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STJ julga consignação em pagamento por banco que emitiu carta de fiança

Banco ajuizou ação alegando dúvida sobre credor legítimo após notificações contraditórias de partes.

5/8/2025

A 3ª turma do STJ começou a julgar, nesta terça-feira, 5, uma complexa disputa sobre ação de consignação em pagamento ajuizada por um banco envolvendo carta de fiança emitida em favor da concessionária do Aeroporto do Galeão e de uma empresa.

Após o voto do relator, ministro Humberto Martins, pela improcedência do recurso do banco, ministro Moura Ribeiro pediu vista, suspendendo o julgamento.

Entenda o caso

A controvérsia remonta a um contrato celebrado em 2015 entre a concessionária do Galeão e a empresa para cessão de espaço no aeroporto, com garantia prestada por carta de fiança emitida em 2017 pelo banco.

O que é carta de fiança?
É uma garantia pessoal em que o banco se compromete a pagar uma obrigação caso o devedor principal (no caso, a empresa) não o faça. Costuma ter natureza autônoma, ou seja, o banco deve pagar independentemente de disputas contratuais, especialmente quando presente cláusula "pague primeiro, discuta depois" (solve et repete).

Com o surgimento de litígio entre as partes contratantes, estabeleceu-se cláusula compromissória com previsão de arbitragem.

Apesar de não ser parte da arbitragem, o banco recebeu notificações divergentes: a concessionária exigia o pagamento da garantia; a empresa orientava a não pagar, invocando liminar obtida na Justiça.

Em 2018, o tribunal arbitral reconheceu que não poderia substituir o banco na verificação dos requisitos contratuais para o pagamento.

Diante do impasse, o banco propôs ação de consignação em pagamento, buscando depositar os valores devidos sem incorrer em mora.

Em 1º grau foi reconhecido o interesse de agir do banco a ação foi procedente.

O TJ/SP reformou a decisão, extinguindo o processo sob o argumento de que não havia dúvida legítima quanto ao credor, afastando assim o interesse processual do banco.

3ª turma do STJ analisa ação de consignação em pagamento ajuizada por banco que emitiu carta de fiança.(Imagem: Freepik)

Sustentações orais

Representando o banco, a advogada Patrícia Rios Salles de Oliveira, do escritório de advocacia Leite, Tosto e Barros – Advogados Associados, sustentou que a instituição enfrentava incerteza diante de ordens contraditórias das partes litigantes e da orientação do tribunal arbitral para buscar solução judicial.

Rebateu o entendimento do TJ/SP e evocou precedentes do próprio STJ para sustentar que a dúvida sobre a quem pagar justifica o ajuizamento da consignatória.

Em sentido oposto, o advogado Daniel Coelho, pela concessionária do Galeão, afirmou que nunca houve dois credores, pois apenas a concessionária era titular do crédito.

Segundo ele, a consignação foi manejada não por dúvida legítima, mas como manobra para postergar o pagamento. Ressaltou que a empresa era mera beneficiária da fiança, sem direito de exigir pagamento. 

Já o advogado Diego Ciuffo Carneiro, representando a empresa, defendeu a exclusão da parte dos efeitos da sucumbência. Alegou que sua cliente não deu causa à ação e que, na arbitragem, não houve determinação para pagamento imediato, mas apenas reconhecimento da autonomia do banco em decidir. Destacou que, no fim, o valor foi levantado e a controvérsia se reduziu à fixação de honorários.

Voto do relator

O relator, ministro Humberto Martins, votou por negar provimento ao recurso especial do banco.

Para o ministro, em se tratando de carta de fiança com natureza de obrigação bancária autônoma e cláusula "solve et repete" (pague antes e discuta depois), não havia interesse de agir na consignação, já que o banco deveria, primeiro, pagar e, se necessário, buscar ressarcimento.

Afirmou que, nessa hipótese, a existência de dúvida sobre a inadimplência contratual não justifica a consignação.

Entendeu que, ausente o interesse de agir, a ação deveria ser extinta e os honorários de sucumbência arcados pelo autor.

Quanto à empresa, aplicou o princípio da causalidade para afastar a condenação em honorários, por não ter dado causa à ação.

Veja a versão completa

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