A sessão da CPMI do INSS desta quinta-feira, 25, foi marcada por confrontos entre parlamentares e o advogado Cleber Lopes, defensor de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”. Os episódios levaram à suspensão temporária dos trabalhos e motivaram manifestações de entidades da advocacia.
O primeiro conflito ocorreu pela manhã, quando Antunes afirmou que não responderia às perguntas do relator, deputado Alfredo Gaspar, por ter sido chamado de “bandido”. Nesse momento, Lopes tentou se manifestar, mas foi interrompido pelo deputado Zé Trovão, que levantou-se, aproximou-se do advogado e gritou: “Cala a boca, você não tem direito de falar”. O episódio gerou tumulto e protestos de outros parlamentares.
À noite, antes do encerramento da sessão, houve novo atrito. O deputado Delegado Caveira também ordenou que Lopes “calasse a boca”, retomando o clima de tensão. Diante dos acontecimentos, o presidente da CPMI, senador Carlos Viana, pediu desculpas ao advogado em plenário.
Manifestação do advogado
Nas redes sociais, Lopes afirmou que teve suas prerrogativas profissionais violadas ao ser impedido de se pronunciar em defesa de seu cliente. Ele citou o artigo 7º, inciso X, do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), que assegura ao advogado o direito de usar a palavra em CPIs para esclarecer equívocos ou fatos relevantes. Para o defensor, a negativa configurou ofensa ao contraditório e à ampla defesa.
Nota da OAB Nacional
O Conselho Federal da OAB classificou o episódio como “inaceitável” e afirmou que não se combate irregularidades desrespeitando a Constituição. A entidade declarou que o advogado não é cúmplice, mas garante o direito de defesa do cidadão, e apresentou desagravo público a Lopes. Também informou que manterá diálogo com a CPMI e adotará providências formais para evitar novos episódios.
OAB/DF cobra medidas
A seccional da OAB no Distrito Federal também se manifestou, afirmando que a advocacia “jamais poderá ser silenciada”. A entidade anunciou que tomará medidas legais, inclusive no STF, e pedirá à Mesa da Câmara e do Senado que o caso seja enviado às Comissões de Ética, entendendo que houve quebra de decoro parlamentar.
Posição do IBDL
O IBDL - Instituto Brasileiro de Direito Legislativo, em ofício assinado por seu presidente Murillo de Aragão, defendeu que o ocorrido comprometeu o exercício da advocacia e o funcionamento da CPMI. O documento reforçou precedentes do STF que garantem ao advogado comunicação reservada e intervenção para proteger direitos, e solicitou retratação pública, registro em ata do compromisso com as prerrogativas e garantia formal do livre exercício da profissão.
Inadmissível
O MDA - Movimento de Defesa da Advocacia disse, em nota, que é inadmissível que advogados tenham cerceado o exercício da palavra para resguardar direitos fundamentais, ou sejam submetidos a constrangimentos e situações que afrontam diretamente a Constituição Federal.
"Não há dúvidas de que a CPMI é importante, que ilícitos devem ser rigorosamente apurados e que infratores devem ser responsabilizados. Contudo, isso jamais pode ocorrer em desrespeito à lei, ao Estado Democrático de Direito e às prerrogativas da advocacia. A advocacia não é concessão de privilégio, mas função essencial à administração da Justiça. Os poderes de investigação parlamentar jamais podem se sobrepor às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sob pena de fragilizar a própria legitimidade dos trabalhos da Comissão."
Leia a nota.
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Leia a íntegra da nota da OAB:
“O Conselho Federal da OAB condena o desrespeito às prerrogativas da advocacia ocorrido na CPMI do INSS. O que ocorreu durante a sessão é inaceitável.
Não se combate irregularidades atropelando a Constituição. A investigação de contratos legítimos de escritórios de advocacia e a forma como foi tratada a atuação de advogado no exercício da defesa técnica de um convocado afrontam diretamente a lei e os princípios constitucionais. Tais práticas não configuram apuração legítima, mas representam violação das prerrogativas da advocacia.
A OAB Nacional respeita o Parlamento, mas exige igual respeito às prerrogativas profissionais. O advogado não é cúmplice; é a linha de frente da defesa dos direitos do cidadão.
O sigilo profissional é inviolável, porque assegura o direito de defesa e está protegido pela Constituição.
O Conselho Federal manifesta solidariedade e apresenta desagravo público ao advogado Cleber Lopes, que atuava em defesa técnica perante a CPMI. A entidade adotará providências, tanto no campo do diálogo quanto nas instâncias formais cabíveis, para que situações dessa natureza não se repitam.
A OAB já estabeleceu diálogo com o presidente da CPMI, senador Carlos Viana, que tem se mostrado atencioso com a advocacia e certamente adotará as medidas necessárias para assegurar o respeito às prerrogativas profissionais.”
Conselho Federal da OAB
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Leia a íntegra da nota do IBDL:
À Sua Excelência o Senhor Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS
Senhor Presidente,
Na qualidade de Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Legislativo – IBDL, entidade que tem entre suas atribuições zelar pelo papel dos advogados em sua atuação perante os Poderes da República, venho, respeitosamente, manifestar-me acerca do tratamento dispensado ao advogado Dr. Cleber Lopes durante a sessão desta Comissão realizada na presente data.
É dever lembrar que as prerrogativas profissionais da advocacia constituem garantia não apenas dos advogados, mas sobretudo dos cidadãos que representam. A Constituição Federal (art. 133) consagra o advogado como indispensável à administração da Justiça, e essa premissa deve ser observada de forma plena em todas as instâncias de poder, inclusive no âmbito das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Nesse sentido, cumpre destacar:
- Direito de acompanhamento – A Lei nº 1.579/1952 (art. 3º, §2º), bem como os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, asseguram a qualquer depoente — seja ele indiciado ou testemunha — o direito de ser assistido por advogado, inclusive em sessões sigilosas.
- Comunicação pessoal e reservada – O Supremo Tribunal Federal, em precedentes reiterados (HC 100.200/DF; HC 134.983/MC; MS 30.906/MC), firmou entendimento de que o advogado pode comunicar-se reservadamente com seu cliente, sem restrições arbitrárias.
- Direito ao silêncio e à não autoincriminação – Vigora o princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. O STF já firmou (HC 79.812/SP; HC 171.438/DF) que cabe ao advogado assegurar que este direito seja respeitado, sem que disso resultem constrangimentos, ameaças ou medidas coercitivas.
- Respeito à dignidade da advocacia – O advogado, no exercício da defesa técnica, não pode ser impedido ou limitado em sua atuação, sob pena de ofensa ao devido processo legal e ao Estado Democrático de Direito.
O ocorrido com o Dr. Cleber Lopes comprometeu não apenas o livre exercício da advocacia, mas também o regular funcionamento desta Comissão. Tal situação exige imediata correção, sob pena de violação grave de garantias constitucionais e de sujeição da matéria a controle jurisdicional.
Diante disso, solicito a Vossa Excelência que:
- Reafirme e garanta, no âmbito da CPMI, o respeito integral às prerrogativas dos advogados regularmente constituídos;
- Determine o registro em ata do compromisso da Presidência em assegurar o livre exercício da advocacia;
- Promova a devida retratação pública ao advogado Dr. Cleber Lopes, como forma de restabelecer a ordem constitucional e a dignidade dos trabalhos desta Comissão.
Na convicção de que Vossa Excelência compreenderá a gravidade do episódio e a necessidade de preservar a independência da advocacia perante os Poderes da República, subscrevo esta manifestação.
Atenciosamente,
Murillo de Aragão
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Legislativo – IBDL