Durante julgamento no STF, em que se define a repatriação de criança em caso de violência doméstica, os ministros travaram debate a respeito das competências constitucionais da AGU - Advocacia-Geral da União.
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Ministro Flávio Dino inaugurou a discussão ao sustentar que a atuação da AGU nesses casos não encontra respaldo na CF.
Para S. Exa., a advocacia de Estado não pode assumir o papel de substituta processual da parte, uma vez que sua função é representar exclusivamente a União (art. 131 da CF).
Dino argumentou que a intervenção direta em litígios privados, mesmo amparados por convenções internacionais, viola o princípio da reciprocidade e coloca a União contra seus próprios cidadãos.
"Creio que o patrocínio deve partir da premissa de que se trata de um litígio privado. Se a parte for hipossuficiente, atua a Defensoria Pública da União, que sim possui legitimação constitucional para ser parte", defendeu o ministro.
Na sequência, ministro André Mendonça lembrou que, historicamente, a AGU sempre exerceu esse papel.
Ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a atuação se dá com base no art. 33 do CPC, o qual prevê a atuação da AGU em pedidos de cooperação internacional. Para Barroso, superar essa regra dependeria de declaração de inconstitucionalidade ou de alteração legislativa.
A AGU, representada em plenário pelo advogado da União Rodrigo Carmona, esclareceu que pelo menos 24 países adotam procedimento semelhante, sendo que em 19 deles a advocacia pública atua diretamente.
Segundo Carmona, nos casos em que a advocacia pública exerce essa função, estão incluídos: Austrália, Bulgária, duas unidades federativas do Canadá, Chile, República Dominicana, El Salvador, Itália, Jamaica, Malta, Peru, África do Sul, Espanha, Ucrânia, o Estado da Califórnia (EUA) e Uruguai.
Já nos países em que a função é desempenhada pelo Ministério Público, citou: Argentina, Bélgica, Colômbia, Chipre, França, Ilhas Maurício, Paraguai e Turquia.
O representante acrescentou que, no Brasil, existe um órgão nacional e unificado, o PNAE - Programa Nacional de Atuação em Ações de Adoção Internacional, responsável por esses procedimentos.
Dino, no entanto, insistiu que apresentará reserva quanto à compatibilidade da prática com o ordenamento brasileiro.
"Não acho próprio esse papel, até porque, do ponto de vista constitucional, quando temos o controle abstrato, há espaço para atuação da AGU. Mas não numa condição de parte em litígio privado."
Assista:
Regulamento específico
Ministro André Mendonça destacou a necessidade de a AGU editar regulamento específico sobre os procedimentos de representação em casos de restituição internacional de menores.
Segundo S. Exa., a experiência já existente quando a Advocacia da União é chamada a representar agentes públicos poderia servir de modelo. Nessas situações, a instituição avalia previamente a legitimidade do ato administrativo questionado para definir se prestará ou não a defesa.
Mendonça propôs que, nos casos de repatriação de crianças, a AGU faça análise semelhante: primeiro, na fase inicial do processo, verificando se estão presentes os pressupostos de legitimidade; depois, durante a tramitação, avaliando a continuidade da representação quando surgirem elementos que indiquem violência contra a mulher ou contra a criança.
"Quando se verifica que a representação é em relação a uma pessoa que praticou violência, e já há elementos suficientes nesse sentido, a AGU tem que reavaliar a sua posição", afirmou. Para o ministro, nessas hipóteses a instituição não estaria obrigada a manter a representação e, ao se abster, não violaria a Convenção da Haia.
Mendonça consignou em seu voto que a partir da decisão do Supremo a AGU deverá procedimentalizar sua atuação, estabelecendo critérios claros que considerem as premissas fixadas no julgamento.
Confira:
Atuação da AGU
A controvérsia expôs as diferenças entre as funções da AGU.
Prevista no art. 131 da CF e regulada pela LC 73/93, a advocacia-Geral tem como missão central representar judicial e extrajudicialmente a União, assegurando a defesa dos interesses diretos do Estado brasileiro.
No âmbito da cooperação jurídica internacional, como ocorre nos pedidos de repatriação de menores, o CPC (art. 33) atribui à AGU a incumbência de ajuizar medidas solicitadas pelo ministério da Justiça, que atua como Autoridade Central.
Trata-se, portanto, de uma atuação estatal voltada a cumprir obrigações assumidas em tratados.