O plenário do CNJ aprovou na sexta-feira, 18, por unanimidade, nota técnica na qual defende a legitimidade do protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, a ser enviada à Câmara dos Deputados. O documento esclarece questões levantadas no projeto de decreto legislativo 89/23, que tramita na CCJ da Casa.
A proposta legislativa visa sustar a aplicação da resolução 492/23, que estabeleceu diretrizes para julgamentos com perspectiva de gênero no Judiciário brasileiro. Segundo a relatora do PDL, deputada Bia Kicis, a norma editada pelo Conselho tem conteúdo de natureza política, razão pela qual a deliberação sobre a matéria deveria competir ao Legislativo.
A nota técnica 0004651-31.2025.2.00.0000, relatada pela conselheira Renata Gil e apreciada na 1ª reunião Extraordinária Virtual de 2025, reúne subsídios jurídicos, institucionais e normativos de direitos humanos em resposta à proposta legislativa.
O normativo, aprovado pelo plenário do Conselho em março de 2023, é um reconhecimento à existência de fatores históricos e sociais que, de modo direto ou indireto, ainda podem exercer influência sobre decisões judiciais em diversas áreas do Direito. “Tais fatores, por vezes internalizados na cultura institucional, podem contribuir para a reprodução de práticas judiciais que não considerem, de forma adequada, as diferentes situações de vulnerabilidade vivenciadas por mulheres, comprometendo a plena efetivação do princípio da igualdade”, destaca a nota.
De acordo com a relatora, conforme prevê a CF, o CNJ tem competência normativa para expedir atos voltados ao aprimoramento da Justiça. Já a tentativa de sustação legislativa configura ingerência indevida sobre a organização interna do Poder Judiciário e ameaça a implementação de políticas públicas essenciais à promoção da igualdade de gênero e ao cumprimento de obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.
Como pontua a nota técnica, o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero foi elaborado por um grupo de trabalho plural e interinstitucional e contou ainda com o apoio da Enfam - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.
A relatora ressalta que “o julgamento com perspectiva de gênero não constitui concessão ideológica, nem exceção hermenêutica: trata-se de um dever jurídico e institucional, alicerçado na Constituição Federal, nos tratados internacionais de direitos humanos e na jurisprudência protetiva de diversos sistemas regionais”.
Além disso, destaca, o protocolo é dever jurídico decorrente da Constituição, da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, especialmente após condenação no caso Márcia Barbosa de Souza vs. Brasil. Em dezembro de 2021, a Corte IDH publicou a sentença que condenou o Brasil no caso do feminicídio de Márcia Barbosa de Souza, morta em 1998. Uma das exigências era que o país?adotasse um protocolo de gênero para guiar os julgamentos
A nota técnica também responde à questão levantada na CCJ da Câmara dos Deputados sobre a competência do CNJ para elaborar o normativo. Nesse sentido, o documento aprovado nesta sexta-feira informa que essa competência está “expressamente delineada no texto da Constituição da República”, que prevê a expedição de atos normativos voltados ao aperfeiçoamento do funcionamento do sistema judicial brasileiro. A relatora destacou ainda que a resolução não impõe decisões ou limita a independência judicial, “atuando como protocolo metodológico que visa qualificar a jurisdição com fundamento na igualdade material, na dignidade humana e no combate à discriminação”.
Sobre o protocolo
Concebido em três partes, o Protocolo traz informações teóricas sobre questões de gênero; um guia para a magistratura, apontando o passo a passo processual; e ainda apresenta questões de gênero específicas dos ramos da Justiça, com destaque para os temas transversais.
Aprovada pelo CNJ em 2022, a recomendação 128 tratou da adoção do protocolo no âmbito do Poder Judiciário nacional. Depois, a resolução CNJ 429/23 estabeleceu a obrigatoriedade das diretrizes da norma em âmbito nacional. Nesse sentido, os tribunais brasileiros passaram a levar em conta, em julgamentos, as especificidades das pessoas envolvidas, a fim de evitar preconceito e discriminação por gênero e outras características. O normativo também instituiu a obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, em temas como direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional.