Nesta quarta-feira, 28, em sessão plenária, o STF analisa duas ações que questionam dispositivos da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.
Os processos discutem se, em situações de suspeita de violência doméstica, o retorno automático da criança ao país de origem deve prevalecer sobre a proteção contra riscos físicos ou psíquicos.
O tema chega ao plenário da Corte poucos dias após decisão da 1ª turma do STJ que determinou o retorno ao Brasil de duas meninas levadas compulsoriamente à Irlanda, ainda que a mãe, brasileira, tivesse retornado com elas ao país por suspeitar de abusos cometidos pelo genitor.
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Ações
Na ADIn 7.686, o PSOL questiona a constitucionalidade da obrigação de retorno imediato da criança ao país de origem quando houver fundadas suspeitas de violência doméstica.
A legenda argumenta que, mesmo que a criança não tenha sido vítima direta, a permanência no Brasil deve ser considerada legítima diante de indícios de risco, sob pena de violação aos princípios da dignidade humana e proteção integral.
Já na ADIn 4.245, o partido DEM contesta a ratificação da Convenção da Haia (decretos legislativo 79/99 e presidencial 3.413/00).
A legenda sustenta que diversos artigos da norma internacional estariam em desacordo com a CF, por supostamente imporem o retorno automático das crianças ao país de origem sem considerar as particularidades de cada caso.
O DEM pede a suspensão liminar de vários dispositivos da Convenção, bem como a paralisação de ações de busca e apreensão fundadas nesses trechos.
Caso Raquel Cantarelli
O julgamento ocorre poucos dias após decisão da 1ª turma do STJ que determinou o retorno ao Brasil de duas crianças levadas à força para a Irlanda em 2023.
A mãe, Raquel Cantarelli, brasileira, havia deixado o país estrangeiro em 2019 com as filhas após denunciar o ex-marido por abusos sexuais contra uma das meninas. À época, a Justiça irlandesa arquivou o caso, e Raquel relatou ter sofrido cerceamento de liberdade no país.
A mulher conseguiu retornar ao Brasil com apoio da Embaixada brasileira e da PF. No entanto, com base na Convenção de Haia, o pai acionou a Justiça brasileira com apoio da AGU, alegando subtração internacional ilícita.
Em 1ª instância, a Justiça reconheceu a exceção do art. 13, “b” da Convenção — risco grave à integridade física ou psíquica — e negou o pedido. O TRF da 2ª região, porém, reformou a decisão e determinou o retorno das meninas, executado em 14 de junho de 2023. Desde então, Raquel não tem contato com as filhas.
O caso chegou ao STJ por recursos do MPF e da DPU.
Em dezembro de 2024, a 1ª turma restabeleceu a sentença de 1º grau, reconhecendo o risco concreto e ordenando o retorno das meninas ao Brasil.
O relator, ministro Gurgel de Faria, destacou laudos psicológicos e sociais, medidas protetivas e elementos que evidenciavam perigo real na convivência com o genitor.
Segundo o ministro, não se tratava de condenar o pai, mas de preservar o melhor interesse das crianças. Também criticou a ausência de medidas mínimas para garantir o contato entre mãe e filhas, mesmo após a ordem de retorno.
Na última semana, ao julgar embargos de declaração da AGU, a turma manteve o mérito da decisão, mas esclareceu os caminhos jurídicos disponíveis à União para viabilizar o cumprimento da ordem, como cooperação internacional, proteção diplomática e outros instrumentos adequados.