O TJ/RJ condenou o ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos por mandar lacrar, durante a Bienal do Livro de 2019, uma revista em quadrinhos que trazia um beijo entre dois personagens masculinos.
A 4ª câmara de Direito Público entendeu que a medida reforçou estigmas, tratou de forma desigual casais homoafetivos em relação aos heterossexuais e violou princípios constitucionais de igualdade e não discriminação.
O episódio ocorreu quando Crivella, à época prefeito, ordenou que fiscais da Prefeitura lacrassem exemplares da revista “Vingadores: A Cruzada das Crianças”, da Marvel, que mostrava o relacionamento dos heróis adolescentes Wiccano e Hulkling. A iniciativa provocou imediata reação e levou entidades de defesa dos direitos LGBT+ e o MP/RJ a ajuizarem ação civil pública pedindo retratação e indenização de R$ 1 milhão.
O caso também foi parar no STF. À época, o presidente da Corte, Dias Toffoli, e o ministro Gilmar Mendes determinaram a suspensão da apreensão de obras com temática LGBT na Bienal, por considerarem que havia censura prévia.
Crivella, por sua vez, negou que sua conduta tivesse caráter homofóbico ou configurasse censura, alegando que sua preocupação era somente com a classificação etária das obras.
310517
Em 1ª instância, o juízo da 1ª vara de Fazenda Pública rejeitou os pedidos, entendendo que não houve dolo em incitar ódio e que impor indenização seria censura a um posicionamento político. A decisão também sustentou que a cassação do ato administrativo pelo STF já havia solucionado a questão. As entidades e o MP recorreram.
Ao julgar os recursos, o desembargador Guilherme Peña de Moraes afirmou que a ordem de lacrar a obra contrariou os objetivos constitucionais de construir uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicar todas as formas de discriminação. Segundo ele, “a mera cassação do ato administrativo ilegal é insuficiente para reparar a lesão aos interesses difusos em jogo”.
O relator destacou que a medida reforçou estigmas e representou tratamento desigual, já que publicações que mostravam manifestações de afeto entre casais heterossexuais não sofreram restrição. Ele também citou a decisão do STF na ADO 26, que equiparou a homofobia ao crime de racismo, como fundamento para afastar a tese de censura política e confirmar que a atuação judicial decorreu da necessidade de proteção de direitos fundamentais.
Além disso, mencionou a Convenção Americana de Direitos Humanos e a interpretação da Corte Interamericana, que reconhecem a obrigação dos Estados de assegurar plena proteção a casais do mesmo sexo.
Com esse entendimento, a Câmara fixou a indenização em R$ 100 mil, valor considerado proporcional diante da gravidade da conduta e da capacidade econômica de Crivella. O valor será revertido a fundos de políticas públicas de combate à discriminação por orientação sexual.
- Processo: 0289490-80.2019.8.19.0001
Leia a decisão.