Art. 322 do CPC e Pedido
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
Atualizado em 18 de fevereiro de 2025 08:02
O atual Código de Processo Civil completa 10 anos de vigência e já conta com grande acervo decisório, a propósito dos mais variados temas que sofreram mudança após sua edição.
A presente coletânea de jurisprudência, elaborada por Mirna Cianci - e destinada a dar base ao "Curso de Direito Processual Civil Aplicado", escrito por Antonio Carlos Marcato, Mirna Cianci e Nelton Agnaldo Moraes dos Santos -, resulta de pesquisa efetuada junto ao TJ/SP e STJ, tendo por objeto a análise de decisões proferidas dentro do decênio de vigência do CPC.
Foram aqui destacados os dispositivos que sofreram modificação em relação ao diploma revogado e verificado se havia, a respeito deles, decisões jurisprudenciais, trazendo uma ilustração representativa no período de 2016 a 2025.
No primeiro quinquênio, pela falta de jurisprudência suficiente no STJ, vali-me dos julgados do TJ/SP, em complementação. A partir de 2020, a jurisprudência selecionada passou a ser exclusivamente do STJ, exceção feita aos casos em que a recente legislação modificadora de alguns dispositivos do CPC tenha sido examinada somente no âmbito estadual, caso em que foi destacada a jurisprudência do Tribunal paulista.
A partir de agora tem o migalheiro acesso à jurisprudência relativa a todas as modificações sofridas pelo CPC em 2015.
Espero que este repertório lhes seja útil!
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O novo CPC, em seu art. 322, delimitou o alcance do pedido no processo, introduzindo uma novidade ao viabilizar a interpretação pelo "conjunto da postulação", o que afasta o julgamento sem resolução de mérito por inépcia da inicial quando não esteja individualmente descrita a causa de pedir e o pedido, mas deles seja possível a compreensão do pleito, o que já era uma tendência jurisprudencial e agora vem positivada no atual diploma, sendo interessante a abordagem casuística do tema.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROVA PERICIAL DEFICIENTE. DETERMINAÇÃO NA ORIGEM DE RETORNO DOS AUTOS PARA COMPLEMENTAÇÃO DA INSTRUÇÃO. ANÁLISE FUNDAMENTADA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.
1. O acórdão recorrido reconheceu a nulidade da prova pericial produzida nos autos de ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, cumulada com reparação por dano material e moral, em razão de o laudo não ter sido conclusivo, e por ter sido apontada pela parte autora a existência de fato novo, consistente em novos vícios estruturais na construção.
2. Alegação de malferimento dos arts. 1.009, §1°, 1013, caput, e §1°, em razão da suposta não observância do efeito devolutivo da apelação, que não se sustenta. Interpretação lógico-sistemática do pedido que decorre dos exatos termos do art. 322, §2° do CPC, analisando-se o conjunto da pretensão, observada a boa-fé processual. Doutrina. Precedentes.
3. Necessidade de complementação da perícia constatada pelo órgão colegiado de origem cuja decisão se mantém, observada ademais a autorização legal que faculta a determinação de ofício de produção de prova pelo julgador, para formação de seu convencimento motivado.
4. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1.974.838/MG, relator ministro Humberto Martins, Terceira turma, julgado em 4/3/24, DJe de 6/3/24.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 2. TARIFAS DECLARADAS ILEGAIS. PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DOS ENCARGOS ACESSÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUNAL ESTADUAL QUE AFASTOU EXPRESSAMENTE A INCIDÊNCIA DE JUROS NO CONTRATO. DECISÃO EXTRA PETITA E CONFISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(..) 2. Tendo em vista que a parte postulou exatamente a restituição dos encargos acessórios que recaíram sobre as tarifas declaradas ilegais, era franqueado ao Tribunal estadual analisar a efetiva incidência dos juros no caso em concreto.
3. O fato de o julgamento do Tribunal a quo não ter sido favorável às teses da parte está longe de caracterizar decisão extra petita ou qualquer outro vício do acórdão, visto que o pedido não deve ser analisado apenas do capítulo da petição inicial, mas da interpretação lógico-sistemática das questões apresentadas pelas partes (art. 322, § 2º, CPC).
4. Não caracteriza confissão a simples resistência do réu quanto ao pedido formulado na inicial.
5. Rever as conclusões quanto à incidência ou não dos juros no contrato de arrendamento mercantil demandaria, necessariamente, reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em razão do óbice da súmula 7 do STJ.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 2.066.212/PB, relator ministro Moura Ribeiro, Terceira turma, julgado em 26/2/24, DJe de 28/2/24.)
"[..] o fato de suas teses não terem sido acolhidas pelo Tribunal estadual está longe de caracterizar a imparcialidade do julgador ou vício do acórdão, porque o pedido não deve ser analisado apenas do capítulo da petição inicial, mas da interpretação lógico-sistemática das questões apresentadas pelas partes (é o que dispõe o art. 322, § 2º, CPC)".
"O fato de [...] ter pedido a reparação integral dos danos evidencia pretensão mais ampla e que, logicamente, contém implicitamente o pleito de afastamento da cláusula limitativa de responsabilidade. Quem quer o mais obviamente quer o menos, sendo desnecessário pedir isso expressamente.
Conforme estabelece o art. 322, § 2º, do CPC, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé".
"[...] o que é vedado ao juiz pelo art. 492 do Código de Processo Civil é proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, mas não a de dar menos do que foi pedido [...]".
(REsp 1.989.291/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator para acórdão ministro Moura Ribeiro, Terceira turma, julgado em 7/11/23, DJe de 23/11/23.)
"[...] à luz do art. 322, § 2º, do CPC/15, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé, não estando o órgão julgador, por conseguinte, adstrito unicamente ao critério estritamente formal quanto às postulações expressamente fixadas na petição inicial [...]". (EDcl no RMS 60.400/SP, relatora ministra Regina Helena Costa, Primeira turma, julgado em 9/10/23, DJe de 16/10/23.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. OFENSA AO ART. 489, § 1º, IV, DO CPC. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA PARTE. AFRONTA AO ART. 1.658 DO CC/02. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. PEDIDO CERTO. CONJUNTO DA POSTULAÇÃO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO NO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 283/STF. RECURSO DESPROVIDO.
1. Não se verifica a alegada violação ao art. 489 do CPC/15, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, a questão que lhe foi submetida, não sendo possível confundir julgamento desfavorável, como no caso, com negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação.
2. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido no recurso especial, mas não debatido e decidido nas instâncias ordinárias, tampouco alvo dos embargos de declaração opostos, para sanar eventual omissão, porquanto ausente o indispensável prequestionamento. Aplicação, por analogia, das súmulas 282 e 356 do STF.
3. A ausência de impugnação, nas razões do recurso especial, de fundamento autônomo do aresto recorrido, atrai o óbice da súmula 283 do STF, segundo a qual: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."
4. O Tribunal de origem examinou o pleito em consonância ao disposto no art. 322, § 2º, do CPC/15: "A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé."
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 2.045.489/DF, relator ministro Raul Araújo, Quarta turma, julgado em 26/9/22, DJe de 7/10/22.)
"(..) Conforme o princípio da congruência ou da adstrição, o juiz deve decidir a lide dentro dos limites formulados pelas partes, não podendo proferir sentença de forma 'extra', 'ultra' ou 'citra petita'. Em conformidade com o art. 322, § 2º, do CPC/15, a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé". (REsp 1.779.751/DF, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira turma, julgado em 16/6/20, DJe de 19/6/20.)
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO, PELO ACÓRDÃO DE ORIGEM, DO ART. 1.022 DO CPC/15. OMISSÃO. NULIDADE DO JULGADO. RETORNO DOS AUTOS. NECESSIDADE.
1. Cuida-se, na origem, de pedido de reintegração feito pelo agravante na posse da faixa de domínio/ non aedificandi irregularmente ocupada por construções efetuadas pelo ora agravado, sem observância das limitações impostas por lei, com imediata demolição.
2. O Tribunal local rejeitou o requerimento do DNIT no sentido de que o pleito de demolição de calçada "abarque a pretensão de demolição da casa, ou até mesmo de cercas, pois não houve pedido neste sentido. Caberá ao DNIT, querendo, promover outra ação na qual eventualmente discuta a manutenção de cercas e da casa do réu no local".
3. O recorrente requereu, em embargos de declaração, a manifestação acerca do disposto no art. 322, § 2º, do CPC/15, que determina que a "interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação", tendo em vista que esta foi feita "em face da lei e da segurança das pessoas que trafegam na referida rodovia (para) que seja respeitada a área correspondente à faixa de domínio (...) e a área não edificável", razão pela qual o pedido deveria ser considerado estendido às demais construções existentes no local, em área vedada por lei.
4. Existindo na petição recursal alegação de ofensa ao art. 1.022 do CPC/15, a constatação de que o Tribunal de origem, mesmo após a oposição de Embargos Declaratórios, não se pronunciou sobre pontos essenciais ao deslinde da controvérsia autoriza o retorno dos autos à instância ordinária para novo julgamento dos aclaratórios opostos.
5. Nesse contexto, deve ser dado provimento ao recurso especial a fim de que os autos retornem ao Tribunal de origem para que este se manifeste sobre a matéria articulada nos embargos de declaração, em face da relevância da omissão suscitada.
6. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos à Corte de origem, para novo julgamento dos embargos de declaração, a fim de que se manifeste expressamente sobre a aplicação do art. 322, § 2º, do CPC, ao caso.
(AREsp 1524038/RS, rel. ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/2/20, DJe 18/5/20).
Confira a íntegra da coluna.