Migalhas Quentes

Fux vota por absolver Bolsonaro de todos os crimes da trama golpista

Ministro divergiu dos dois votos pela condenação do ex-presidente e outros réus.

10/9/2025

Nesta quarta-feira, 10, ministro Luiz Fux votou para livrar o ex-presidente Jair Bolsonaro de todas as acusações na ação da trama golpista.

Diante da ausência de dolo, nexo causal e estrutura típica de organização criminosa, Fux votou pela improcedência da ação penal contra o ex-presidente, absolvendo-o das imputações de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e organização criminosa, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.

Veja o momento do voto:

Inicialmente, Fux ressaltou que a função de julgar deve ser exercida com base nas provas indicadas pelo Ministério Público, não cabendo ao magistrado agir como "inquisidor" em busca de elementos.

Reafirmou que a responsabilidade criminal deve ser demonstrada acima de qualquer dúvida razoável e, no caso concreto, considerou a denúncia deficiente por não individualizar as condutas atribuídas ao ex-presidente.

Golpe de Estado

Segundo Fux, não é possível aplicar o art. 359-M do CP (golpe de Estado) a quem se encontrava no exercício da Presidência, pois o tipo pressupõe a remoção de um governante legitimamente constituído.

A figura do chamado "autogolpe", disse o ministro, não encontra previsão legal e sua criminalização implicaria analogia in malam partem, vedada pelo princípio da legalidade.

Atos de 8/1

O ministro também afastou a pretensão acusatória de responsabilizar Bolsonaro pelos atos de 8 de janeiro de 2023 com base em discursos e entrevistas ao longo do mandato.

Para S. Exa., não há nexo causal entre manifestações genéricas e a violência posterior praticada por terceiros:

"É desarrazoado equiparar palavras a atos efetivos de violência", destacou.

Abin paralela

Quanto à chamada "Abin paralela", Fux reconheceu possíveis desvios de finalidade, mas frisou que o uso de instrumentos de inteligência, como a ferramenta First Mile, não se traduz em atos executórios violentos capazes de abolir o Estado Democrático de Direito.

Além disso, lembrou que o colaborador Mauro Cid recuou em juízo de afirmações que atribuiriam a Bolsonaro ordens diretas de monitoramento, o que fragiliza ainda mais a acusação.

Ataques ao sistema eleitoral

Ao tratar da acusação de que Bolsonaro teria liderado uma campanha coordenada contra a Justiça Eleitoral, Fux reforçou que discursos, entrevistas e manifestações críticas não se confundem com atos executórios de natureza violenta, indispensáveis para caracterizar o crime de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP).

Citou expressamente o art. 359-T, que exclui de tipicidade a manifestação crítica aos Poderes, e lembrou que a defesa do voto impresso já foi objeto de intenso debate no TSE e no Congresso, sem que isso tenha abalado o regime democrático.

O ministro destacou episódios apontados na denúncia, como a live de 29/7/21, a entrevista ao programa "Pingos nos Is", reuniões de setembro de 2022 e a transmissão do influenciador Fernando Cerimedo em novembro de 2022, e concluiu que nenhum deles revela conduta violenta ou dolo de ruptura institucional.

A mera contestação da segurança das urnas ou a divulgação de falas polêmicas, frisou, não é capaz de abolir o Estado de Direito.

Relatório do ministério da Defesa

Na mesma linha, afastou a acusação de que Bolsonaro teria interferido em relatório do ministério da Defesa sobre a fiscalização das urnas, lembrando que testemunhas, como o brigadeiro Batista Júnior, negaram qualquer ingerência.

Para Fux, houve apenas tentativa de redigir um texto "imparcial" e a prova não revelou dolo contra as instituições.

Ajuizamento de ação

Também considerou atípica a representação eleitoral apresentada pelo PL em outubro de 2022, baseada em parecer do Instituto Voto Legal.

Para S. Exa., a própria Constituição assegura o direito de acesso à Justiça, e não se pode criminalizar o simples ajuizamento de ações, ainda que infundadas ou rejeitadas.

"O juiz julga procedente ou improcedente, mas não se pode converter em crime o ato de provocar o Judiciário", afirmou.

Operações policiais no 2º turno

Quanto à acusação de uso indevido de forças de segurança para dificultar a votação em 30/10/22, Fux observou que não há prova de ciência ou participação do ex-presidente.

A tese acusatória, disse, recai em responsabilidade objetiva por atos de terceiros, vedada pelo art. 18 do CP.

A denúncia tampouco descreveu ato executório, domínio do fato ou coautoria funcional atribuível a Bolsonaro; por isso, a pretensão condenatória é improcedente.

Reuniões e planos antidemocráticos

No capítulo das reuniões, Fux apontou insuficiência probatória.

A suposta reunião de 19/10/22 com Felipe Martins não veio acompanhada do documento alegadamente discutido; o próprio colaborador Mauro Cid foi vaga quanto a datas e conteúdos.

Sobre o encontro de 28/11/22 ("kids pretos"), a "carta ao comandante do Exército" citada pela PGR expressa inconformismo político, mas não tem potencial lesivo para o tipo penal; no dia seguinte, o Exército divulgou nota reafirmando apartidarismo, hierarquia e disciplina, o que, para Fux, esvazia a narrativa de pressão institucional.

Reuniões militares e a "minuta do golpe"

Fux também analisou os encontros entre Bolsonaro, comandantes militares e auxiliares próximos no fim de 2022.

Relatos de reuniões em novembro, segundo o ministro, são frágeis e contraditórios: a acusação sustenta que nelas teria circulado a minuta de um decreto de exceção, mas a própria denúncia afirma que a primeira versão do texto surgiu apenas em dezembro.

O brigadeiro Batista Júnior declarou que o tema da "garantia da lei e da ordem" foi apenas cogitado, e o general Freire Gomes chegou a advertir Bolsonaro de possíveis consequências jurídicas se insistisse em medidas inconstitucionais. Para Fux, tratou-se de meras cogitações, insuficientes para configurar início de execução.

Quanto à minuta encontrada no celular de Mauro Cid, que previa estado de sítio e GLO, o ministro observou que o documento está incompleto, restringindo-se a considerandos e a um breve dispositivo, sem comprovação de que tenha sido apresentado a Bolsonaro ou aos comandantes.

O achado posterior, em busca realizada na sede do PL em 2024, não prova a ciência ou anuência do ex-presidente à época dos fatos. "Aconteceu alguma coisa? Nada", resumiu Fux, para quem não houve ato executivo nem vínculo concreto entre Bolsonaro e a minuta.

Fux afastou o valor probatório da chamada "minuta do golpe". O documento encontrado na sede do PL em 2024, idêntico ao registrado por Mauro Cid, foi considerado apócrifo, produzido tardiamente e, portanto, inapto a comprovar ciência de Bolsonaro à época.

Para o ministro, trata-se de material de defesa, protegido inclusive pela "work product immunity", instituto que impede o uso de documentos elaborados por advogados contra o próprio réu.

Mesmo abstraindo essa ilicitude, o ministro destacou que a minuta não configurava ato executório: era apenas um anteprojeto que, para se tornar realidade, dependeria de múltiplos passos formais e da anuência de diferentes autoridades, como Congresso Nacional, Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional.

"É contraditório imaginar uma tentativa de abolição do Estado Democrático com autorização do próprio Congresso", afirmou. Assim, sem publicação de decreto, ativação de tropas ou qualquer ordem operacional, o texto permaneceu no campo dos atos preparatórios impuníveis.

No voto, Fux analisou ainda a suposta reunião de 6 de dezembro de 2022, apontada pelo Ministério Público como ocasião em que Bolsonaro teria recebido uma versão da minuta prevendo novas eleições e até a prisão de autoridades, entre elas o ministro Alexandre de Moraes.

O ministro, porém, ressaltou contradições internas da acusação: Batista Júnior, testemunha-chave, disse que essa hipótese surgiu apenas em brainstorms e sequer esteve presente na reunião, o que torna impossível vincular sua fala ao encontro indicado pela PGR.

A reunião de 7 de dezembro, no Palácio da Alvorada, foi descrita pelo general Freire Gomes como a apresentação de considerandos superficiais, "um apanhado, uma memória", sem caráter de documento formal.

Não havia previsão de prisão de autoridades, apenas menções genéricas a estado de sítio e GLO.

Para Fux, o episódio permaneceu no campo da mera cogitação, incapaz de configurar início de execução de crime contra o Estado Democrático. O próprio Mauro Cid declarou em juízo que Bolsonaro jamais assinaria aquele texto, o que reforça, para Fux, a ausência de dolo e de tipicidade.

Ao examinar as reuniões de 7 e 14 de dezembro de 2022, Fux afastou a hipótese de que Bolsonaro tivesse apresentado qualquer minuta prevendo a prisão de autoridades ou intervenção nos demais Poderes.

Segundo o ministro, os documentos eram versões modificadas e imprecisas, sem conteúdo definido, incapazes de configurar atos executórios.

S. Exa. também destacou uma incongruência da acusação: o chamado arquivo "Opluneta", citado pela PGR como vinculado ao plano, foi criado apenas em janeiro de 2023, semanas após os encontros mencionados, o que inviabiliza sua utilização como prova.

Para Fux, a inconsistência das narrativas reforça a inexistência de elementos que sustentem a tipicidade penal no episódio.

Planos "Punhal Verde Amarelo" e "Copa 2022"

Fux também analisou os dois planejamentos ilícitos citados pela PGR como parte de um único movimento de ruptura: o chamado "Punhal Verde Amarelo" e a operação "Copa 2022".

O primeiro consistia em um arquivo encontrado em HD de assessor de Bolsonaro, interpretado pela PF como referência a possível atentado contra o ministro Alexandre de Moraes. Para o ministro, no entanto, não há prova de que Bolsonaro tenha tido ciência ou anuído ao plano.

Pelo contrário, mensagens atribuídas a Mário Fernandes mostrariam que o ex-presidente resistia a qualquer ação violenta, motivo de queixa entre aliados.

Já o grupo "Copa 2022", formado em aplicativo de mensagens com militares das forças especiais, teria planejado movimentações em Brasília em dezembro de 2022, mas as conversas revelam que a operação foi abortada antes de qualquer execução.

Assim, para Fux, os elementos apresentados configuram, no máximo, cogitações e atos preparatórios, sem início de execução de crime contra o Estado Democrático de Direito.

Gabinete de Crise

Fux também examinou a acusação de que Bolsonaro teria participado da criação de um suposto Gabinete Institucional de Gestão de Crise, estruturado em minuta encontrada em arquivos de Mário Fernandes.

A PGR apontava que o documento visava organizar diretrizes para um governo paralelo, mas o ministro destacou incoerências graves: enquanto a PF indicava que o arquivo fora criado em 16 de dezembro de 2022, os metadados mostravam data de janeiro de 2023; além disso, havia divergência entre o número de páginas do documento digital (quatro) e das cópias impressas (trinta), sem comprovação de que correspondiam ao mesmo conteúdo.

Outro ponto ressaltado foi a suposta visita de Mário Fernandes a Bolsonaro em 16 de dezembro para discutir o plano.

Registros oficiais, porém, apontam que o assessor só esteve no Alvorada no dia seguinte, 17 de dezembro, o que tornaria impossível tratar de um documento cuja ativação estava prevista para a véspera.

"Não é crível que se reunisse para discutir um plano retroativo", afirmou Fux. Para S. Exa., as contradições inviabilizam a vinculação de Bolsonaro à minuta, reforçando a conclusão de que não houve autoria ou materialidade de crime.

Mensagens e monitoramentos

O ministro também examinou diálogos e documentos citados pela acusação como indícios de preparação golpista, mas concluiu que não há qualquer prova de ordem ou participação de Jair Bolsonaro.

No caso das mensagens sobre monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, Fux lembrou que o próprio Mauro Cid afirmou que as iniciativas partiam de outros envolvidos, e não do ex-presidente.

Situação semelhante foi constatada em conversas de agentes da Polícia Federal e assessores, que expressavam insatisfação ou expectativa de medidas, mas sem comando ou ciência de Bolsonaro.

Uma das mensagens destacadas pelo Ministério Público, enviada em 2 de janeiro de 2023 pelo brigadeiro da reserva Maurício Pazzini Brandão, foi considerada irrelevante: além de Bolsonaro já não ocupar o cargo de presidente, o militar estava aposentado e não poderia mobilizar tropas.

Do mesmo modo, o documento denominado "Operação 142", encontrado apenas em fevereiro de 2024, foi classificado como manuscrito rudimentar, sem data nem conexão com os fatos, servindo apenas como "cogitação documentada". Para Fux, todos esses elementos reforçam a improcedência da acusação.

8 de janeiro

Ao analisar os fatos relacionados às manifestações de novembro e dezembro de 2022 e aos ataques de 8 de janeiro, Fux concluiu que não há provas de que Jair Bolsonaro tivesse qualquer vínculo com os manifestantes, liderança sobre o movimento ou controle sobre os atos de vandalismo.

Ressaltou que o ex-presidente não ocupava mais o cargo na data dos ataques e, portanto, não detinha posição de garante. Segundo o ministro, a acusação baseou-se em diálogos e acampamentos sem conexão direta com os eventos, além de pretender criminalizar manifestações protegidas pelo art. 5º da CF.

O voto destacou ainda que Mauro Cid, em depoimento, afirmou nunca ter recebido orientações de Bolsonaro sobre manifestantes ou acampamentos. 

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