A Corte Especial do STJ decidiu, nesta quarta-feira, 20, que a técnica da fundamentação por referência (per relationem) é válida, desde que o julgador enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões do caso concreto, não sendo exigida a análise pormenorizada de todas as alegações ou provas.
A tese foi fixada no julgamento dos REsp 2.148.059, 2.148.580 e 2.150.218, afetados como paradigmas do Tema 1.306. Os três recursos foram providos, com o reconhecimento da nulidade das decisões recorridas e retorno dos autos aos tribunais de origem para novo julgamento.
Tese fixada:
"1- A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida, desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.
2- A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do parágrafo 3º do artigo 1.021 do CPC, é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado.
Entenda
A fundamentação per relationem (por referência ou por remissão) consiste na adoção, pelo magistrado, de fundamentos já expostos em outra decisão, parecer ou documento, sem reapresentá-los integralmente no novo pronunciamento.
O julgamento discutiu os limites legais e constitucionais dessa técnica, especialmente diante do que determinam o art. 489, §1º e o art. 1.022, parágrafo único, II, do CPC, bem como o art. 93, IX, da CF, que exigem decisões fundamentadas de forma adequada, clara, e suficiente.
Entidades e representantes das partes contribuíram com argumentos técnicos durante o julgamento.
Pela Anacrim - Associação Nacional da Advocacia Criminal, o advogado Victor Minervino Quintiere defendeu que a técnica só deve ser admitida quando acompanhada de fundamentação própria, que demonstre atenção ao caso concreto. Criticou seu uso indiscriminado, especialmente no processo penal, por gerar insegurança jurídica e decisões genéricas.
O advogado Daisson Flach, representando o IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual distinguiu duas formas da técnica: a "pura", que apenas remete a fundamentos anteriores, e a "inclusiva", com acréscimos do julgador. Defendeu a validade apenas desta última, por garantir o contraditório efetivo.
Pelo IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, como amicus curae, o advogado Walter Jose Faiad de Moura, alertou para o impacto da técnica nos consumidores vulneráveis. Argumentou que a simples cópia de fundamentos anteriores nega ao cidadão o direito de “ouvir a voz do juiz”, defendendo a nulidade de decisões baseadas apenas em reprodução de fundamentos anteriores.
A AGU, representada por Daniel Costa Reis, também como amicus curiae, a Advocacia-Geral da União sustentou a validade da técnica, desde que respeitados três requisitos: (1) fundamentação própria, (2) transcrição dos fundamentos adotados e (3) enfrentamento dos argumentos relevantes, conforme o art. 489, §1º, IV, do CPC.
O advogado Fábio Lima Quintas, pelo Santander, parte recorrida no REsp 2.148.059, endossou os critérios da AGU e sustentou o desprovimento do recurso, alegando litigância abusiva no caso concreto.
Técnica é admitida, desde que haja análise das questões novas e relevantes do processo
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou pela admissibilidade da técnica, desde que o julgador enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes do caso, sem omissão quanto aos argumentos das partes.
Salomão citou o Tema 339 do STF, que reconhece que o art. 93, IX da CF exige fundamentação sucinta, sem exigir o exame pormenorizado de todas as alegações ou provas:
"O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas."
Portanto, propôs a tese de que é válida a fundamentação por referência, desde que o julgador enfrente, ainda que de forma sucinta, as questões novas e relevantes do caso, dispensando a análise detalhada de todas as alegações ou provas.
Nos casos concretos, o ministro observou que os tribunais de origem aplicaram a técnica de forma genérica e desvinculada dos elementos essenciais do processo, sem enfrentar os fundamentos trazidos nos embargos de declaração. Por essa razão, votou pelo provimento dos três recursos, com a anulação dos acórdãos e retorno dos autos aos tribunais de origem para novo julgamento.
Julgar bem
Durante o julgamento, o ministro Herman Benjamin destacou a relevância do tema e o seu impacto na qualidade da prestação jurisdicional, enfatizando que a fundamentação das decisões não pode se reduzir ao formalismo vazio, nem à repetição mecânica de argumentos.
"Todos nós estamos de acordo que este é um dos repetitivos mais importantes julgados aqui pela nossa Corte Especial, no que tange a um impacto direto na prestação jurisdicional, porque não basta simplesmente julgar, nós temos que julgar e julgar bem, sem repetições desnecessárias, sem transformar o formalismo em substância, sem obrigar o juiz a parafrasear ou às vezes simplesmente trocar um 'porém' por um 'todavia' utilizado na decisão recorrida."