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Os vícios dos serviços - 1ª parte

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Atualizado em 20 de agosto de 2025 10:48

Hoje começo a análise dos vícios dos serviços regulados no CDC (lei 8078/1990).

Vícios de qualidade e também de quantidade

Na seção III do capítulo IV do título I, ao tratar da responsabilidade pelos vícios, o CDC colocou a questão do vício de qualidade do produto no art. 18 e a do vício de quantidade do produto no art. 19.

Para os serviços, reservou apenas o art. 20 e regulou somente os vícios de qualidade, como se não pudessem existir vícios de quantidade dos serviços. Mas se enganou, porque há sim vícios de quantidade de serviço, conforme demonstrarei.

Logo, a primeira observação é a de que se deve fazer uma interpretação extensiva do caput do art. 19 para incluir, nas salvaguardas que ele pretende estabelecer, o vício de quantidade do serviço. E, uma vez incluído o vício de quantidade do serviço no sistema protecionista, tudo o mais que se aproveitar da norma também valerá para essa outra proteção que se dá ao consumidor.

Antes de prosseguir, leiamos  os arts. 19 e 20 do CDC:

"Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - o abatimento proporcional do preço;

II - complementação do peso ou medida;

III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;

IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

§ 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do art. anterior.

§ 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade."

Quem é o responsável

Primeira observação a ser feita é a do sujeito da oração: "o fornecedor".

Ao contrário do estabelecido nos arts. 18 e 19, nos quais aparecem como sujeitos os "fornecedores", assim no plural, aqui no art. 20 há designação do termo no singular: "fornecedor". Dessa forma, o melhor entendimento é o de que a lei se refere ao fornecedor direto dos serviços prestados.

E isso é adequado, na medida em que o serviço é sempre prestado diretamente ao consumidor por alguém. E é essa pessoa, quer seja física quer seja jurídica, a responsável. Claro que, se for pessoa jurídica, o fato concreto de prestação será feito por pessoa física, mas haverá casos em que o serviço poderá ser realizado diretamente por instrumentos, como acontece, por exemplo, nos caixas eletrônicos dos bancos, nos lançamentos de contas em geral efetivados automaticamente por computador, celular etc.

Solidariedade

Ainda que a norma esteja tratando do fornecedor direto, isso não elide a responsabilidade dos demais que indiretamente tenham participado da relação. Não só porque há normas expressas nesse sentido (art. 34 e §§ 1º e 2º do art. 25), mas também e em especial pela necessária e legal solidariedade existente entre todos os partícipes do ciclo de produção que geraram o dano (cf. o parágrafo único do art. 7º), e, ainda mais, pelo fato de que, dependendo do tipo de serviço prestado, o fornecedor se utiliza necessariamente de serviços e produtos de terceiros (Como, aliás, é regra geral da produção. Alguns fornecedores podem prestar serviço sem intervenção de terceiro, como, por exemplo, o profissional liberal quando dá algum conselho, o médico dando uma receita, o advogado indicando um comportamento ou fazendo um contrato etc.)

Por exemplo, o instalador de carpetes que usa cola, o banco que se utiliza do correio para enviar cartões de débito e crédito, o funileiro que pinta o carro com certa tinta etc. Pode ocorrer em qualquer desses casos que o vício acabe decorrendo não diretamente do serviço prestado, mas do produto utilizado  e elaborado por terceiro (no exemplo do funileiro, a tinta que desbota), ou do serviço utilizado prestado por terceiro (no exemplo do banco, o correio que faz a entrega em local errado).

Logo, o importante é consignar desde já o que se deve entender por serviço prestado: é aquele feito de conformidade com a oferta e cujo desenvolvimento esteja adequado e do qual advenha resultado útil, da maneira prometida, e que se tenha estabelecido pelo prestador, quer ele o faça diretamente (como no exemplo do profissional liberal), quer se utilize de produto ou serviço de terceiros.

Insistamos um pouco mais nesse ponto para deixar clara essa responsabilização geral. Lembre-se que, na fabricação de qualquer produto, sempre entra em jogo uma série de componentes, desde a matéria-prima e insumos básicos até o próprio design, o projeto, passando pelas peças, equipamentos etc. O produto final tem um responsável direto: a montadora do automóvel. Mas é possível identificar os fabricantes dos componentes. Por exemplo, o fabricante dos amortecedores, dos pneus, dos vidros etc. (E lembremos que no processo de fabricação do produto entra também uma série de serviços)

No caso do serviço, ocorre algo similar. Há alguns serviços prestados de maneira direta e praticamente pura, tais como o de consulta médica, o de ensino, o do corte de cabelos etc. Mas há serviços que são compostos de outros serviços, tais como os de administração de cartões de crédito, que envolve a administradora, os bancos, que recebem os pagamentos das contas e os boletos de venda dos comerciantes, os correios e demais serviços de entregas, os serviços de telefonia, cujos canais são importantes no atendimento ao consumidor etc.

Há, ainda, outros serviços que são necessariamente compostos pela prestação dos serviços e da utilização de produtos. Não há o serviço sem o produto. Por exemplo, os serviços de consertos de automóveis e as respectivas trocas de peças, os serviços de assistência técnica de conserto de eletrodomésticos, os serviços domésticos de pintura e instalação elétrica etc.

E, também, similares aos anteriores, produtos e serviços vendidos simultaneamente. Por exemplo, carpetes e sua colocação, papéis de parede e sua fixação, boxes de banheiro e sua instalação etc.

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Continua na próxima semana.