STJ: Nancy vota para condenar governador do Acre; Noronha pede vista
Relatora Nancy Andrighi votou para condenar Gladson Cameli a 25 anos e 9 meses de prisão, com perda do cargo, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Da Redação
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
Atualizado às 19:37
A Corte Especial do STJ iniciou, nesta quarta-feira, o julgamento da ação penal 1.076, na qual é réu o governador do Acre, Gladson Cameli, acusado de liderar esquema de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito do Executivo estadual.
Em voto extenso e detalhado, a relatora, ministra Nancy Andrighi, rejeitou todas as preliminares e questões de ordem suscitadas pela defesa, não conheceu embargos de declaração, julgou procedente a denúncia e condenou o governador a 25 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 600 dias-multa, fixados no valor de um salário mínimo vigente à época dos fatos.
A ministra também decretou a perda do cargo de governador, fixou indenização de R$ 11,785 milhões pelos danos materiais causados ao erário e julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral coletivo.
Após o voto da relatora, o ministro João Otávio de Noronha, revisor do processo, pediu vista dos autos, suspendendo o julgamento.
Entenda o caso
A ação penal decorre de investigação que apurou a existência de suposto esquema de desvio de recursos públicos, fraude em licitações, lavagem de dinheiro e organização criminosa, instalado no âmbito do Poder Executivo do Acre, com atuação atribuída ao governador Gladson Cameli, a familiares e a aliados políticos.
Segundo a acusação, o núcleo central do esquema teria sido o contrato celebrado entre a Secretaria de Infraestrutura do Acre e a empresa Murano Construções, firmado a partir da adesão a uma ata de registro de preços do Instituto Federal Goiano.
Para o MPF, a adesão foi utilizada de forma indevida como verdadeiro "contrato guarda-chuva", permitindo a execução de obras viárias e serviços complexos de engenharia, incompatíveis com o objeto originalmente licitado.
A investigação aponta que a Murano não possuía estrutura operacional no Acre e que a execução dos serviços ocorreu por meio de subcontratação integral, especialmente em favor da Construtora Rio Negro, ligada a Gledson Cameli, irmão do governador.
Os valores pagos à Murano teriam sido rapidamente transferidos a empresas controladas por familiares e pessoas próximas a Gladson, com posterior ocultação e dissimulação dos recursos, inclusive por meio da aquisição de bens de alto valor.
De acordo com o MPF e com notas técnicas da Controladoria-Geral da União, o contrato teria ocasionado sobrepreço superior a 50% e superfaturamento, com prejuízo estimado em cerca de R$ 11,7 milhões.
Na sessão, a defesa do governador - representada pelos advogados José Eduardo Cardozo e Francisco Felippe Lebrão - apresentou questões de ordem e preliminares, sustentando que a investigação teve início com usurpação da competência do STJ, antes do reconhecimento do foro por prerrogativa de função.
Os advogados destacaram o julgamento do HC 247.281, em trâmite na 2ª turma do STF, no qual há maioria formada para reconhecer a nulidade de atos investigativos praticados entre maio de 2020 e janeiro de 2021.
Segundo a defesa, esses elementos configurariam "fishing expedition" e teriam sido determinantes para a remessa do caso ao STJ, contaminando a persecução penal desde a origem.
Também foram alegadas quebra da cadeia de custódia de provas digitais, cerceamento de defesa, ausência de materialidade em crimes como peculato e corrupção, além da atipicidade da adesão à ata de registro de preços, que, segundo os defensores, não configuraria dispensa ou inexigibilidade de licitação.
O MPF, por sua vez, sustentou que as nulidades apontadas pela defesa não comprometem a ação penal. Segundo a acusação, os relatórios de inteligência financeira questionados no STF não serviram de base para a denúncia, que se apoiou em outros elementos probatórios, inclusive relatórios disseminados espontaneamente pelo COAF e provas produzidas já sob a supervisão do STJ.
Preliminares rejeitadas
Antes de adentrar o mérito, a relatora enfrentou as alegações defensivas ressaltando que eventuais irregularidades formais não foram acompanhadas de demonstração concreta de prejuízo, o que, segundo a jurisprudência do STJ e do STF, impede o reconhecimento de nulidade.
Destacou ainda que a condenação não se baseou nos RIFs questionados, mas em provas independentes, como documentos, perícias da CGU, depoimentos colhidos em juízo e análises de fluxo financeiro.
A relatora também afastou o pedido de suspensão do julgamento em razão de habeas corpus em trâmite no STF, observando que eventual concessão da ordem não impactaria o julgamento da ação penal, diante da autonomia e independência das provas produzidas no processo.
Condenação ponto a ponto
Ao analisar o mérito, a ministra Nancy Andrighi afirmou que o conjunto probatório revela a existência de uma organização criminosa estruturada, com divisão de tarefas em núcleo político, familiar, empresarial e operacional, tendo o governador como líder e principal beneficiário.
Fraude à licitação
Para a relatora, ficou demonstrado que a adesão à ata de registro de preços foi utilizada de forma dolosa, para burlar a exigência de licitação e permitir a execução de obras incompatíveis com o objeto originalmente licitado. A Murano teria sido escolhida justamente por não possuir estrutura própria, viabilizando a transferência integral da execução a empresas ligadas à família Cameli.
A ministra afastou o argumento defensivo de que a adesão à ata afastaria a tipicidade penal, destacando que a subcontratação integral e o desvirtuamento do objeto configuraram dispensa indevida de licitação, enquadrando a conduta no art. 89 da lei 8.666/93.
Peculato-desvio
No crime de peculato, a relatora entendeu que cada transferência de recursos públicos da Murano para empresas vinculadas ao esquema configurou ato autônomo de desvio, praticado de forma continuada.
Destacou mensagens e áudios que indicariam ingerência direta do governador sobre pagamentos e liberações financeiras, além de medições irregulares e superfaturamento apontados pela CGU.
Corrupção passiva
Quanto à corrupção passiva, a relatora concluiu que Gladson Cameli solicitou e recebeu vantagens indevidas em razão do cargo, especialmente por meio da ocultação da propriedade de um apartamento de alto padrão em São Paulo, registrado em nome da Construtora Rio Negro, mas que, segundo o voto, pertenceria de fato ao governador e à então esposa.
A ministra citou contratos, planilhas, mensagens, comprovantes de pagamento e documentos encontrados em dispositivos eletrônicos apreendidos, que indicariam a relação direta entre os repasses financeiros e o exercício do cargo público.
Lavagem de dinheiro
No crime de lavagem, a relatora apontou que a utilização de empresas interpostas, a celebração de sucessivas sociedades em conta de participação e o registro de bens em nome de terceiros caracterizaram atos de ocultação e dissimulação da origem ilícita dos recursos. Reconheceu a prática do delito por 46 vezes, em continuidade delitiva.
Organização criminosa
Por fim, Nancy Andrighi concluiu que ficou comprovada a existência, estabilidade e permanência da organização criminosa, liderada pelo governador, com o objetivo de praticar crimes contra a administração pública e lavar os valores desviados.
Pedido de vista
Após a leitura do voto, o ministro João Otávio de Noronha pediu vista dos autos para examinar todas as questões, incluindo preliminares, questões de ordem e mérito, suspendendo o julgamento.
- Processo: APn 1.076







