STF julga destinação de valores de ações civis públicas trabalhistas
Corte analisa se valores de condenações podem ser destinados a fundos públicos, como determinou liminar do ministro Flávio Dino.
Da Redação
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Atualizado às 19:46
Nesta quarta-feira, 15, ministros do STF voltaram a analisar se referendam liminar do ministro Flávio Dino que direcionou valores de condenações trabalhistas a fundos públicos ou privados sem fins lucrativos.
O caso foi levado a plenário físico após destaque do ministro Dias Toffoli, que divergiu de Dino, destinando os valores apenas aos fundos públicos.
Nesta tarde, após voto do ministro Gilmar Mendes, acompanhando o relator, o julgamento foi suspenso devido ao adiantado da hora.
O caso voltará à pauta da próxima sessão plenária, nesta quinta-feira, 15.
Entenda
A ação foi ajuizada pela CNI contra decisões da Justiça do Trabalho que vinham determinando a criação de fundações privadas ou o repasse direto de valores a instituições públicas e privadas em decorrência de condenações por danos morais coletivos.
Para a entidade, tais práticas violariam os princípios da separação dos Poderes, da legalidade orçamentária e da competência privativa do Executivo para propor leis que criem ou movimentem fundos públicos
Na manifestação inicial, a AGU concordou parcialmente com a tese da CNI, reconhecendo a inconstitucionalidade da criação de fundações privadas com recursos de condenações, mas sugerindo diálogo institucional.
Já o MPT sustentou a legalidade da prática, afirmando que tais destinações constituem forma legítima de reparação social e não envolvem verbas públicas, mas sim valores de natureza indenizatória, oriundos da recomposição de bens jurídicos coletivos.
Liminar concedida
Ao votar, ministro Flávio Dino afirmou que o debate deve observar o art. 13 da lei da ação civil pública (lei 7.347/85) e a resolução conjunta 10/24 do CNJ e CNMP, que fixou regras para a destinação de bens e valores oriundos de condenações coletivas.
Citando o dispositivo legal que determina a aplicação dos recursos à "reconstituição dos bens lesados", Dino destacou que tanto o FAT quanto o FDD têm sofrido contingenciamentos reiterados, o que fere a efetividade dos direitos sociais e exige correção institucional.
"O simples envio de recursos para um fundo público, sem garantias efetivas de sua utilização na implementação de direitos fundamentais, significa descumprimento do dever constitucional de materialização dos direitos sociais", afirmou o ministro.
Com base no princípio da proporcionalidade e na ideia de efetividade da reparação, Dino defendeu que as verbas provenientes de condenações trabalhistas não podem ser contingenciadas, devendo ser aplicadas de forma transparente em projetos voltados à proteção dos direitos dos trabalhadores.
Para tanto, determinou que o FDD e o FAT individualizem e tornem rastreáveis os valores recebidos, sob pena de nulidade.
O relator também reconheceu a validade alternativa da destinação prevista na resolução conjunta CNJ/CNMP, que permite que juízes e membros do MP indiquem instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos relacionadas à natureza do dano, desde que justifiquem a pertinência e estabeleçam mecanismos de fiscalização.
Gilmar Mendes
Ao acompanhar o voto do relator, ministro Gilmar Mendes fez um amplo resgate histórico da ação civil pública (lei 7.347/85) e destacou a importância do instrumento na defesa de direitos coletivos e difusos.
O decano da Corte recordou que a criação da ACP representou "uma verdadeira modernização do processo civil brasileiro", abrindo espaço para a tutela de interesses transindividuais por meio da atuação de substitutos processuais, como o Ministério Público e entidades civis.
Em seguida, o ministro ressaltou que o art. 13 da lei é expresso ao determinar que as condenações pecuniárias devem ser revertidas ao FDD - Fundo de Defesa de Direitos Difusos, administrado por conselhos com participação do MP e da sociedade civil.
Segundo Gilmar, embora decisões judiciais tenham conferido aos magistrados certa margem de discricionariedade na destinação dos valores - visando à efetividade da reparação -, tal liberdade "não pode se converter em arbitrariedade ou desvio de finalidade".
Gilmar Mendes citou, como exemplo de desvio "flagrantemente ilegal", a tentativa de criação da chamada "Fundação Lava Jato", estruturada para administrar valores bilionários obtidos a partir de acordos firmados pela força-tarefa de Curitiba.
S. Exa. mencionou que a iniciativa, posteriormente barrada na ADPF 568, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, representou "um verdadeiro escândalo judicial", em que juízes e procuradores buscaram gerir recursos públicos sem controle.
O ministro também criticou a atuação da Transparência Internacional, que teria participado de acordos semelhantes, como o firmado no âmbito da Operação Greenfield, e atuado como "cúmplice" dos abusos da força-tarefa.
Para Gilmar, os episódios revelam "a necessidade de parâmetros precisos e de mecanismos de fiscalização rigorosos" na destinação de valores oriundos de condenações e acordos.
O ministro destacou ainda que a resolução conjunta 10/24 do CNJ e do CNMP avançou ao estabelecer regras de vedação de conflitos de interesse e proibição de uso político ou institucional desses recursos.
Segundo o ministro, a norma "fixa balizas seguras e de observância obrigatória", impondo que magistrados e membros do MP fiscalizem e individualizem a aplicação dos valores provenientes de decisões judiciais e de instrumentos de autocomposição, como TACs e acordos de leniência.
Apesar de reconhecer a preocupação do ministro Dias Toffoli com a leitura restritiva do art. 13, Gilmar entendeu que, ao menos em sede cautelar, é adequado acompanhar o relator.
S. Exa. afirmou que as medidas determinadas por Flávio Dino, como a individualização e a proibição de contingenciamento das verbas, já garantem a efetividade da reparação coletiva.
Para onde vai o dinheiro?
Em 2018, Migalhas fez reportagem em que se questionou justamente isso: para onde vai o dinheiro que o MPT arrecada? Na época, conversamos com Márcio Amazonas, procurador do MPT.
Ao Migalhas, ele explicou que não há uma legislação taxativa para o destino das verbas. Isso porque a lei das ACPs (7.347/85) dispõe em seu artigo 13 que "havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal".
Em decorrência desse gargalo, o procurador registrou que o MPT e a Justiça do Trabalho "tiveram de prever de maneira criativa para onde esse dinheiro vai" e citou os destinos que os valores podem ter: instituições sociais, órgãos públicos, fundos trabalhistas estaduais e o FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
O procurador afirmou que não existe nenhuma norma do Ministério Público sobre o tema, já que a criação de uma regulamentação por parte do MPT invadiria a competência legislativa de outro órgão.
- Processo: ADPF 944