A 4ª turma do TRFl da 3ª região determinou que o INSS conceda pensão especial vitalícia a uma mulher que foi separada compulsoriamente da família aos quatro anos de idade, em razão da internação da mãe para tratamento de hanseníase. O Tribunal reconheceu o direito ao benefício com base na lei 14.736/23, que prevê o direito à pensão especial aos filhos de pacientes com hanseníase que foram separados dos pais em função da política sanitária adotada até 1986.
A decisão destaca que cabe à União a concessão do benefício e ao INSS sua operacionalização e pagamento, conforme estabelecido pela norma.
Entenda o caso
De acordo com o processo, a autora foi afastada da convivência familiar quando sua mãe foi internada compulsoriamente no Hospital São Julião, em Campo Grande/MS, para tratamento da doença. Na ocasião, a menina foi encaminhada ao Educandário Getúlio Vargas, onde permaneceu até os 16 anos de idade.
Nos autos, ela narra ter sido vítima de agressões físicas na instituição, além de sofrer com preconceito e humilhações após a morte da mãe. A situação levou a autora a buscar reparação judicial, obtendo decisão favorável em 1ª instância, na 4ª vara Federal de Campo Grande/MS.
Contra a sentença, a União e o INSS interpuseram recurso ao TRF-3. A autarquia previdenciária alegou ilegitimidade para figurar no polo passivo e ausência de documentos comprobatórios da internação. Já a União sustentou a prescrição da pretensão e a inexistência de responsabilidade objetiva do Estado, além da falta de probabilidade do direito.
Reparação histórica
A relatora, desembargadora Federal Monica Nobre, destacou que cabe à União a concessão do benefício e, ao INSS, seu processamento e pagamento, conforme previsão legal na 14.736/23, que reconhece o direito à pensão especial aos filhos de pessoas com hanseníase que foram separados dos pais em decorrência da política sanitária vigente até 1986.
Para a relatora, a nova legislação modifica o entendimento tradicional sobre a prescrição, ao expressar a intenção do legislador em reparar um histórico de violações. “Verifica-se que se materializou a recente intenção do legislador de reparar a questão histórica. Entendo que a novel legislação modifica a visão a respeito do instituto da prescrição”, destacou.
O acórdão também reconheceu que os dois requisitos legais foram cumpridos: a internação da mãe por hanseníase, entre 1963 e 1982, e o afastamento da filha para instituição educacional. Prontuário médico e documentos escolares respaldaram os fatos.
Por fim, a desembargadora concluiu: “ainda que assim não fosse, a jurisprudência das Cortes Regionais se firmou no sentido de que a compulsoriedade da internação é presumida, tendo em vista a política sanitária adotada à época, de repulsa social, que não deixava outra alternativa aos diagnosticados com a doença”.
Assim, a 4ª turma do TRF-3 negou provimento às apelações da União e do INSS por unanimidade, garantindo à autora o direito à pensão especial vitalícia.
Informações: TRF da 3ª região.
Temática segue em discussão no STF
O STF analisa a ADPF 1.060 que discute a possibilidade de afastar o prazo prescricional de cinco anos, conforme art. 1º do decreto 20.910/32, para ações indenizatórias propostas pelos filhos de pessoas atingidas pela hanseníase, que foram separados dos pais em razão da política de isolamento compulsório.
A ação foi proposta pelo Morhan - Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase e pela Defensoria Pública da União, que sustentam que os danos causados pela separação forçada, como abusos físicos, alienação parental e traumas psicológicos duradouros, configuram violações graves de direitos humanos, tornando a pretensão indenizatória imprescritível.
O relator, ministro Dias Toffoli, votou pelo afastamento do prazo prescricional de cinco anos para ações indenizatórias, ao considerar que a separação forçada de filhos de pessoas com hanseníase configurou grave violação de direitos humanos. Para o ministro, a complexidade e os efeitos duradouros dessa política pública justificam a imprescritibilidade das ações, especialmente quando envolvem vítimas que eram crianças ou adolescentes à época dos fatos.
Na divergência, o ministro Flávio Dino defendeu a manutenção do prazo prescricional de cinco anos, com base na jurisprudência consolidada e na necessidade de preservar a segurança jurídica. No entanto, reconheceu a vulnerabilidade dos filhos das pessoas com hanseníase segregadas e propôs que o prazo passasse a contar a partir da publicação da ata do julgamento, permitindo que essas vítimas tivessem tempo hábil para buscar reparação.
O julgamento foi suspenso em 13 de fevereiro por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes e aguarda retomada.
- Processo: ADPF 1.060