STJ: Ato libidinoso via webcam configura presença para tipicidade penal
6ª turma restabeleceu condenação reafirmando que não é necessária presença física para caracterizar o crime previsto no art. 218-A.
Da Redação
terça-feira, 18 de novembro de 2025
Atualizado às 16:51
A 6ª turma do STJ, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial do MP/BA para restabelecer condenação pelo crime de satisfação de lascívia mediante presença de menor de 14 anos, previsto no art. 218-A do CP.
Para o colegiado, a transmissão de ato libidinoso por webcam à vítima é suficiente para configurar a "presença" exigida pelo tipo penal, ainda que não haja contato físico.
O dispositivo legal dispõe que:
"Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem. Pena - reclusão, de 2 a 4 anos."
Entenda o caso
O réu foi condenado em primeira instância pelos crimes previstos no art. 241-D do ECA e no art. 218-A do CP, ambos na forma do crime continuado. Ao julgar as apelações, o Tribunal de Justiça da Bahia reformou parcialmente a sentença, promovendo emendatio libelli para desclassificar a conduta originalmente enquadrada no art. 218-A para o art. 241-D do ECA, além de redimensionar a pena.
A defesa opôs embargos de declaração, parcialmente acolhidos apenas para reconhecer a simplicidade do delito do art. 241-D em relação a uma das vítimas.
No recurso especial, o MP buscou o restabelecimento da condenação com base no art. 218-A, sustentando que a conduta se amolda ao tipo penal mesmo quando praticada por meio virtual. A defesa, por sua vez, alegou nulidades, ilicitude das provas - baseadas em prints de conversas no Facebook não corroborados por laudo pericial -, reforma in pejus indireta e inaplicabilidade do art. 218-A para situações ocorridas pela internet.
Durante sustentação oral, a defesa afirmou que o verbo "presenciar", contido no art. 218-A, exige presença física da vítima, o que afastaria a tipificação da conduta quando praticada por meios virtuais. Argumentou que o legislador, apesar de ter alterado diversos dispositivos penais nos últimos anos para prever crimes praticados pela internet, optou por não atualizar o art. 218-A.
Assim, segundo a tese defensiva, aplicar o tipo ao ambiente virtual violaria a legalidade, a taxatividade e o princípio da especialidade, já que o art. 241-D do ECA contempla expressamente condutas cometidas por meio digital.
Voto do relator
O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, não conheceu do agravo em recurso especial interposto pela defesa. Para ele, não houve impugnação específica aos fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial na origem, o que atrai a incidência da súmula 182 do STJ. Destacou que a decisão de inadmissão possui dispositivo único e deve ser atacada em sua integralidade; como a defesa se limitou a alegações genéricas, o agravo não poderia ser conhecido.
Em obiter dictum, observou que revisar a conclusão do TJ/BA quanto à inexistência de unidade de desígnios para a aplicação do crime continuado demandaria reexame do conjunto fático-probatório, hipótese vedada pela súmula 7 do STJ. Também rejeitou a petição incidental apresentada posteriormente pela defesa, por configurá-la como inovação recursal.
Ao examinar o recurso especial do Ministério Público, o ministro entendeu presentes os requisitos de admissibilidade e passou ao mérito. Segundo ele, o Tribunal baiano conferiu interpretação excessivamente restritiva ao art. 218-A ao exigir presença física do menor diante do ato libidinoso. Afirmou que o verbo "presenciar" significa assistir, ver ou testemunhar, e que a norma não exige coabitação física.
Para o relator, a transmissão ao vivo de ato libidinoso via webcam é plenamente apta a caracterizar a presença exigida pelo tipo penal, pois a dignidade sexual da criança é igualmente violada pela visualização remota do ato.
Sebastião Reis Júnior ressaltou que a interpretação restritiva adotada pelo TJ/BA criaria um vácuo de proteção incompatível com o princípio da proibição da proteção insuficiente. Destacou, ainda, a contradição entre essa tese e a evolução legislativa, especialmente a lei 13.441/17, que autorizou a infiltração policial virtual justamente para investigar crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes pela internet.
Assim, não seria lógico permitir a investigação na esfera digital e, simultaneamente, negar que o crime pudesse ocorrer nesse mesmo ambiente.
O relator concluiu que, no caso concreto, o aliciamento previsto no art. 241-D do ECA funcionou como crime-meio, enquanto a satisfação de lascívia perante menor - ainda que virtualmente - constitui o crime-fim, razão pela qual deve prevalecer o art. 218-A do CP.
Com esse entendimento, votou por cassar o acórdão que promoveu a desclassificação e restabelecer a condenação original, determinando o retorno dos autos ao TJ/BA para que proceda à nova dosimetria da pena.
Os demais ministros acompanharam integralmente o voto, em decisão unânime.
- Processo: Resp 2.107.993






