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STF: Veja ponto a ponto da acusação de Paulo Gonet contra Bolsonaro

PGR defendeu punição aos atos que buscaram ruptura institucional no Brasil.

2/9/2025

Nesta terça-feira, 2, em sessão da 1ª turma do STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, relatou os atos que, segundo a acusação, levaram à tentativa de golpe de Estado e pediu a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados.

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Para o PGR, as provas demonstram uma cadeia de fatos orientados à ruptura democrática, conduzida sob inspiração e determinação do ex-mandatário.

Veja a íntegra e ponto a ponto da manifestação do PGR.

Defesa da ordem democrática

Segundo Gonet, nenhuma democracia pode sobreviver sem instrumentos efetivos para reagir a ações orientadas à sua destruição.

Ele destacou que a CF prevê meios institucionais para corrigir desvios jurídicos, mas que não há providência jurisdicional possível contra a usurpação do poder pela força.

"Quando o ataque iniciado contra ela não se consuma, nesses casos, atua o Código Penal no capítulo dos crimes contra as instituições democráticas, prometendo castigo", ressaltou.

O procurador citou expressamente os crimes previstos nos arts. 359-L e 359-M do CP, que tipificam, respectivamente, a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e a tentativa de golpe de Estado.

Para ele, "punir a tentativa frustrada de ruptura com a ordem democrática estabelecida é imperativo de estabilização do próprio regime, opera como regime, como elemento dissuasório contra o ânimo por aventuras golpistas e expõe a tenacidade e a determinação da cidadania pela continuidade da vida pública inspirada no protagonismo dos direitos fundamentais e na constância das escolhas essenciais de modo de convivência política".

Golpes e a história

Gonet afirmou que golpes de Estado podem ser articulados tanto fora quanto dentro das estruturas de poder e lembrou que a história nacional e internacional registra sucessivas tentativas dessa natureza. O inconformismo com o término regular de mandatos, segundo ele, costuma ser fator deflagrador de crises.

"Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem, como mostram relatos de fato aqui e no estrangeiro, recrudece ímpetos de autoritarismo e põe em risco o modelo de vida civilizada", advertiu.

Tramas e ameaças

Na avaliação do chefe do Ministério Público, os fatos em julgamento ilustram a gravidade das tramas "urdidas e postas em prática por meio de atos coordenados e sucessivos" que visavam à perturbação social, ao uso de força não autorizada pela Constituição e à restrição dos poderes constitucionais.

Ele rejeitou qualquer tentativa de minimizar os acontecimentos.

"Não podem ser tratados como atos de importância menor, devaneios utópicos ou aventuras inconsideradas. O que está em julgamento são atos graves enquanto quisermos manter a vivência de um Estado Democrático de Direito."

Panorama tenebroso e unidade de propósito

Segundo Gonet, as alegações finais da PGR permanecem inabaladas e demonstram múltiplas ações com unidade de propósito: impedir a chegada e o exercício do poder pelo presidente eleito e promover a continuidade de Bolsonaro no governo, independentemente do resultado eleitoral.

"Não se trata de uma narrativa de fatos isolados, mas de sequência significativa de ações voltadas à ruptura da normalidade democrática", disse. Ainda que nem todos os denunciados tenham participado de todos os episódios, todos colaboraram em alguma etapa da trama, compondo uma organização criminosa.

"O grau de atuação é questão de mensuração da pena, mas não da responsabilidade pelos acontecimentos", afirmou o PGR, ressaltando que há provas seguras da tentativa de golpe.

Veja trecho da manifestação:

Minutas golpistas e reunião com militares

O PGR destacou a reunião do então presidente da República e do ministro da Defesa com comandantes das Forças Armadas, quando foram apresentadas minutas de decretos prevendo medidas inconstitucionais para impedir a posse do presidente eleito.

"Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso", declarou.

Segundo Gonet, houve adesão do comandante da Marinha, enquanto Aeronáutica e Exército resistiram às pressões, sendo alvo de campanha difamatória e de mobilização social.

Mobilização social e atos violentos

Gonet afirmou que os réus incentivaram acampamentos diante de quartéis, pedindo intervenção militar, e estimularam atos violentos em Brasília, como a invasão da sede da Polícia Federal, incêndios de veículos e a tentativa de explosão de um caminhão-tanque próximo ao aeroporto.

Essas ações, segundo ele, integraram a etapa de instauração do caos, considerada necessária para atrair adesão das Forças Armadas. O ápice, acrescentou, ocorreu em 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.

Plano Punhal Verde Amarelo

Gonet detalhou ainda o projeto para assassinar o ministro Alexandre de Moraes e os presidentes e vice-presidentes eleitos, conhecido como "Plano Punhal Verde Amarelo".

O plano previa monitoramento de autoridades, deslocamento de armas e pessoal para Brasília, e foi minuciosamente documentado.

Segundo o procurador, o general Mário Fernandes reconheceu a autoria do documento, embora tenha tentado relativizá-lo como "exercício de imaginação".

O plano, disse Gonet, chegou a obter financiamento e só não se concretizou porque não houve decreto formal de ruptura assinado por Bolsonaro.

Desinformação e ataques ao Judiciário

O procurador destacou que Bolsonaro conclamou resistência às urnas eletrônicas, estimulou campanhas de desinformação e buscou enfraquecer o Judiciário, tentando subtrair competências do TSE e do STF.

"Houve a conclamação pública pelo então Presidente da República de que não se utilizassem as urnas eletrônicas previstas na legislação sob ameaça de as eleições não virem a acontecer, bem como de resistência ativa, armífera, contra os seus resultados", resumiu.

O PGR afirmou que está comprovada a "cadeia de fatos direcionados a consumar a ruptura democrática", conduzida sob inspiração e determinação do ex-presidente.

"Houve um combinado de atos orientados a consumar um golpe de Estado que desnaturaria o Estado Democrático de Direito, atingindo o respeito à escolha livre dos cidadãos", concluiu.

As provas, segundo ele, incluem testemunhos e documentos que bastam para assegurar a condenação.

Tentativas de cooptação das Forças Armadas

Segundo Gonet, o empenho para cooptar militares de alta patente ao empreendimento golpista assumiu diversas formas, incluindo ataques virtuais contra aqueles que resistiram a aderir ao movimento.

"Houve a apresentação do plano de golpe pelo Comandante-Maior das Forças Armadas, o próprio Presidente da República, e pelo Ministro de Estado da Defesa", afirmou.

O procurador destacou que o golpe não se consumou graças à fidelidade do Exército à Constituição, ainda que houvesse desvirtuamento de alguns de seus integrantes e da Aeronáutica.

As provas, segundo ele, foram descobertas em grande parte pelas investigações da PF e confirmadas pelo colaborador Mauro Cid, que descreveu com detalhes a estruturação da organização criminosa entre 2021 e 2023.

Estrutura criminosa documentada

Para Gonet, a denúncia não se baseou em conjecturas frágeis, mas em documentação produzida pelos próprios acusados: manuscritos, planilhas, mensagens e discursos prontos.

Citou, por exemplo, a chamada "Operação 142", equivocada alusão ao artigo da CF, encontrada em pasta intitulada "Memórias Importantes".

Testemunhas como ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica confirmaram que receberam minutas de decretos com medidas de exceção, anulação das eleições, prisão de autoridades e intervenção em tribunal superior, que só seriam assinadas caso houvesse apoio das Forças Armadas.

Veja o momento:

Acampamentos

O PGR relatou que a inclusão da "rebeldia popular" sempre fez parte da estratégia da organização criminosa. A revolta serviria como fator de legitimação para decretar medidas de exceção.

Em mensagens de novembro de 2022, Mauro Cid chegou a indicar que as manifestações deveriam se concentrar no STF e no Congresso, com expectativa de garantia de permanência pelas Forças Armadas.

Fotografias mostraram a presença de Mário Fernandes, então secretário substituto da Presidência, em acampamentos em Brasília, além de sua interlocução com líderes de caminhoneiros.

Mauro Cid também confirmou que Bolsonaro não desmobilizou os acampamentos justamente para manter a expectativa de uma intervenção militar, e destacou a atuação de Braga Netto, que chegou a gravar vídeo em dezembro de 2022 incentivando manifestantes a manter a esperança de que "algo iria acontecer".

Atos de 8 de janeiro

Gonet observou que os ataques de 8 de janeiro de 2023 revelaram surpreendente sofisticação tática, com uso de técnicas típicas de forças especiais.

Segundo relato de Mauro Cid, indivíduos conhecidos como "KIDS pretos", militares treinados em operações de guerra irregular, teriam se infiltrado nos acampamentos.

Na invasão, grades foram usadas como escadas, mangueiras de incêndio acionadas para dissipar bombas de efeito moral e objetos improvisados empregados com técnica, o que indica preparo e capacidade de prolongar os ataques. Para o PGR, isso demonstra que não se tratou de explosão espontânea de descontentamento popular, mas de ação planejada e complexa.

Ataques e intimidações ao Judiciário

O procurador acrescentou que, desde 2021, o então presidente Jair Bolsonaro propagava narrativas falsas para desacreditar o sistema eletrônico de votação e incitava hostilidade contra o Judiciário.

Gonet citou uma live de 29 de julho de 2021, na qual Bolsonaro afirmou, de forma ameaçadora, que as Forças Armadas estavam "prontas para agir a qualquer tempo".

Em 3 de agosto, em entrevista, o presidente sugeriu medidas de força contra o STF e mencionou diretamente o ministro Luís Roberto Barroso, afirmando ser necessário "um último recado para que eles entendam o que está acontecendo".

"Se o ministro Barroso continuar sendo insensível, se o povo assim o desejar, uma concentração na Paulista dará o último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia. Eu estarei lá", disse Bolsonaro, segundo trecho reproduzido por Gonet.

No dia seguinte, em programa da Jovem Pan, Bolsonaro voltou a atacar o TSE, acusando Barroso de mentiroso e afirmando, sem provas, que o código-fonte das urnas havia sido acessado por hackers.

Atos de 7 de setembro

Gonet afirmou que a estratégia golpista alcançou "novo patamar de radicalização" em 7 de setembro de 2021, quando Jair Bolsonaro discursou em Brasília e em São Paulo.

Aproveitando-se da data cívica, o então presidente "insuflou a militância contra os ministros do STF e do TSE", atacou novamente o sistema eletrônico de votação, chamando-o de farsa, e proferiu ameaças contra os chefes de Poder.

Referindo-se ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, Bolsonaro chegou a dizer: "ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos".

No mesmo dia, em São Paulo, declarou: "só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que nunca serei preso".

Para o PGR, essas palavras não podem ser vistas como arroubos isolados, mas como parte de um projeto autoritário. Ele ressaltou que manifestações organizadas exibiam faixas por intervenção militar e que o presidente recusou publicamente aceitar a alternância de poder.

Corrosão institucional

Segundo Gonet, as constantes manifestações presidenciais contra as urnas eletrônicas e contra ministros da Corte tinham como finalidade "fomentar desconfiança generalizada no processo eleitoral, incitar a militância contra os poderes constituídos e dispor a população para rechaçar a derrota nas urnas".

Ele citou a apreensão de manuscritos na residência do general Augusto Heleno e arquivos de Alexandre Ramagem, que mostravam planejamento prévio para atacar reiteradamente a confiabilidade das urnas.

Para o procurador, a "escalada da agressividade discursiva não era episódica nem improvisada", mas integrava execução deliberada de um plano de corrosão da confiança pública e de desgaste progressivo das instituições.

Reunião ministerial e encontro com embaixadores

O PGR relatou que em 5 de julho de 2022, reunião ministerial convocada por Bolsonaro contou com ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e assessores próximos.

Na ocasião, o presidente acusou Lula de ser financiado pelo narcotráfico, atacou o sistema eletrônico de votação e exigiu que seus ministros replicassem a narrativa de fraude.

Segundo Gonet, também participaram Anderson Torres, Augusto Heleno, Mário Fernandes, Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira, Braga Netto e os comandantes das Forças. O encontro evidenciou a "unidade de desígnios do grupo voltada à rejeição antecipada da vontade popular".

Poucos dias depois, em 18 de julho de 2022, Bolsonaro reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada, repetindo as alegações de fraude em discurso transmitido pela TV pública e replicado nas redes sociais. Para o PGR, tratou-se de tentativa de preparar a comunidade internacional para a rejeição dos resultados eleitorais.

Uso da PRF nas eleições de 2022

Com a proximidade da derrota eleitoral, afirmou Gonet, o grupo ampliou a frente de atuação, utilizando de forma ostensiva a máquina pública. Destacou-se a atuação da Polícia Rodoviária Federal, sob comando de Silvinei Vasques, que teria sido usada para obstruir o direito de voto de eleitores presumidos como contrários a Bolsonaro, especialmente no Nordeste.

O procurador disse que a ação contou com a participação de Anderson Torres, Marília Lenkar e Fernando Oliveira, que mais tarde assumiriam cargos na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, responsável pela atuação das forças locais no 8 de janeiro.

Houve ainda a produção de um Business Intelligence para mapear localidades de votação expressiva de Lula, com o objetivo de direcionar barreiras policiais. Essa meta foi confirmada em depoimentos de testemunhas, como Adiel Alcântara e Clebson de Paula Vieira.

Documentos apreendidos e "Operação 142"

Gonet destacou que documentos físicos apreendidos na sede do Partido Liberal reforçam a unidade de desígnios da organização criminosa.

Na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto, foi encontrada a pasta "Memórias Importantes", contendo esboços da chamada "Operação 142".

O plano previa ofensivas contra o STF, assinatura de decreto presidencial, controle da narrativa midiática, anulação das eleições, prorrogação de mandatos e substituição do TSE.

No tópico "Linhas de Esforço", o arquivo sugeria interrupção da transição, mobilização de juristas e enquadramento jurídico do decreto no art. 142 da Constituição.

Ao final, registrava expressamente: "Lula não sobe a rampa".

Minutas golpistas e reuniões militares

O procurador relatou que outro documento, encontrado na sala de Bolsonaro na sede do PL, trazia um discurso pronto sobre estado de sítio e decretação de GLO, a ser recitado no momento da consumação do golpe. O mesmo texto estava no celular de Mauro Cid.

Segundo Gonet, Bolsonaro chegou a apresentar versões do decreto golpista em reuniões convocadas por ele, como em 7 de dezembro de 2022.

Minutas previam prisão de autoridades, incluindo ministros do STF e o presidente do Senado, sendo depois ajustadas para focar apenas no presidente do TSE.

Em juízo, o general Freire Gomes confirmou que Bolsonaro lhe apresentou minuta semelhante. O comandante da Marinha, afirmou Gonet, "assentiu prontamente e se dispôs a fornecer tropas", enquanto outras forças resistiram. Para a execução, contava-se com a liderança do general Estevam Teófilo, do Coter - Comando de Operações Terrestres.

Golpe de Estado dentro do mandato

O PGR refutou a tese de que não haveria lógica em golpe durante o mandato do próprio presidente.

Explicou que o art. 359-M do CP não protege a figura pessoal do governante, mas a ordem democrática como expressão da soberania popular.

"O auto golpe também é golpe punível, por configurar desvio funcional gravíssimo que se origina dentro das instituições e opera contra elas", afirmou.

Colaboração de Mauro Cid

Antes de encerrar, Gonet defendeu a validade da colaboração premiada de Mauro Cid, celebrada na PF.

Segundo ele, embora a PF tenha descoberto a maior parte dos fatos de forma independente, os relatos do ex-ajudante de ordens deram profundidade às investigações.

"Não existe entre nós a figura da mera testemunha premiada. O acordo pressupõe o reconhecimento da prática dos delitos", pontuou, destacando que as negativas posteriores de Cid não retiram valor da colaboração.

Pela condenação

Ao concluir, o procurador afirmou que o conjunto de fatos narrados e comprovados "leva a Procuradoria-Geral da República a esperar juízo de procedência da acusação".

"O conjunto dos fatos relatados na denúncia e suficientemente provados ao longo do feito, que obedeceu pontualmente aos parâmetros do devido processo legal, leva a Procuradoria-Geral da República a esperar juízo de procedência da acusação deduzida", finalizou.

Veja o final da manifestação:

Veja a versão completa

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