrajudicial por Detrans
Ministro considerou inconstitucional que órgãos de trânsito executem contratos fiduciários.
Da Redação
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
Atualizado em 14 de outubro de 2025 10:08
Para o ministro Dias Toffoli, o STF deve declarar inconstitucional o dispositivo do Marco Legal das Garantias que autorizava os Detrans a promoverem a execução extrajudicial de contratos de alienação fiduciária de veículos.
O voto foi proferido em embargos de declaração relatados pelo ministro e julgados no plenário virtual da Corte.
A análise teve início na sexta-feira, 10, mas foi suspensa por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Antes da interrupção, Toffoli foi acompanhado pelo ministro Cristiano Zanin.
Entenda
As ADIns foram ajuizadas pela União dos Oficiais de Justiça do Brasil, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Associação Nacional dos Oficiais de Justiça, Avaliadores Federais e Associação Federal dos Oficiais de Justiça do Brasil.
Elas questionam os arts. 8º-B a 8º-E do decreto-lei 911/69, com a redação dada pela lei 14.711/23. Eles preveem:
- Consolidação extrajudicial da propriedade fiduciária por meio de cartório;
- Procedimento de busca e apreensão administrativa;
- Regras para execução extrajudicial de hipotecas e garantias em concurso de credores;
- Possibilidade de realização de leilões extrajudiciais e alienação direta.
As entidades sustentam que tais medidas violam a reserva de jurisdição, o devido processo legal, a inviolabilidade de domicílio e o princípio da dignidade da pessoa humana, ao permitirem constrição de bens sem autorização judicial.
Voto do relator
Ao votar, ministro Toffoli propôs que o Supremo declare inconstitucional o art. 8º-E do decreto-lei 911/69, introduzido pela lei 14.711/23 (marco legal das garantias), que permite aos departamentos estaduais de trânsito (Detrans) realizar a execução extrajudicial de contratos de alienação fiduciária de veículos.
Ao reexaminar o caso, Toffoli reviu sua posição anterior e acolheu parte dos embargos para dar efeitos infringentes à decisão, reconhecendo que a previsão do art. 8º-E "cria um sistema paralelo de execução extrajudicial de bens móveis" sem a necessária fiscalização do Poder Judiciário, o que fragilizaria direitos fundamentais dos devedores.
Segundo o ministro, os Detrans não possuem atribuição jurídica nem estrutura para conduzir execuções extrajudiciais, cuja condução caberia exclusivamente aos cartórios de registro de títulos e documentos - órgãos fiscalizados pelas corregedorias dos tribunais e pelo CNJ.
Toffoli enfatizou ainda que a resolução Contran 1.018/25 não garante ao devedor o direito de defesa perante autoridade pública, uma vez que a contestação da dívida ocorre apenas por canal do próprio credor.
"Não há análise da defesa por autoridade imparcial, diferentemente do que ocorre no âmbito dos cartórios", destacou.
Ao final, o relator propôs o acréscimo de tese específica para declarar a inconstitucionalidade do art. 8º-E e reafirmar que as execuções devem ocorrer exclusivamente perante os cartórios.
"1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela Lei nº 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores.
2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos §§ 4º, 5º e 7ºdo art. 8º-C do Decreto-Lei nº 911/69 (redação da Lei nº 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade.
3. É inconstitucional o art. 8º-E do Decreto-Lei nº 911/69, o qual faculta ao credor promover a consolidação da propriedade e a busca e apreensão em contratos de alienação fiduciária de bens móveis perante os órgãos executivos de trânsito dos Estados."
- Veja o voto.
Entendimento anterior
Na decisão de mérito, o STF havia validado os mecanismos extrajudiciais de busca e apreensão, desde que observados direitos fundamentais.
Toffoli havia entendido que os procedimentos extrajudiciais previstos na lei 14.711/23 eram compatíveis com a CF, pois não afastariam o controle judicial posterior nem violariam o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).
Segundo o voto, a execução extrajudicial é facultativa e depende de cláusula expressa no contrato. O modelo assegura a notificação do devedor e a possibilidade de impugnação, além de manter o acesso ao Judiciário para contestação.
Toffoli afirmou, na oportunidade, que o sistema conferiria celeridade e eficiência econômica, sem comprometer as garantias constitucionais do devedor.
Assim, propôs interpretação conforme à Constituição para os dispositivos referentes à busca e apreensão, determinando que a execução respeite direitos fundamentais - como a inviolabilidade do domicílio, a vida privada, a honra e a proibição do uso privado da violência.
- Veja o voto do mérito.
Na ocasião, ministro Flávio Dino acompanhou o relator na maior parte dos pontos, mas divergiu quanto ao art. 8º-E, que permitia a execução extrajudicial de veículos pelos Detrans.
Para Dino, essa previsão comprometeria a segurança jurídica e o direito de defesa, pois os órgãos de trânsito não são fiscalizados pelo Judiciário e não possuem estrutura jurídica adequada.
- Veja o voto.
Já a ministra Cármen Lúcia abriu divergência total, por entender que os dispositivos do Marco Legal das Garantias violam a reserva de jurisdição e o devido processo legal, ao permitir que medidas coercitivas - como a busca e apreensão de bens -sejam executadas sem decisão judicial.
- Leia a íntegra da divergência.
Efeitos
Embora voltado à proteção do devedor fiduciante, o voto de Toffoli tem impactos diretos sobre o sistema de crédito e a segurança das operações de financiamento.
Ao impedir que o credor recorra aos Detrans para reaver o bem em caso de inadimplência, o entendimento dificulta a restituição dos bens alienados, prolonga o processo de recuperação do crédito e eleva o risco de inadimplência.
A decisão, se confirmada, pode desestimular a concessão de crédito garantido por alienação fiduciária, reduzindo a confiança dos agentes financeiros e afetando a credibilidade do mercado de financiamentos.
A possibilidade de execução mais célere - uma das inovações do Marco Legal das Garantias - ficaria limitada ao procedimento cartorário, mais caro e burocrático.