Membros da OAB, inclusive de comissões, não podem atuar perante qualquer OAB
terça-feira, 13 de maio de 2025
Atualizado em 19 de maio de 2025 14:45
A OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, munus publicum essencial à administração da Justiça e esteio do Estado Democrático de Direito, alicerça sua atuação em um robusto sistema ético, cuja observância irrestrita garante a legitimidade e a credibilidade de seus atos, inclusive e, sobretudo, em seus processos internos. Nesse cenário, o art. 33 do CED/OAB - Código de Ética e Disciplina assume protagonismo, erigindo uma barreira intransponível à atuação de seus membros em processos que tramitam perante a entidade.
A dicção do preceito normativo não deixa margem para dúvidas:
Art. 33. Salvo em causa própria, não poderá o advogado, enquanto exercer cargos ou funções em órgãos da OAB ou tiver assento, em qualquer condição, nos seus Conselhos, atuar em processos que tramitem perante a entidade nem oferecer pareceres destinados a instruí-los.
Parágrafo único. A vedação estabelecida neste artigo não se aplica aos dirigentes de seccionais quando atuem, nessa qualidade, como legitimados a recorrer nos processos em trâmite perante os órgãos da OAB.
A primeira ilação que se extrai da leitura atenta do art. 33 reside na amplitude da vedação. A expressão "perante a entidade" possui um alcance que transcende os limites da seccional em que o advogado possui assento. Compreende toda a estrutura orgânica da OAB, englobando o Conselho Federal (CFOAB), todas as seccionais e as subseções. Essa extensão é corolário lógico da necessidade de assegurar a mais absoluta imparcialidade em qualquer instância decisória da Ordem, afastando qualquer suspeita de tratamento diferenciado ou influência indevida, que poderia macular a lisura dos procedimentos.
A ratio legis que subjaz ao art. 33 é a consagração do princípio da imparcialidade como pilar fundamental da atuação da OAB. Permitir que advogados vinculados à OAB atuem em processos internos da entidade criaria um ambiente propício a conflitos de interesse e colocaria em xeque a equidade dos julgamentos. A própria percepção da advocacia e da sociedade sobre a lisura dos processos seria inevitavelmente comprometida.
Assim, da mesma forma que a vedação tem abrangência nacional para qualquer OAB, o mesmo ocorre com os cargos, sendo vedada a atuação para qualquer deles, ou seja, diretores, conselheiros, funcionários e especialmente membros das Comissões.
Nesse diapasão, a autorizada voz de Paulo Lobo ressoa com particular pertinência:
"O advogado, no exercício de qualquer função ou cargo na OAB, deve zelar pela sua dignidade e independência, pela respeitabilidade da instituição e pela valorização da advocacia."1
Embora o excerto trate de deveres gerais, a vedação imposta pelo art. 33 é uma manifestação específica da necessidade de preservar a independência e a dignidade dos membros da OAB no âmbito de seus processos internos, assegurando a respeitabilidade da instituição.
A interpretação da expressão "atuar em processos que tramitem perante a entidade" deve ser ampla, abrangendo qualquer forma de participação que possa influenciar o curso ou o resultado do feito. Isso inclui, evidentemente, atos que não sejam propriamente de peticionar, como a apresentação de memoriais, a realização de sustentação oral e qualquer outra intervenção que configure defesa de interesses. De igual modo, a proibição de "oferecer pareceres destinados a instruí-los" visa evitar que a opinião de membros com poder de influência direcione as decisões dos órgãos julgadores.
A pretensão do legislador administrativo é muito clara, o Código de Ética e Disciplinar deseja: (a) prevenir conflitos de interesse: ao impedir que membros da OAB com poder de influência atuem em processos internos, a norma busca evitar situações em que seus interesses pessoais ou de terceiros possam se sobrepor ao interesse público da Ordem e da advocacia; (b) assegurar a credibilidade da OAB: a imparcialidade nos processos internos é fundamental para manter a confiança da advocacia e da sociedade na integridade e na justiça das decisões da OAB; (c) promover a igualdade entre os advogados: a vedação também contribui para evitar que alguns advogados, em razão de seus cargos ou funções na OAB, possuam vantagens indevidas em processos disciplinares ou administrativos; (d) evitar concorrência desleal: a atuação de membros da OAB em processos internos poderia configurar uma forma de concorrência desleal, utilizando a influência e o acesso à informação para patrocinar ou angariar causas; (e) manter a independência dos membros da OAB: a norma visa proteger a independência daqueles que exercem cargos na OAB, evitando que sua atuação profissional externa possa ser influenciada por sua posição institucional ou vice-versa; e, por último, (f) preservar a dignidade da instituição: ao evitar potenciais conflitos e assegurar a imparcialidade, o artigo 33 contribui para a manutenção da dignidade e da respeitabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil.
O parágrafo único do art. 33 excepciona a regra do caput nas hipóteses em que os dirigentes das Seccionais ou do Conselho Federal têm que atuar como legitimados a recorrer nos processos em trâmite perante os órgãos da OAB, como ocorre, por exemplo, no artigo 85, §1º do Regulamento Geral da OAB2, onde se autoriza o presidente do Conselho Federal a apresentar recurso de eventual decisão ao Órgão Especial.
A mens legis dessa exceção reside na prerrogativa institucional conferida aos presidentes das seccionais de defender os interesses da advocacia e da própria OAB, exercendo o direito de recorrer em grau superior para garantir a uniformidade da jurisprudência interna e a correta aplicação das normas. Essa atuação, exercida pro institutione, não se confunde com a defesa de interesses particulares em processos disciplinares ou administrativos.
A transgressão da vedação imposta pelo art. 33 acarreta sérias implicações éticas e práticas e pode configurar graves faltas disciplinares, inclusive sujeitando o advogado à exclusão dos quadros da advocacia, a depender do modus operandi utilizado.
Assim, por exemplo, se conseguiu o cliente devido a seu cargo e lhe prometeu usar dessa influência para alterar o resultado do julgamento, tendo, de fato, atuado dessa forma, extrapolando a atuação nos autos e se utilizando de suas conexões para o próprio benefício, nos parece se tratar de caso gravíssimo, que tangenciaria a própria idoneidade do advogado, o que o sujeitaria a processo disciplinar apto à sua exclusão dos quadros da Ordem.
Para dizer o mínimo, a utilização da influência e do acesso privilegiado à informação, decorrentes do exercício de cargos ou funções na OAB para patrocinar causas perante a própria entidade, seria conduta repulsiva e vil, a ser severamente repudiada e combatida. A OAB não é lar para a corrupção, de qualquer natureza. Seria, analogamente e interna corporis conduta análoga à do crime de advocacia administrativa3 previsto no art. 321 do Código Penal.
Nada suficiente, por óbvias razões, acarretará a nulidade de todo o processo, como já decidiu o CFOAB:
Recurso 16.0000.2023.000128-7/SCA-TTU. EMENTA N. 171/2024/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Revisão de processo disciplinar. Art. 73, § 5º, EAOAB. Representação patrocinada por membro de OAB. Vedação. Integrante de Comissão à época da representação. Posterior exercício do mandato de Conselheira Seccional, sem renúncia aos poderes anteriormente outorgados. Art. 33 CED. Recurso parcialmente provido, para acolher a preliminar arguida e declarar nulo o processo disciplinar 6663/2012 desde a representação, e, em consequência, declarar prescrita a pretensão punitiva. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 3ª turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso, e, consequentemente, declarar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos do voto do Relator. (Relator: Conselheiro Federal Jader Kahwage David (PA). DEOAB, a. 6, n. 1448, 27.09.2024, p. 41).
Em conclusão, a imperatividade do art. 33 do Código de Ética e Disciplina da OAB é um pressuposto inarredável para a manutenção da integridade e da credibilidade do sistema OAB em sua totalidade.
A vedação imposta aos advogados que exercem cargos ou funções em qualquer órgão de todo o sistema OAB para nele atuar visa assegurar a mais absoluta imparcialidade nos processos internos, afastando qualquer possibilidade de influência indevida e garantindo a isonomia entre os membros da advocacia.
A observância estrita desta norma não apenas fortalece a ética profissional, mas também coíbe práticas de concorrência desleal, preservando a confiança da classe e da sociedade na Ordem dos Advogados do Brasil.
*Fale com o advogado e envie suas dúvidas e temas que gostaria de ver por aqui ou pelo Instagram @antonioalbertocerqueira
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1 LOBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2023, p. 85.
2 § 1º Os recursos ao Órgão Especial podem ser manifestados pelo Presidente do Conselho Federal, pelas partes ou pelos recorrentes originários.
3 Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.