Os princípios do CDC e os direitos básicos do consumidor: A inversão do ônus da prova - 15ª parte - Parte III
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Atualizado em 2 de abril de 2025 14:53
Vimos que dispõe o inciso VIII do citado art. 6º o seguinte:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;"
Eu terminei o artigo anterior afirmando que há alguma disputa em torno do momento processual no qual o magistrado deverá decidir a respeito da inversão do ônus da prova, mas, em nossa opinião, como se verá, esta é fruto de falta de rigorismo lógico e teleológico do sistema processual instaurado pela lei 8.078 e ainda resquícios da memória privatista do regime do processo civil tradicional.
Com efeito, os que entendem que o momento de aplicação da regra de inversão do ônus da prova é o do julgamento da causa alinham o pensamento com a distribuição do ônus da prova do art. 373 do CPC e não com aquela instituída no CDC.
As partes que litigam no âmbito do processo civil, fora da relação de consumo, têm clareza da distribuição do ônus. Ou, melhor dizendo, os advogados das partes sabem de antemão a quem compete o ônus da produção da prova. Leiamos o art. 373 da lei adjetiva:
"Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."
É, portanto, distribuição legal do ônus que se faz, sem sombra de dúvida. Naturalmente, nessas hipóteses não precisa o(a) juiz(a) fazer qualquer declaração a respeito da distribuição do gravame. Basta levá-lo em consideração no momento de julgar a demanda. Não haverá qualquer surpresa para as partes, porquanto elas sempre souberam a quem competia a desincumbência da produção da prova1.
Ora, não é essa certeza que se verifica no sistema da lei consumerista. Não teríamos dúvida em afirmar que nas relações de consumo o momento seria o mesmo se a Lei n. 8.078 dissesse: "está invertido o ônus da prova". Aliás, como fez na hipótese do art. 382.
Mas acontece que não é isso o que determina o CDC: a inversão não é automática.
Como vimos antes, a inversão se dá por decisão do(a) juiz(a) diante de alternativas postas pela norma: ele/ela inverterá o ônus se for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor (Ou, obviamente, se ocorrerem as duas situações simultaneamente).
É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem verossímeis as alegações nem hipossuficiente o consumidor.
No artigo anterior, apontei que verossimilhança é conceito jurídico indeterminado. Depende de avaliação objetiva do caso concreto e da aplicação de regras e máximas da experiência para o pronunciamento.
Logo, o raciocínio é de lógica básica: é preciso que o(a) juiz(a) se manifeste no processo para se saber se o elemento da verossimilhança está presente.
Da mesma maneira, a hipossuficiência depende de reconhecimento expresso do(da) magistrado(a) no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e de informação capaz de gerar a inversão tem de estar colocado no feito sub judice. São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência (que, como regra geral atinge a maior parte dos consumidores). Pode muito bem ser caso de um consumidor engenheiro que tinha claras condições de conhecer o funcionamento do produto, de modo a ilidir sua presumida hipossuficiência. Como pode também ser um engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua hipossuficiência.
Então, novamente o raciocínio é de singela lógica: é preciso que o(a) juiz(a) se manifeste no processo para se saber se a hipossuficiência está reconhecida.
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1 É verdade que o CPC atual mitigou essa situação da distribuição do ônus, conferindo ao juiz alternativa diversa, desde que fundamentada e que a determinação não seja impossível ou excessivamente difícil. Está prevista nos §§ 1º e 2º do art. 373, nesses termos:
"§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil."
2 "Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina." Veja-se que aqui a distribuição do ônus já foi feita ao patrocinador da publicidade. O(a) juiz(a), então, apenas a levará em conta quando proferir a sentença.