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Os vícios dos produtos - 3ª parte

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Atualizado em 9 de julho de 2025 13:54

Continuo a análise dos vícios dos produtos tratados pelo CDC (lei 8078/1990).

Vejamos, agora, o que está estabelecido no § 6º do art. 18, porque o legislador lá inseriu aquilo que entendia impróprio para o consumo e introduziu outro substantivo: "uso":

"Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

(...)

 § 6° São impróprios ao uso e consumo:

        I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

        II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

        III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam."

A redação do § 6º corrigiu uma falha do caput, que apenas utiliza o substantivo "consumo". Colocou também o "uso", embora seja possível considerar um inserido noutro. Em outras palavras, se a norma não o fizesse seria possível dizer que "uso" é uma espécie de consumo, já que tudo é consumo e alguns produtos se usam. Mas, como a lei distinguiu, também trabalharemos com os dois conceitos. Comecemos, então, nesse ponto. A norma fala em uso e consumo.

Consumo diz respeito aos produtos consumíveis, que se extinguem na medida em que vão sendo utilizados: produtos alimentícios, de higiene e limpeza, cosméticos etc. Uso diz respeito aos produtos que não se extinguem enquanto vão sendo utilizados. Eles apenas se desgastam: veículos, casas, eletrodomésticos, roupas, sapatos etc.

As hipóteses previstas nos três incisos do § 6º são exemplificativas e seus três incisos merecem exame, o que vai na sequência.

O inciso I, apesar da clareza, merece uma consideração. O prazo de validade dos produtos é garantia de dupla face:

a) Garante ao consumidor que o produto até a data marcada encontra-se em condições adequadas de consumo;

b) Garante o fabricante, produtor, importador ou comerciante que, após a data marcada, o risco do consumo do produto é do consumidor.

Mas, de fato, é possível que o produto esteja estragado dentro do prazo de validade, como também é natural que no dia seguinte ao último dia do prazo de validade ele possa não estar. No primeiro caso, o consumidor está garantido; no outro, não.

Decorre, ainda, da leitura desse inciso a proibição da comercialização de produtos fora do prazo. Aliás, a introdução do CDC no mercado brasileiro trouxe rapidamente a informação do prazo de validade para as embalagens e possibilitou a queda de preços dos produtos que estão próximos do último dia desse prazo - prática bastante comum nos supermercados.

Quanto ao inciso II, é abrangente e claro no que pretende. Todavia, o adjetivo "alterado" não está bem colocado, porque não se entende o que ele quer dizer. A alteração proibida é aquela que apenas gere vício, o que independe do uso do termo, já que vício está mais do que explicitado. Há vários produtos que, inclusive, precisam ser alterados para serem vendidos: milk-shakes, sucos, sanduíches etc.

O restante da redação do inciso fala de impropriedade por discordância com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação, o que está em consonância com o estabelecido no caput do art. 7º, bem como com o estabelecido no inciso VIII do art. 39.

Por fim, o inciso III, conforme já dissemos, designa como vício todo e qualquer motivo que faça o produto tornar-se inadequado ao fim a que se destina, o que garante o caráter exemplificado dos casos apontados no § 6º e na própria norma do art. 18.

A redação do caput do art. 18 permite ainda outra avaliação. É a relativa à parte da oração que diz: "respeitadas as variações decorrentes de sua natureza...".

A norma pretende salvaguardar certas alterações e até deteriorações que não cheguem a se tornar impropriedades, mas que afetam alguns produtos. Devido à natureza específica desses produtos, a modificação é inexorável, e fez bem a lei em resguardá-los, evitando a confusão dessa alteração com vício.

A norma, contudo, deveria estar repetida também no art. 19, já que há produtos que sofrem variação na massa, modificando a quantidade. De qualquer forma, valerá por força de interpretação sistemática a regra também para o caso de salvaguarda da alteração da quantidade.

Como exemplo de alteração na qualidade, sem sua transformação em vício, isto é, respeitando a variação decorrente da natureza do produto, tem-se a da tinta colocada na parede que escurece ou clareia, as folhas de alface que perdem o frescor, murchando, e todos os alimentos in natura que sofrem essas variações naturais etc.

Note-se, porém, que variações decorrentes de sua própria natureza não são alterações decorrentes do uso. Por exemplo, a faca perde o corte com o uso; o pneu desgasta; etc. São casos de variações decorrentes do desgaste que também não tornam o produto viciado, dentro do normal e previsível para aquele produto. Uma calça pode, com o tempo, ficar desgastada de tanto ser usada ou lavada. Isso é normal e não a transforma em viciada, mas, se encolher na primeira lavada, é vício.

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Continua na próxima semana.