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Cade mantém Moratória da Soja até dezembro; suspensão volta em janeiro

Conselho julga nesta terça-feira, 30, medida que suspendeu acordo que proíbe a compra de grãos de áreas desmatadas na Amazônia.

30/9/2025

O plenário do Cade decidiu nesta terça-feira, 30, manter em vigor, até 31 de dezembro deste ano, a Moratória da Soja, acordo de 2006 que proíbe a compra de grãos de áreas desmatadas na Amazônia após 2008. A partir de 1º de janeiro de 2026, volta a valer medida preventiva do Cade que suspende o acordo.

O órgão, por maioria, deu parcial provimento a recursos e suspendeu temporariamente a eficácia da medida preventiva da superintendência-Geral que barrava a moratória.

O voto condutor do julgamento foi o do conselheiro José Levi. 

Ficaram vencidos o relator, Carlos Jacques, e o presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, que votaram por negar os recursos. 

Veja como foi a sessão:

É recorrente a Abiove - Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais. Atuam como terceiros interessados o Ministério do Meio Ambiente e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

O que é a Moratória da Soja?

Assinado em 2006, o acordo firmado entre ONGs e a indústria busca proteger a Floresta Amazônica ao impedir que empresas comprem de produtores de soja que tenham desmatado áreas na região após julho de 2008.

Voto de José Levi

O conselheiro José Levi Mello do Amaral Júnior manifestou-se pelo parcial provimento aos recursos, determinando a suspensão, até 31 de dezembro deste ano, da medida preventiva do Cade, concedida em agosto contra a Moratória da Soja.

Segundo Levi, a suspensão dá tempo para diálogo com produtores de soja que argumentam que a moratória dá maior poder de barganha para as tradings na aquisição do produto.

Para sua conclusão, o conselheiro considerou decisão monocrática do ministro Flávio Dino na ADIn 7.774, que restabeleceu lei estadual que proíbe benefícios a empresas que firmam acordos comerciais para limitar a expansão agropecuária, como a Moratória da Soja. O restabelecimento, por sua vez, só valerá a partir de 1º de janeiro de 2026. S. Exa. considerou que o prazo até dezembro seria um “tempo para que as partes privadas e os agentes públicos possam dialogar nos termos que considerarem cabíveis”.  

José Levi afirmou que a decisão monocrática do STF tem efeito vinculante, e que repercute também em relação aos órgãos da Administração Pública indireta, como é o caso da autarquia. Assim, concluiu que o Cade deve seguir decisão do Supremo que suspende apenas até 31 de dezembro deste ano norma estadual que veda benefícios para empresas participantes de acordos da espécie da Moratória da Soja.

O conselheiro também observou que a medida preventiva do órgão não está mais vigente, por força de decisão proferida pela 20ª vara Federal da SJDF em MS.

Assim, votou para fazer valer, no espaço decisório próprio do Cade, decisão vigente e vinculante do STF, em razão do que divergiu do relator para dar parcial provimento aos recursos voluntários, de modo a manter suspensa a eficácia da medida preventiva adotada pela superintendência-Geral do Cade até 31/12/25, “tempo para que as partes privadas e os agentes públicos possam dialogar nos termos que considerarem cabíveis”, a teor do que colocado pelo relator da ADIN 7.774, o ministro Flávio Dino.

“Nestes termos, a decisão do Cade fica rigorosamente alinhada ao quanto se tem até aqui do STF, mormente em termos de incentivo ao diálogo construtivo entre as diferentes partes interessadas e com tempo suficiente para que um entendimento possa acontecer.”

Ele destacou que o voto exclui quaisquer outras considerações inclusive sobre a ocorrência ou não de algum ilícito concorrencial, o que deverá ser objeto de exame a tempo e modo, tendo como razão única fazer valer a decisão do Supremo.

O conselheiro foi seguido por Victor Fernandes, Diogo Thomson e Camila Alves.

Voto de Carlos Jacques

O caso é relatado pelo conselheiro Carlos Jacques. O conselheiro entendeu que não deveria prosperar o argumento de “perigo da demora reverso”.

Quanto à preocupação com o desmatamento, disse que o Código Florestal brasileiro já prevê o limite de 20% de desmatamento no bioma amazônico, e que há mecanismos de compensação previstos na mesma legislação, os quais garantem os compromissos nacionais com o combate ao desmatamento ilegal.

Votou, assim, por negar provimento a todos os recursos. Ele votou pela manutenção integral da medida preventiva adotada pela superintendência-Geral no despacho 13/25, inclusive quanto à penalidade por descumprimento. 

Guerra comercial

O presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, acompanhou o relator em seu voto, mas concordou com o conselheiro Levy em se dar um prazo maior (1º de janeiro) para que a medida preventiva entre em vigor, para que se dê um tempo para tentativa de negociação. 

O conselheiro destacou que estamos em meio a uma guerra comercial; assim, entende que medidas restritivas podem atrapalhar os produtores a se readequarem.

“Nós estamos aqui no meio de uma guerra comercial, onde nossos exportadores estão tendo dificuldade de entrar no mercado americano. E eles poderiam fazer a opção de trocar a produção deles – 'olha, não consigo vender milho para os EUA, vou plantar soja; não estou conseguindo vender carne, vou plantar soja'”.

Ele afirmou que as opções para nosso agro são pequenas, e que áreas já ocupadas por outras plantações estão impedidas de plantar soja. “Vejo um periculum in mora”, disse, entendendo que isso pode prejudicar os produtores de não se adequarem a uma guerra comercial que pode quebrar muita gente.

Por outro lado, observou que, sendo um acordo que está em vigor há 18 anos, faz sentido dar um prazo para as empresas se adequarem.

“Vamos dar um prazo até 1º de janeiro para se cobrar o cumprimento da preventiva, porque é um tempo de eventualmente as empresas pararem com essa belicosidade, entrarem em cenário de conciliação e eventualmente se adequarem. Porém, não estou vendo clima de quem está querendo se adequar.”

Ele também afirmou não ver qualquer conflito entre a legislação ambiental e a concorrencial. “As duas estão lado a lado e têm que ser cumpridas.”

Conclusão do julgamento

O plenário, por unanimidade, não conheceu do recurso interposto pela AgroAmazônia Produtos Agropecuários AS em razão da intempestividade

Os conselheiros, por maioria, decidiram conhecer dos demais recursos e, no mérito, deram parcial provimento para suspender a eficácia da medida preventiva adotada pela superintendência-Geral até 31/12/25.

Ficaram vencidos o conselheiro relator e o presidente do Cade.

O presidente do Cade acompanhou a entrada em vigor da medida preventiva a partir de 1º de janeiro de 2026, mas por fundamentação própria.

Medida preventiva

Em agosto deste ano, a superintendência-Geral do Cade, autarquia ligada ao ministério da Justiça e Segurança Pública, determinou a suspensão preventiva da Moratória da Soja sob pena de multas pesadas, e abriu investigação contra empresas que fazem parte do acordo. 

De acordo com o órgão, a decisão é uma medida que viabilizará a investigação prática de cartel de compra por grandes tradings (empresas intermediárias) internacionais.

“É um instrumento previsto na legislação que pode ser adotado quando houver indício ou fundado receio de que as condutas investigadas causem ou possam causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou que torne ineficaz o resultado final do processo.”

Junto da suspensão, foi instaurando um inquérito administrativo de conduta anticompetitiva para investigar 30 empresas do setor, integrantes do Grupo de Trabalho da Soja.

As empresas investigadas também foram proibidas de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais ou sobre a Moratória da Soja, assim como membros não podem compartilhar relatórios listas e documentos sobre o tema.

Reação

O Brasil é o maior exportador de soja do mundo e a decisão divide os setores envolvidos nesta cadeia. Produtores de soja e indústria divergem sobre a moratória, que é defendida por ambientalistas.

De um lado, o Cade apura se o pacto, firmado por gigantes do setor, funciona como um cartel que exclui produtores. Do outro, o mercado teme que o fim da moratória derrube a imagem de sustentabilidade do grão brasileiro, essencial para as exportações.

A coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti, destacou que, sem a Moratória da Soja, existente há 19 anos e considerada um dos acordos multisetoriais mais eficazes do mundo, "abre-se caminho para a soja voltar a ser um grande vetor de desmatamento na Amazônia", o que enterraria qualquer chance de o Brasil cumprir suas metas climáticas.

Nota publicada pela WWF-Brasil afirmou que o Brasil possui vasto potencial de terras degradadas, e que não há necessidade de avançar sobre áreas de floresta.

Restrições

A Moratória da Soja já vinha sendo alvo de projetos de lei e decisões de casas legislativas de Estados como Mato Grosso, Rondônia e Maranhão, com restrições aos incentivos fiscais e outros benefícios aos que aderiram ao acordo.

Segundo a Agência Brasil, em dezembro de 2024 os ataques ao instrumento de conservação da floresta motivaram a manifestação de 66 organizações da sociedade civil em defesa da Moratória da Soja.

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