Em sessão plenária realizada nesta quarta-feira, 21, STF retomou o julgamento que discute a legalidade da prova obtida pela polícia a partir da apreensão e acesso a dados armazenados em aparelho celular, encontrado no local do crime, sem autorização judicial prévia.
Apesar da suspensão quanto à fixação da tese — que será definida em momento posterior — os ministros convergiram quanto à validade da prova no caso concreto, decidindo por dar provimento ao recurso do MP e restabelecer a condenação do réu.
Segundo destacou o ministro Cristiano Zanin, os fatos analisados ocorreram antes da EC 115/22 (que introduziu a proteção de dados como direito fundamental autônomo) e do Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), o que levou a Corte a aplicar a jurisprudência vigente à época, que protegia dados em fluxo, mas não conferia o mesmo nível de proteção a dados armazenados, como os acessados neste caso.
Durante os debates, os ministros também indicaram tendência favorável à validade do acesso direto a dados de celular encontrado no local do crime, ao menos quando não há violação de senha, criptografia ou outras barreiras de acesso.
O relator, ministro Dias Toffoli, apresentou duas propostas de tese: uma mais genérica, reafirmando a necessidade de consentimento ou autorização judicial prévia para acesso a dados pessoais; e outra mais restritiva, admitindo o acesso direto em casos de encontro fortuito do aparelho na cena do crime, mas condicionando o acesso, em situações de flagrante, a autorização judicial ou consentimento expresso do réu.
Já o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, propôs formulação mais objetiva: segundo o ministro, o acesso a dados que permitam a identificação do autor do crime, em celular recolhido no local dos fatos, não configura prova ilícita.
Caso
No caso analisado, um homem foi denunciado por roubo com uso de arma de fogo e concurso de agentes. Condenado em 1º grau a sete anos de reclusão, foi posteriormente absolvido pelo TJ/RJ, que considerou ilícita a prova obtida do celular caído durante a fuga.
O aparelho foi recolhido por policiais civis no local do crime, e as fotos encontradas nele direcionaram as investigações que levaram à identificação e prisão do acusado no dia seguinte.
O TJ/RJ entendeu que a prova foi obtida sem autorização judicial e determinou a absolvição do réu.
O MP, ao recorrer ao STF, sustentou que o acesso às informações constantes no celular não violou o sigilo das comunicações, e sim atendeu ao dever legal da autoridade de apreender objetos relacionados ao crime.
Sustentações orais
Durante a sessão, a Defensoria Pública do RJ e o IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais defenderam que o acesso a dados armazenados em celulares deve estar condicionado à autorização judicial prévia, específica e fundamentada.
O defensor público Marcos Paulo Dutra Santos argumentou que o caso trata da esfera mais sensível da intimidade do cidadão, protegida pelos arts. 5º, X, XII e 79 da CF. Para ele, o conteúdo armazenado no celular não pode ser equiparado à transmissão de dados, por exigir proteção mais robusta.
Ele sustentou que o simples acautelamento do aparelho celular seria suficiente até a obtenção de autorização judicial, e citou precedentes do STF, do STJ e da Suprema Corte norte-americana, no caso Riley v. Califórnia.
Pelo IBCCRIM, o advogado Bruno Buonicore defendeu que o avanço tecnológico exige nova conformação constitucional, reconhecendo o celular como "um portal para a vida íntima do indivíduo". Para o instituto, a proteção dos dados digitais, após a EC 115/22, passou a ter fundamento constitucional próprio e aplicação imediata.
Propostas de tese
Durante a sessão, ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso apresentaram propostas preliminares de tese, que serão objeto de deliberação futura.
O relator, ministro Dias Toffoli, sugeriu dois caminhos de tese, segundo S. Exa., um mais genérico e outra mais restritivo.
Primeira tese:
"I. O acesso a dados obtidos a partir de aparelhos celulares depende do consentimento do titular dos dados ou de prévia decisão judicial (art. 7º, III e X, § 2º da lei 12.965/14), que justifique, com base em elementos concretos, a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência, à luz de direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (arts. 5º, X e 79 da Constituição).
II. A apreensão do aparelho celular, nos termos do art. 6º, II e III do CPP, ou em flagrante delito, não está sujeita à reserva de jurisdição."
Segunda tese:
"I. Nas hipóteses de encontro fortuito de aparelho celular na cena do crime, o acesso aos respectivos dados não depende do consentimento do proprietário de prévia decisão judicial.
II. Em se tratando de aparelho celular apreendido por ocasião da prisão em flagrante, o acesso aos respectivos dados está condicionado ao consentimento expresso e livre do flagranteado ou à obtenção pela autoridade policial de prévia decisão judicial (art. 7º, III e X, § 2º da lei 12.965/14), que justifique com base em elementos concretos a proporcionalidade da medida e delimite sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, à proteção dos dados pessoais e à autodeterminação informacional, inclusive nos meios digitais (art. 5º, V e 79 da Constituição).
Nesses casos, a celeridade se impõe, devendo a autoridade policial atuar com a maior rapidez e eficiência possível, e o Poder Judiciário conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de plantão.
Apenas excepcionalmente será possível a preservação dos dados e metadados contidos nos dispositivos apreendidos antes da autorização judicial, caso em que a autoridade policial deve:
1. Justificar com dado receio de que os dados sejam eliminados pelo seu titular ou, por terceiro; e
2. Demonstrar por meios técnicos que não foi realizado nenhum outro tratamento desses dados.
A apreensão do celular nos termos do art. 6º, I, II e III, ou em flagrante delito, não está sujeita à reserva de jurisdição."
Veja a fala:
Já ministro Barroso propôs tese mais simples.
"O recolhimento de celular no local do crime e o acesso a dados que permitam a identificação do seu autor não configuram prova ilícita."
Histórico
O julgamento teve início no plenário virtual em outubro de 2020, com voto inicial do relator pelo provimento do recurso. Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin divergiram de Toffoli.
Após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o caso foi retomado em abril de 2024. Na ocasião, Toffoli reajustou seu voto e passou a negar provimento ao recurso, sendo acompanhado por Fachin.
A análise foi novamente suspensa após vista do ministro André Mendonça.
Em setembro de 2024, ministro Flávio Dino acompanhou o relator com ressalvas, mas o julgamento foi novamente interrompido, por pedido de vista do ministro Cristiano Zanin.
Em fevereiro de 2025, Zanin também acompanhou o relator com ressalvas, enquanto o presidente da Corte, ministro Barroso, divergiu e votou pelo provimento do recurso.
Diante do impasse, Flávio Dino apresentou pedido de destaque, o julgamento foi remetido ao plenário físico e reiniciado.
- Processo: ARE 1.042.075