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TRF-3 rescinde acórdão e concede salário-maternidade a trabalhadora rural

Tribunal identificou erro de fato em decisão anterior que desconsiderou a comprovação do trabalho rural pela trabalhadora.

17/7/2025

A 3ª seção do TRF da 3ª região julgou procedente ação rescisória e reconheceu o direito de trabalhadora rural ao recebimento do benefício de salário-maternidade.

O colegiado entendeu, por unanimidade, que houve erro de fato no julgamento anteriror ao desconsiderar a certidão de nascimento da filha, em que a trabalhadora é qualificada como “lavradora”, documento idôneo que comprovava o exercício de atividade rural.

Com a decisão, foi rescindido parcialmente o acórdão proferido pela 7ª turma, e o INSS foi condenado ao pagamento do benefício, com efeitos retroativos à data do nascimento da filha da trabalhadora.

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Entenda o caso

A autora ajuizou ação previdenciária visando à concessão de salário-maternidade, alegando que exercia atividade rural como boia-fria à época do nascimento de sua filha, em dezembro de 2015.

Juntou à ação a certidão de nascimento da filha, na qual constavam sua qualificação e a do companheiro como “lavradores”, além de certidão eleitoral do companheiro, que indicava a profissão de “agricultor”. Testemunhas ouvidas em juízo confirmaram o labor rural da autora.

O juízo de primeiro grau acolheu o pedido, reconhecendo a qualidade de segurada especial com base no conjunto probatório. Entretanto, a 7ª turma do TRF-3 reformou a decisão e julgou improcedente a ação, por entender que não havia início de prova material suficiente, especialmente em nome próprio da requerente, e que os vínculos urbanos do companheiro descaracterizavam o regime rural.

Diante disso, foi proposta ação rescisória com fundamento nos incisos V, VII e VIII do art. 966 do CPC, sustentando violação manifesta à norma jurídica, existência de prova nova e erro de fato.

TRF-3 rescinde acórdão e concede salário-maternidade a trabalhadora rural.(Imagem: Freepik)

Documento ignorado

Para a relatora, desembargadora federal Gabriela Araújo, a decisão anterior incorreu em erro de fato ao afirmar que não havia prova material da atividade rural da autora. Isso porque constava dos autos a certidão de nascimento da filha, emitida em 2015, que qualificava expressamente a mãe como “lavradora”.

“O acórdão incorreu em erro de fato, pois desconsiderou documento idôneo constante dos autos e não impugnado, apto a comprovar a qualidade de trabalhadora rural 'boia-fria’.”

Segundo a desembargadora, o documento era contemporâneo ao parto, estava em nome da própria autora e não foi impugnado, preenchendo, portanto, o requisito legal de início de prova material.

Além disso, destacou que o acórdão anterior aplicou indevidamente uma lógica jurídica própria do regime de economia familiar, embora a autora tenha pleiteado o benefício com base em sua condição individual, sem extensão da atividade rural ao companheiro.

Assim, os vínculos urbanos deste último eram irrelevantes, mas foram considerados como impeditivos, o que, segundo a relatora, caracteriza erro de fato.

“A decisão baseou-se em premissa fática equivocada ao aplicar, indevidamente, uma lógica compatível com os casos de reconhecimento de labor rural em regime de economia familiar, quando, na hipótese dos autos, a autora buscava a concessão do benefício exclusivamente com base em sua própria condição.”

Julgamento com perspectiva de gênero

A relatora fundamentou ainda que a desconsideração da prova apresentada pode ter decorrido de estereótipos de gênero, que tendem a atribuir maior relevância à atividade rural masculina, desvalorizando o trabalho da mulher no campo.

Ela aplicou expressamente as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do CNJ, para sustentar que a análise da prova deve ser sensível às desigualdades históricas enfrentadas por mulheres trabalhadoras rurais.

Por fim, observou a vulnerabilidade da trabalhadora. "O início precoce da vida laboral e a gestação em idade jovem evidenciam um cenário de fragilidade socioeconômica que exige sensibilidade na valoração da prova e aplicação efetiva dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção social", afirmou.

Com base nesses fundamentos, a 3ª seção do TRF da 3ª região fixou o pagamento do salário-maternidade pelo período legal de 120 dias, com valores retroativos à data do nascimento da criança, em 19 de dezembro de 2015. 

A decisão foi unânime.

Leia o acórdão.

Veja a versão completa

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