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A qualidade e segurança dos produtos e serviços - 3ª parte

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Atualizado em 23 de abril de 2025 14:25

Continuo a análise dos arts. 8º, 9º e 10 do CDC, que cuidam da proteção à saúde e segurança do consumidor. 

Vejamos agora a redação do art. 9º para poder complementar nossa análise. Dispõe o art. 9º:

"O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto".

Surge aqui com o art. 9º o problema da definição do que seja produto ou serviço "potencialmente nocivo ou perigoso à saúde ou segurança" do consumidor.

A lei permite que produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança do consumidor sejam produzidos e comercializados. O problema é que o art. 10 proíbe a venda dos produtos e serviços que apresentem alto grau de nocividade e periculosidade:

"Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança."

Logo, a permissão legal está estabelecida entre o que seja potencialmente e o que se apresenta com alto grau de nocividade e periculosidade.

O texto da norma é vago. Usando essa terminologia, jogou para a discussão de casos concretos o exame da nocividade e periculosidade. Para entender o estabelecido pelas letras da norma, é necessário recorrer aos estudos da linguagem jurídica. Nossa escolha nesse assunto recai sobre Genaro Carrió, que apresenta aspectos de linguagem que nos interessam1A proposição normativa tanto do art. 9º quanto do art. 10 é formada por conceitos vagos, que, por conta disso, situam-se na chamada "zona de penumbra". Os termos que têm essa característica dependem do contexto linguístico ou pragmático para terem sanadas suas indeterminações. Assim, por exemplo, o termo "calvo" ou "careca". Se alguém não tem cabelo nenhum é, com certeza, calvo ou careca. Se tem muito cabelo, por certo não é. Mas, quando está começando a perder cabelo ou já perdeu bastante mas ainda mantém muitos fios na cabeça, é ou não calvo?

Sabe-se que o direito se utiliza dessas indeterminações quando lança mão, como faz, por exemplo, no direito penal, do conceito de "noite", bem como luta contra elas, quando, por exemplo, define limites: de idade para a maioridade; de velocidade nas estradas; de tempo para os recursos etc. No caso presente, o tratamento linguístico de potencialidade da nocividade e periculosidade volta-se, então, ao regime normativo, que impõe restrições e condutas aos fornecedores no caso de produtos e serviços potencialmente nocivos e perigosos, determinando que informações especiais, além das regularmente exigidas, sejam fornecidas.

Elimine-se uma outra dúvida que poderia surgir em função do estabelecido no caput do art. 10. É que a redação pode levar o leitor a pensar em culpa, uma vez que está escrito "sabe ou deveria saber". Se o fornecedor sabe que o produto ou serviço apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade e ainda assim o coloca no mercado, age, então, com dolo. Se devia saber é porque agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Essa designação vale apenas para fins penais e tem relação com o tipo do art. 64 do CDC2.Qualquer problema relativo à nocividade ou periculosidade dos produtos e serviços oferecidos ao consumidor, quer seja no que tange a vícios, quer diga respeito a defeito, resolve-se com base na responsabilidade objetiva do fornecedor. Culpa não interessa aos aspectos civis das relações de consumo, com a única exceção da hipótese do § 4º do art. 14 que cuida da responsabilidade do profissional liberal.

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1  No livro Notas sobre derecho y lenguage. (2ª. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, s.d.). O problema da indeterminação dos conceitos utilizados pelas normas não é privilégio do CDC, e mesmo neste não é questão que apareça só nos artigos ora em análise. Poder-se-ia falar na "vagueza" dos conceitos em vários momentos. Contudo, nos outros pontos da lei consumerista há alternativas linguísticas que, arranjadas em argumentos, resolvem os problemas. Nos arts. 9º e 10 a situação é mais grave. Por isso tive que lançar mão desse recurso de análise dos problemas linguísticos para melhor produzir a interpretação dos textos. 

2 Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:

Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.