Os vícios dos produtos - Primeira parte
quinta-feira, 26 de junho de 2025
Atualizado em 25 de junho de 2025 11:53
O CDC (lei 8.078/1990) regulou os vícios dos produtos, que são tratados nos arts. 18 e 19.
Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. O uso da expressão "vício aparente ou de fácil constatação" está no caput do art. 26, que, como o próprio nome diz, é aquele que aparece no singelo uso e consumo do produto (ou serviço).
Os vícios ocultos são aqueles que só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária.
A primeira observação a ser feita diz respeito aos sujeitos da oração da proposição do caput do art. 18. A norma diz: "Os fornecedores". Utiliza-se, assim, de termo genérico, ao contrário do que consta, por exemplo, do caput do art. 12, em que aparecem espécies.
Lembramos que o termo "fornecedor" é o gênero daqueles que desenvolvem atividades no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a "fornecedor" está envolvendo todos os participantes que desenvolvem atividades, sem qualquer distinção.
E esses fornecedores respondem solidariamente. (Aliás, lembre-se: essa é a regra da responsabilidade no CDC)
Dessa maneira, a norma do caput do art. 18 coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo seus direitos.
Vejamos o seguinte exemplo: uma consumidora e um consumidor comparecem no mesmo momento a uma loja de departamentos para adquirir um liquidificador. Após escolherem, resolvem comprar o mesmo produto, da mesma marca e modelo; ambas as unidades saíram da fábrica na mesma série de fabricação.
Os dois vão para suas casas, cada um com seu liquidificador. Cada um, em sua residência, resolve utilizar o produto. Ele pretende fazer um bolo. Ela, um suco. Retiram o aparelho da caixa, passam uma água e preparam-se para acioná-lo.
Ele pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira e uma das pás de liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e entra na barriga do consumidor. Ele tem de ser hospitalizado e por pouco não morre.
Ela, por sua vez, pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira, e uma das pás de liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e cai no chão, sem atingi-la.1
No primeiro caso, ele sofreu acidente de consumo. É defeito. No segundo, ela nada sofreu. Apenas o liquidificador deixou de funcionar. É vício.
Utilizando-se desse exemplo, teremos que, no caso do consumidor que foi ferido, ele deverá acionar o fabricante do liquidificador para pleitear indenização pelos danos materiais e morais sofridos2. E a consumidora poderá pedir a troca do aparelho viciado por outro idêntico, mas funcionando adequadamente3: a) na loja onde ela o adquiriu; ou b) diretamente do fabricante.
Na sequência, um equívoco voltado para a especificidade do conteúdo do próprio art. 18. A norma diz: os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente "pelos vícios de qualidade ou quantidade".
Acontece que o art. 18, caput, e seus seis parágrafos cuidam apenas de vícios de qualidade. Os vícios de quantidade estão regulados no art. 19. Assim, ficou esse termo inútil colocado no caput do art. 18.
A norma reafirma a solidariedade ao colocar que "os fornecedores"... "respondem solidariamente". Algo bem claro: todos os fornecedores são solidariamente responsáveis pelos vícios (e pelos defeitos, na medida de suas participações).
Na sequência da proposição é que a norma propriamente especifica aquilo que entende por vício de qualidade. Diz ela que são vícios de qualidade aqueles que tornem os produtos "impróprios ou inadequados ao consumo e que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária..." (art. 18, caput). Esse tema avaliaremos no próximo artigo.
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1 O exemplo é exagerado apenas no intuito de reforçar as diferenças. Tecnicamente falando, deve ser impossível acontecer acidente com liquidificador da maneira como foi relatado.
2 Por força do estabelecido no caput do art. 12 do CDC.
3 As hipóteses de acionamento por vício serão examinadas mais a frente. A troca do produto, no caso, nasce da combinação do § 1º com o § 3º, ambos do art. 18.