A qualidade e segurança dos produtos e serviços - 1ª parte
quinta-feira, 10 de abril de 2025
Atualizado às 07:36
Os arts. 8º, 9º e 10 do CDC cuidam da proteção à saúde e segurança do consumidor. Começo examinando o artigo 8º.
Com efeito, dispõe o caput do art. 8º, verbis:
"Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito".
A afirmativa do início da proposição do caput do art. 8º ("os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores") somente pode ser entendida se lida em consonância com a segunda proposição ("exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição"). Só da interpretação das duas proposições em conjunto é que se poderá extrair a essência normativa do caput do art. 8º.
Se assim não fosse, não haveria como permitir a venda, por exemplo, de cigarros, já que ninguém em nenhum lugar do mundo civilizado poderia aceitar que fumar não traz ao menos riscos à saúde.
Surge, então, de consequência, a necessidade de fixar adequadamente o sentido da segunda proposição. Que vem a ser "risco normal e previsível em função da natureza e fruição do produto ou serviço"?
A norma está, de fato, tratando de expectativa. Uma espécie de expectativa tanto do consumidor em relação ao uso e consumo regular de algum produto ou serviço quanto do fornecedor em relação ao mesmo aspecto.
A lei aqui se refere à normalidade e previsibilidade do consumidor em relação ao uso e funcionamento rotineiro do produto ou serviço. Assim, por exemplo, do ponto de vista da segurança, um liquidificador apresenta riscos na sua utilização. Não se pode, evidentemente, colocar a mão dentro do copo com o aparelho ligado. Quando afirmamos "evidentemente" estamos justamente querendo realçar esse aspecto do uso e funcionamento normal do produto. Trata-se de expectativa regular do consumidor, que detém o conhecimento sobre o regular uso daquele produto.
Agora, do ponto de vista da realidade concreta, será possível encontrar algum consumidor que realmente não conheça o regular funcionamento do liquidificador. Pode tanto ser uma pessoa sem qualquer grau de instrução e informação quanto uma criança consumidora. Só que esse desconhecimento concreto não invalida o sentido da norma, que está, como dito, posta para controlar o funcionamento normal, dentro da expectativa-padrão do consumidor.
Além disso, é de destacar que a regra legal, ao referir a expectativa do consumidor, está supondo o grau de conhecimento-padrão existente no mercado. Esse conhecimento é tanto o usual, adquirido no senso comum, quanto o formal, adquirido nos cursos de formação. Por exemplo, um automóvel sempre apresenta riscos à segurança. A norma não vai supor que quem adquire um veículo não saiba utilizá-lo regularmente. O controle do uso regular dos veículos automotores, inclusive, é das autoridades competentes para o setor.
Esses aspectos normativos relativos ao consumidor e seu conhecimento-padrão do uso e funcionamento regular dos produtos e serviços vão refletir-se na terceira parte da redação do caput do artigo, que diz: "obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito".
Já tive oportunidade de demonstrar que a informação passou a ser elemento inerente ao produto e ao serviço, bem como a maneira como deve ser fornecida. Repita-se que toda informação tem de ser correta, clara, precisa, ostensiva e no vernáculo. No art. 8º o dever de informar do fornecedor está relacionado ao aspecto do risco à saúde e segurança do consumidor, e, como estou dizendo, tal obrigatoriedade, no caso, está intimamente relacionada ao núcleo da norma. Isto é, o fornecedor deve dar informações sobre os riscos que não são normais e previsíveis em decorrência da natureza e fruição dos produtos e dos serviços.
Tomemos o caso da faca de cozinha e do automóvel, já citado, para ilustrar com exemplos. Será que no caso de uma faca de cozinha o fornecedor tem de informar que o consumidor não pode friccioná-la na mão com o lado que corta? Se não der tal informação e um consumidor se acidentar, cortando os dedos, será o fornecedor responsabilizado?
A resposta a essas questões está atrelada ao que já expus até aqui. Desde que o risco do uso e funcionamento do produto e do serviço seja do conhecimento-padrão do consumidor, isto é, seja normal e previsível, o fornecedor não precisa dar a informação.
Logo, no caso da faca não é necessário que o fornecedor diga que o consumidor não deve experimentar a força do corte no próprio corpo1 . Havendo acidente desse tipo, a responsabilidade é exclusiva do consumidor.
Por outro lado, diga-se que, se o produto que está sendo vendido é novo e desconhecido do consumidor, o fornecedor tem de, exaustivamente, apresentar todas as informações quanto aos riscos à saúde e segurança daquele. Se uma industria cria e produz, por exemplo, um triturador, cujo manuseio não é, ainda, do conhecimento-padrão do consumidor, tem de dar-lhe informações corretas, claras, ostensivas e suficientes, visando esclarecer todos os riscos inerentes à utilização do produto.
No outro exemplo mencionado, do automóvel, existe uma série de dados relativos aos riscos para a utilização que não necessitam ser fornecidos, porque já são do conhecimento do consumidor. Não precisa o fabricante informar que para o veículo ser frenado o condutor tem de pisar no breque, nem que para virar o veículo a direção tem de ser acionada etc.
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1 Não se trata apenas de informação no caso do uso da faca, mas de conhecimento leigo regular: todos sabem que ela corta.