STJ: Ministro Antonio Carlos vota por absolver conselheiro do TCE/RJ
José Gomes Graciosa e a ex-esposa respondem por lavagem ligada a valores mantidos na Suíça e em offshore desde o fim dos anos 1990; corrupção e organização criminosa figuram como antecedentes.
Da Redação
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Atualizado em 16 de outubro de 2025 07:34
Corte Especial do STJ retomou, nesta quarta-feira, 15, o julgamento de ação que apura suposta lavagem de dinheiro praticada pelo conselheiro do TCE/RJ, José Gomes Graciosa, e por sua ex-esposa, Flávia Lopes Segura Graciosa.
O caso é um desdobramento das operações Quinto do Ouro e Descontrole, que revelaram a existência, entre 1999 e 2016, de uma organização criminosa no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, estruturada para receber propina sobre contratos públicos.
Na sessão anterior, a ministra Isabel Gallotti havia votado pela condenação, com penas de 21 anos e oito meses para José e três anos e oito meses para Flávia, além de devolução de R$ 3,79 milhões, perdimento dos valores e perda do cargo do conselheiro.
O revisor, ministro Antonio Carlos Ferreira, abriu divergência e votou pela absolvição dos réus, ao afirmar faltar nexo entre os valores mantidos na Suíça (1998-2002) e os crimes antecedentes descritos apenas a partir de 2007.
O caso permanece suspenso, em razão de pedido de vista do ministro Og Fernandes.
Segundo a acusação, as operações Quinto do Ouro e Descontrole apontaram a existência, entre 1999 e 2016, de organização criminosa no âmbito do TCE/RJ, com cobrança e distribuição de propinas ligadas a contratos do Estado do Rio de Janeiro.
O MPF atribui a José Gomes Graciosa e à então esposa Flávia a manutenção oculta, e não declarada às autoridades brasileiras, de valores superiores a 1 milhão de francos suíços no UBS (Suíça), em conta pessoal do conselheiro e em conta da offshore Lacamos (também grafada nos autos como Lacamus/Lacampus), abertas em 1998/1999.
Em 2002, houve depósito de US$ 197,2 mil na conta pessoal, oriundo da Tronix Holding Ltd., seguido de transferência de valor equivalente para a offshore cinco dias depois.
Em 2016, após exigência de encerramento das contas pelo compliance do banco, a quase totalidade dos ativos foi transferida à Caritas Internationalis.
Defesa
Em sustentação oral, o advogado Marcelo Leal afirmou que os valores têm origem lícita na venda da Rádio Clube de Valença (mar/1998) - os US$ 500 mil teriam ficado com Graciosa, que abriu conta no UBS (jul/1998) para aplicar o montante. Sustentou falta de contemporaneidade e nexo causal entre as contas (1998/1999) e os fatos da APn 897 (2007-2016) e disse que o depósito de US$ 197,2 mil (2002), via Tronix, foi devolução de quantia sacada para um negócio imobiliário frustrado.
Alegou documentação incompleta (sem extratos de 1998-2000), atribuiu o encerramento das contas à condição de PEP e ao compliance suíço, e afirmou que a doação à Caritas foi solução bancária para encerrar a relação.
Por fim, apontou decisões do conselheiro em PAC Favelas, Maracanã e Linha 4 do Metrô como indício de rigor, e destacou que, na APn 897, 27 testemunhas (24 delatores) não atribuíram a ele ato concreto de corrupção.
Voto da relatora
Ao analisar o caso, a relatora, ministra Isabel Gallotti, entendeu estarem comprovadas a materialidade e a autoria da lavagem de dinheiro. Ela citou extratos bancários, documentos de abertura de conta no UBS (Suíça), registros de offshores e colaborações premiadas como provas da ocultação de recursos obtidos por meio de organização criminosa instalada no TCE/RJ.
Para a relatora, a lavagem é crime autônomo, passível de julgamento independente do delito antecedente, desde que existam indícios consistentes da origem ilícita dos valores.
Gallotti determinou, ainda, a devolução de R$ 3,7 milhões e a perda do cargo público de José Gomes Graciosa, considerando a incompatibilidade entre a função e a gravidade das condutas. A ministra afastou a reparação por dano moral coletivo, entendendo que tal matéria deve ser discutida em ação civil própria.
Falta de nexo causal
Ministro Antonio Carlos Ferreira abriu divergência e afirmou que, embora a lavagem de dinheiro seja crime autônomo, é indispensável demonstrar o vínculo entre os valores ocultados e os crimes antecedentes.
Para S. Exa., o MPF não comprovou que os depósitos nas contas suíças, abertas em 1998 e movimentadas até 2002, derivem dos atos de corrupção e de organização criminosa atribuídos ao conselheiro na APn 897, que abrange fatos ocorridos apenas a partir de 2007.
"Há um lapso temporal de cinco anos entre o último ingresso de dinheiro na conta e os delitos antecedentes descritos na denúncia, sem que a acusação tenha feito a imprescindível vinculação entre esses valores e os atos de corrupção e pertencimento à organização criminosa."
Para o ministro, as provas juntadas nos autos não permitem inferir a origem ilícita dos recursos, e não se pode presumir culpabilidade pela simples ausência de comprovação de licitude.
"Eu não estou aqui abonando a conduta dos acusados mas o ordenamento jurídico brasileiro adotou o direito penal dos fatos e não o Direito Penal do autor, tem que se considerar apenas os fatos descritos na denúncia e comprovados na ação penal e não somente a reputação do réu. O ônus probatório é do Ministério Público e não do réu e cabe ao juiz julgar com base na prova produzida."
Limites probatórios e cronologia dos fatos
Ferreira também rejeitou o uso de provas da APn 897 não formalmente trasladadas com observância ao contraditório, e considerou insuficiente a alegação de que o encerramento das contas suíças por compliance bancário comprovaria a prática de lavagem.
O ministro destacou que a própria denúncia desta ação delimita os crimes antecedentes (corrupção e organização criminosa) a partir de 2007 - Seap/Degase (2016), Fetranspor (2015/2016), PAC Favelas (2007/2008), Maracanã (2010) e Linha 4 do Metrô (2014). As referências a 1999, observou, surgem apenas na parte de "contextualização", sem a descrição típica exigida pelo art. 41 do CPP.
Análise dos três conjuntos de fatos
Fato 1 (1999-2002) - Contas no UBS e depósito de US$ 197,2 mil em 20/6/02, via Tronix (offshore ligada ao doleiro Álvaro Novis). O revisor concluiu que não há, nos autos, prova com o rigor devido de que esses valores derivem dos crimes antecedentes narrados (todos posteriores, a partir de 2007). Os extratos não indicam novos aportes externos depois de 2002, apenas movimentações internas entre subcontas de investimento.
Fato 2 (2015-2016) - Remessa de CHF 1.147.720, em 5/10/2016, de cinco subcontas da offshore à Caritas Internationalis. Ferreira reiterou que a acusação não demonstrou aportes externos a partir de 2007 na conta da offshore, de modo que faltou o elo causal entre os valores e os crimes antecedentes delimitados na denúncia. Registrou, ainda, que o próprio alerta de compliance do UBS foi arquivado, com a anotação de que, sob a ótica de AML (anti-lavagem), as transações foram consideradas "plausíveis".
Fato 3 (fev/2016) - Transferência de US$ 1.079,26 ao filho do réu, em Portugal. O revisor também votou por absolver, por ausência de prova do nexo com os crimes antecedentes narrados (a partir de 2007).
Com base nessas razões, o ministro votou pela absolvição de José e Flávia Graciosa em relação aos três conjuntos de fatos imputados - as contas na Suíça (1998-2002), a doação à Caritas Internationalis (2016) e a transferência de pequena quantia ao filho (2016) -, com fundamento no art. 386, II, do CPP ("não haver prova da existência do fato").
O julgamento foi suspenso após pedido de vista antecipado do ministro Og Fernandes.
- Processo: APn 927

