Os vícios dos serviços - 5 ª parte
quinta-feira, 18 de setembro de 2025
Atualizado em 17 de setembro de 2025 13:22
Hoje continuo a análise dos vícios dos serviços regulados no CDC (lei 8078/1990).
Lembremos a redação do art. 20 do CDC:
"Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade."
Reexecução quando possível
A lei diz, naquelas duas hipóteses (incisos I e II), que, constatado o vício, pode o consumidor exigir alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
Como as normas dos incisos devem obediência lógica ao caput e lá está estabelecido o exercício dos direitos como alternativo de escolha para o consumidor, o sentido da expressão na teleologia do texto somente pode ser: quando cabível, isto é, quando for possível efetuar a reexecução do serviço, bem como quando for vontade do consumidor. E isto porque:
a) A expressão está colocada após uma conjuntiva "e" ao final da frase, em relação ao direito garantido ("reexecução dos serviços" e "quando cabível").
b) A norma - inteligentemente, diga-se - está pressupondo que há serviços que não podem ser reexecutados, o que impede, concretamente, que o consumidor exerça a garantia estabelecida no inciso I.
Assim, por exemplo, o corte de cabelo malfeito não pode ser reexecutado; uma cirurgia para extração de amígdala (desde que ela tenha sido extraída) também não etc.
c) A reexecução seria possível, mas, em função da constatação do vício, o consumidor desistiu de refazê-lo.
É essa a intenção da norma: se for possível a reexecução do serviço e se o consumidor quiser, então, pode este servir-se da hipótese do inciso I. Se não for, cabe a ele o exercício das prerrogativas dos outros incisos.
Reexecução parcial
Contudo, haverá uma série enorme de situações concretas que não necessitam da reexecução de todo o serviço para garantir o pleno saneamento do vício. Ora, se, no serviço de pintura de uma casa, apenas uma parede foi mal pintada, não tem sentido exigir a reexecução de todo o serviço. Da mesma maneira, nos vários serviços de funilaria de automóveis, nos trabalhos elétricos etc.
É por demais evidente que não se poderia imputar à norma essa pretensão de exigir que o fornecedor reexecute todo o serviço quando a reexecução parcial resolve o problema do consumidor. Seria uma estipulação legal que fixaria o direito a ser exercido por mero capricho, o que implicaria claro exercício de abuso do direito. Assim, tem-se de fazer uma interpretação restritiva da letra da lei.
A leitura do inciso I do art. 20, então, deve ser feita da seguinte forma: é garantido ao consumidor exigir a reexecução parcial do serviço, se esta for suficiente para sanar o vício ou, se necessário, total, sem custo adicional e quando cabível.
A questão do custo, nem seria preciso dizê-lo, é evidentemente resolvida contra o fornecedor. É ele quem tem de arcar com eventuais gastos da reexecução parcial ou total.
Restituição imediata da quantia paga
No inciso II, surge uma problema da desproporcionalidade na relação direta com a possibilidade de reexecução parcial. É que a norma permite que o consumidor exija (sem necessidade de justificar) a restituição imediata da quantia paga. Ou, em outras palavras, havendo vício do serviço, o consumidor teria a seu favor, de forma incondicionada, o direito de exigir tudo o que pagou de volta.
Seria o mesmo equívoco firmado no inciso I: se, no serviço de pintura de uma casa, apenas uma parede foi mal pintada, não tem sentido permitir que o consumidor exija o total do preço pago pela pintura da casa toda. Da mesma maneira, o erro se daria numa série de outros serviços, que podem ser resolvidos de forma parcial.
Assim, da mesma maneira que na hipótese do inciso I, deve-se fazer uma interpretação restritiva da letra do texto do inciso II. A leitura da norma em comento implica, então, que a interpretação deve ser a seguinte.
É garantido ao consumidor exigir:
a) a restituição de parte da quantia paga na proporção com o custo total cobrado pelo serviço executado, sempre que o saneamento do vício se puder operar de forma parcial;
b) a restituição total da quantia paga, sempre que o saneamento do vício, para se efetivar, tenha de se dar de maneira global, isto é, tem de haver reexecução total;
c) que, em qualquer hipótese, as verbas a serem devolvidas estejam atualizadas.
Perdas e danos
Tratemos agora da questão das perdas e danos, prevista no final da proposição do inciso II.
A norma diz: restituição da quantia paga... "sem prejuízo de eventuais perdas e danos". Quer dizer, então, que a opção pela alternativa do inciso II do art. 20 dá ao consumidor o direito de pleitear também indenização pelos danos sofridos em função do vício?
A resposta pode ser sim ou não. Depende das circunstâncias que a seguir retratarei.
Comecemos pelo sentido de "perdas e danos". A expressão há de ser entendida como danos materiais (emergentes e lucros cessantes) e morais.
A responsabilidade civil neste caso é diversa daquela firmada no caput do art. 141, ainda que, da mesma forma, seja objetiva. Ela é objetiva porque, como já dissemos aqui nesta coluna, a responsabilidade do fornecedor firmada no CDC é sempre objetiva, com exceção do caso do profissional liberal do § 4º do art. 142.
Porém, não é responsabilidade que nasça do mesmo tipo de defeito apontado no caput do art. 14. Há defeito sim, mas caracterizado pelo não saneamento do vício:
a) porque isso é impossível e não se enquadra na hipótese de defeito do art. 143;
b) porque, apesar de possível, o consumidor desistiu de fazê-lo;
c) porque o consumidor solicitou a reexecução parcial ou total e:
c.1) ela não foi feita;
c.2) ela foi executada novamente de maneira errada, ficando mantido o vício.
É preciso entender que o direito a perdas e danos previsto no inciso II do art. 20 somente nasce após se constatar a impossibilidade ou a desistência do saneamento do vício. Se este puder ser resolvido e for, não pode o consumidor fazer o pleito indenizatório.
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Continua na próxima semana.
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1 "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."
2 "§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa."
3 Se se enquadrasse, aplicar-se-ia simplesmente a regra do art. 14.

