A dialeticidade no recurso do art. 75 da lei 8.906/1994 para o Conselho Federal da OAB - Parte 1
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado em 23 de julho de 2025 11:08
A dialeticidade é um requisito essencial a qualquer recurso, porque trata da própria essência da impugnação.
O princípio da dialeticidade é, assim, um dos pilares do sistema recursal brasileiro, estabelecendo como dever do recorrente combater os fundamentos da decisão recorrida, ou seja, o recurso a ser manejado deve conter argumentos que venham a demonstrar as incorreções da decisão, assim como as razões para o pedido de invalidação ou reforma.
É dizer que a essência da dialeticidade enquanto requisito recursal reside na ideia de que o recurso não pode ser uma mera manifestação de inconformismo genérico ou a repetição de argumentos já expostos e rechaçados, mas sim um diálogo crítico e construtivo com a decisão recorrida.
É abertamente aplicado pelo processo civil, conforme ensina o prof. Arruda Alvim:
"Pelo princípio da dialeticidade, o recurso deverá ser sempre arrazoado, de forma que o recorrente expresse o porquê da necessidade de reforma da decisão. Só assim poderá o recorrido responder ao recurso, prestigiando-se o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Em realidade, a dialética não se afere entre afirmações conclusivas, senão que ganha legitimidade tendo em vista os motivos, fundamentos e razões dessas afirmações."1
A súmula 182 do STJ declara:
"É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada"
Esse requisito é formalmente exigido no processo ético-disciplinar do sistema OAB.
À primeira vista, tal exigência pode confundir-se com um mecanismo processual para cercear o acesso ao Conselho Federal da OAB, como seria, analogamente, a súmula 7 do STJ para o conhecimento do recurso especial, todavia, tal entendimento é infundado.
Na verdade, a exigência da dialeticidade no recurso do sistema OAB se revela como verdadeiro sustentáculo do devido processo legal, pois uma vez julgado o processo disciplinar, é obrigatório que o recurso demonstre à instância ad quem o error da decisão guerreada, haja vista ser essa a forma de tornar possível a fundamentação do pedido de reforma.
Com efeito, o art. 75 da lei Federal 8.906/1994 prevê:
Art. 75. Cabe recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho Seccional, quando não tenham sido unânimes ou, sendo unânimes, contrariem esta lei, decisão do Conselho Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos.
Parágrafo único. Além dos interessados, o presidente do Conselho Seccional é legitimado a interpor o recurso referido neste artigo.
A norma legal não deixa margem para dúvida quanto à necessidade de preenchimento de requisitos legais para o manejo do recurso ao Conselho Federal, exigindo que em caso de decisões unânimes, o recurso só será viável caso o acórdão venha a contrariar o EAOAB, decisões dos Conselhos Seccionais ou do Conselho Federal ou normativos do sistema OAB, como é o caso do Código de Ética e Disciplina, por exemplo.
Esse entendimento é corroborado pelo regulamento geral da OAB, em seu art. 89-A, § 3º que repete ipsis litteris a exigência da lei, estabelecendo, contudo, a competência da 2ª Câmara para o julgamento:
§ 3º Das decisões das turmas caberá recurso para o pleno da 2ª Câmara quando não tenham sido unânimes ou, sendo unânimes, contrariem a Constituição, as leis, o Estatuto, decisões do Conselho Federal, este regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina ou os provimentos.
Em ambos os casos fica clara a exigência da dialeticidade no recurso, haja vista que para demonstrar a contrariedade da decisão atacada pelo recurso à "Constituição, as leis, o Estatuto, decisões do Conselho Federal, este regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina ou os provimentos", exsurge nítida a necessidade de estabelecimento de correlação do conteúdo da decisão com as potenciais máculas normativas que o recurso atestará tenham ocorrido.
Para essa direção aponta a jurisprudência do Conselho Federal que tem se consolidado de modo inequívoco nesse sentido.
No recurso 25.0000.2022.000587-7/SCA, relatado pelo conselheiro Federal Eduardo de Mello e Souza, a 2ª Câmara, por unanimidade, não conheceu do recurso porque o recorrente limitou-se a reiterar as mesmas teses defensivas já apresentadas no recurso anterior, sem oferecer impugnação específica aos fundamentos do acórdão prolatado pelo Conselho Seccional de São Paulo. O acórdão recorrido permaneceu, assim, incólume, pois não foi possível sequer abrir a instância revisional ante a ausência do pressuposto dialético mínimo:
Recurso ao Pleno da Segunda Câmara. Art. 89-A, § 3º, do regulamento geral. Ausência de demonstração de contrariedade do acórdão recorrido à Constituição, às leis, ao Estatuto da Advocacia e da OAB, a decisões deste Conselho Federal, ao regulamento geral, ao Código de Ética e Disciplina ou aos provimentos. Pretensão ao reexame do mérito do acórdão recorrido. Reiteração das mesmas teses defensivas do recurso anterior, sem impugnação específica aos fundamentos do acórdão recorrido, em clara violação à dialeticidade recursal. Ausência dos pressupostos de admissibilidade. Recurso não conhecido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do regulamento geral, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto do relator. Impedido de votar o representante da OAB/São Paulo. Brasília, 8/4/25. Christina Cordeiro dos Santos, presidente. Eduardo de Mello e Souza, Relator. (Recurso 25.0000.2022.000587-7/SCA. EMENTA 026/25/SCA. Relator: conselheiro Federal Eduardo de Mello e Souza (SC) DEOAB, a. 7, n. 1597, 05.05.2025, p. 4)
Da mesma forma, o recurso 25.0000.2022.000589-3/SCA, relatado pela conselheira Federal Amanda Lima Figueiredo, trilhou idêntico caminho. O recurso ali manejado buscava, em verdade, o reexame do mérito das conclusões alcançadas pelo acórdão da turma da 2ª Câmara, sem demonstrar qualquer contrariedade aos dispositivos normativos que balizam o exercício ético da advocacia. A simples repetição dos argumentos já vencidos não constitui dialeticidade; antes, revela tentativa de revolvimento fático-probatório vedado nessa instância recursal. Como bem ressaltou a relatora, o recurso não pode servir de sucedâneo para rediscussão da matéria, mormente quando despido de enfrentamento concreto das razões de decidir.
Recurso ao pleno da 2ª Câmara. Acórdão unânime de turma da 2ª Câmara. Art. 89-A, § 3º, do regulamento geral. Ausência de demonstração de contrariedade do acórdão recorrido à Constituição, às leis, ao Estatuto da Advocacia e da OAB, a decisões deste Conselho Federal, ao regulamento geral, ao Código de Ética e Disciplina ou aos provimentos. Reiteração das mesmas teses defensivas do recurso anterior, sem impugnação específica aos fundamentos do acórdão recorrido. Impossibilidade. Recurso ao Conselho Federal da OAB não conhecido, a seu turno, por ausência dos pressupostos de admissibilidade do art. 75 do Estatuto da Advocacia e da OAB. Pretensão recursal destinada ao reexame de matéria fática e probatória. Recurso não conhecido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 2ª Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em não conhecer do recurso, nos termos do voto da Relatora. Impedido de votar o Representante da OAB/São Paulo. Brasília, 8/4/25. Christina Cordeiro dos Santos, Presidente. Amanda Lima Figueiredo, Relatora. (Recurso 25.0000.2022.000589-3/SCA. EMENTA 027/25/SCA. Relatora: conselheira Federal Amanda Lima Figueiredo (AP). DEOAB, a. 7, n. 1597, 05.05.2025, p. 4)
(Continua na parte 2...)
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1 ALVIM, Eduardo Arruda, Daniel William Granado e Eduardo Aranha Ferreira. Direito Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág.