Os vícios dos produtos - 5ª parte
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado às 07:26
Continuo a análise dos vícios dos produtos tratados pelo CDC (lei 8078/1990).
Vejamos, agora, a questão do prazo de garantia.
Há uma importante questão ligada ao direito de ter o vício sanado que en passant já comentamos nos artigos anteriores: a do prazo que tem o consumidor para procurar o fornecedor requerendo o conserto. Esse assunto é o relativo à garantia do produto. O direito ao pleito do saneamento do vício somente existe dentro do prazo de garantia. Se, por exemplo, um veículo, depois do uso por três anos consecutivos, tendo rodado 70 mil km e estando, assim, fora de todos os prazos de garantia (legal e/ou contratual), tiver uma pane mecânica, não se trata de vício, mas de problema que o consumidor terá de resolver por conta própria.
Com isso, pode parecer, à primeira vista, que os vícios ocorrem apenas nos produtos novos. Mas não. Não é o fato de ser novo ou usado que garante o direito ao saneamento do vício, mas sim o vício em si e a data da comercialização.
Dessa forma, existirá produto usado com vício sempre que o prazo de garantia não tenha expirado. Da mesma maneira haverá produto usado com vício oculto, cujo prazo de reclamação, por isso, nem sequer se iniciou.
Além disso, há a comercialização de produtos usados. Neste caso, o comerciante pode oferecer prazo de garantia contratual. Porém, se não o fizer, ainda assim resta o prazo da garantia legal previsto no art. 26, de modo que nenhum produto comercializado, seja novo, seja usado, deixa de ter prazo de garantia, ainda que no mínimo legal. Por exemplo: o comerciante que vende veículos usados, quer queira, quer não, garante o funcionamento adequado destes por 90 dias. Isso pelo idêntico motivo de a lei conferir garantia aos produtos novos: o consumidor entrega seu dinheiro, portanto tem de receber o produto funcionando.
Claro que se está falando de vício autêntico e não de problemas com desgaste. É evidente que um veículo usado pode ser vendido com pneu desgastado, lonas dos freios gastas, motor consumindo mais óleo do que quando está novo etc., sem que isso possa ser considerado vício. E, ainda, que o desgaste do pneu gere a necessidade de sua troca num prazo, digamos, de 60 dias. O vício terá de ser daqueles que não decorram do desgaste. Por exemplo, 3 dias após a aquisição do veículo usado, o motor funde. Assim, a partir do CDC, aquela famosa expressão inserida nos documentos de venda de veículos usados (recibos e/ou notas fiscais), "veículo vendido 'no estado' ", tem de ser interpretada segundo as circunstâncias retromencionadas e que conformam o contrato de venda e compra do veículo.
Passemos agora ao exame dos incisos I, II e III do §1º do art. 18, em função do contido na segunda parte de sua redação:
"§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço".
Se o problema não for sanado no prazo de 30 dias, o consumidor passa a ter direito a executar certas alternativas que a norma garante.
Proibição de oposição
Não pode o fornecedor se opor à escolha pelo consumidor das alternativas postas. É fato que ele, o fornecedor, tem 30 dias. E, sendo longo ou não, dentro desse tempo, a única coisa que o consumidor pode fazer é sofrer e esperar. Porém, superado o prazo sem que o vício tenha sido sanado, o consumidor adquire, no dia seguinte, integralmente, as prerrogativas do § 1º ora em comento.
E, como diz a norma, cabe a escolha das alternativas ao consumidor. Este pode optar por um delas, sem ter de apresentar qualquer justificativa ou fundamento. Basta a manifestação da vontade, apenas sua exteriorização objetiva. É um querer pelo simples querer manifestado.
Substituição do produto
A primeira alternativa à disposição do consumidor (a do inciso I) é a da substituição do produto por outro da mesma espécie, obviamente em perfeitas condições de uso. A norma disse menos do que devia, necessitando ser, então, interpretada extensivamente. É que a redação do inciso I diz: "substituição do produto por outro da mesma 'espécie'...". O certo seria dizer "mesma espécie, marca e modelo". Essa é a intenção da norma, tanto que, ao tratar de outra alternativa dada ao consumidor, quando ele não pode obter o mesmo tipo de produto, o CDC fala em "espécie, marca ou modelo".
A par disso não poderia a alternativa colocada no inciso I ser entendida de outra forma, pois, se assim fosse, o consumidor, por absurdo, poderia exigir a troca de uma TV de 20 polegadas de uma marca de reconhecida menor qualidade (espécie) por outra de 29 polegadas de marca de melhor qualidade (mesma espécie, mas com marca e modelo diferentes).
Assim, a alternativa do inciso I deve ser lida como: "substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo, em perfeitas condições de uso".
A lei dá ao consumidor uma alternativa e gostaríamos de lembrar: é preciso que o consumidor avalie se a saída é boa, já que será o mesmo produto, que pode vir a apresentar novamente o mesmo vício. E se o novo produto também apresentar vício, começará tudo de novo, com a devolução do prazo de 30 dias para o fornecedor sanar o vício. É que a hipótese do inciso I implica o desfazimento da entrega do produto com efeito ex tunc. Retorna-se ao início da relação. Os prazos para ambos os lados começam a fluir novamente, como se a operação anterior não existisse. A única ação inexistente é a de pagamento do preço e a emissão de notas fiscais de venda e compra (a nota fiscal será de troca). O risco da escolha, de qualquer maneira, é do consumidor, como se estivesse agora adquirindo o produto novo.
+ + +
Continua na próxima semana.