Quem pode ser acionista de SAF?
quarta-feira, 2 de abril de 2025
Atualizado às 07:23
Esse foi um tema que surgiu durante todo o processo de concepção, proposição, debate, crítica, negociação e aprovação da Lei da SAF: deveria ser instituída uma lista de pessoas autorizadas a investir em SAF? Alternativa e inversamente, a lista poderia indicar apenas as pessoas que não se qualificariam como potenciais investidoras?
Sempre houve - e ainda há - uma legítima preocupação com a preservação de um dos maiores patrimônios do país, o futebol, apesar do esforço hercúleo que se empreende, há décadas, para destruí-lo. Aliás, não fossem alguns movimentos isolados, como a Lei da SAF e a Lei do Mandante, talvez a destruição já tivesse abalado o sistema.
Mas, é justamente no atual sistema que reside o problema: o futebol, dentro de cada clube (ou seja, de cada associação sem fins econômicos), passa de mão em mão (ou de grupo em grupo), dentro de uma lógica patrimonialista e irresponsável. O dono da vez, eleito pela assembleia geral de associados (a qual, por sua vez, não representa a torcida), isolada ou conjuntamente com pequeno grupo de seguidores, concentra poder, geralmente inabalável, para, como já indicado acima, agir soberanamente sem ter investido um centavo de real no clube (apesar de investir em campanha de eleição).
E, como a história demonstra, o dono de fato, se tiver habilidade política (ou força para se impor por via do temor reverencial ou do medo), conduz os órgãos internos, do conselho deliberativo à assembleia geral, passando pelo conselho fiscal, no sentido de satisfazer seus planos e ego.
Se o dirigente for qualificado, o time pode ir bem; se for ruim, costuma deixar uma situação periclitante. Em qualquer caso, a cada eleição, promove-se uma espécie de loteria gerencial, cujo resultado, para o time e para torcida, se enquadra no campo da álea.
Pior: os donos de fato ainda constroem a falsa narrativa de que seus times são diferentes, especiais mesmo, e que jamais terão proprietários, quando, na verdade, eles o são (na posição de representantes de uma estrutura associativa dispersa e incapaz de controlar, fiscalizar e sancionar condutadas irregulares, e que concede a eles a prerrogativa de disporem dos recursos alheios como querem).
Por isso que qualquer torcedor, que não seja associado e membro da diretoria, não pode acessar o centro de treinamento do seu time do coração. Porque ele é apenas um torcedor, manipulado pelo discurso fácil que se reproduz, como dogma, desde sempre.
Não se pretende, aqui, propor que o torcedor acesse livremente os equipamentos utilizados pelos jogadores; seria o caos. Apenas se apresenta a realidade para conectá-la com o tema deste artigo: a qualificação para ser acionista de SAF. A Lei da SAF, inclusive nesse aspecto, oferece mais segurança ao sistema, ao impor ao acionista (e aos administradores da SAF) uma série de obrigações que não são, nem de longe, aplicadas ao modelo clubístico.
O contexto apresentado acima contribuiu para que, no âmbito da construção da Lei da SAF, se evitasse o caminho do populismo e a criação de barreiras abstratas para situações concretas, barreiras essas que dificilmente se aplicariam quando devessem se aplicar, e que serviriam para criar mais e novos problemas e inseguranças.
Lembre-se, ademais, que nenhuma operação de SAF acontecerá se os associados do respectivo clube não autorizarem, em assembleia geral, a proposta formulada pela diretoria e, necessariamente, recomendada pelos seus órgãos internos, como o conselho deliberativo.
Se a diretoria negocia, assina e submete aos seus órgãos internos e a assembleia aprova, mesmo num ambiente de poder cartolarial (escolhido e mantido pelos próprios associados), deveria a lei, ainda assim, impor barreiras regulatórias ou legislativas, e definir que, exemplificando, o russo pode, mas o ucraniano não (ou vice-versa); que o fundo árabe não pode, mas o norte-americano, sim (ou vice-versa); que uma companhia aberta brasileira pode, mas uma sediada no Caribe, não; e assim por diante?
Ainda: a lei deveria levar em conta a qualidade e a (boa ou má) intenção dos dirigentes responsáveis pela negociação e formação de uma SAF, assumindo a eventual incapacidade de decidir de modo adequado e no interesse do time?
O modelo brasileiro, plasmado na Lei da SAF, afasta, por um lado, o intervencionismo estatal em relação aos atributos de eventual investidor, mas, de outro, impõe instrumentos de verificação, controle e sanção mais efetivos dos que aqueles praticados às companhias em geral, envolvendo, inclusive, a afetação de direitos políticos e econômicos.
Daí a possibilidade, em tese, de qualquer pessoa, física ou jurídica, e dentre as jurídicas, qualquer sociedade, personificada ou não, aberta ou fechada, com controle concentrado ou difuso, nacional ou estrangeira, e ainda qualquer ente despersonalizado, como fundo de investimento, deterem participação em SAF, desde que, em qualquer caso, como já indicado, observem os requisitos instituídos pela Lei da SAF e demais leis que incidam no caso concreto (que incluem, dentre outros, técnicas avançadas de governança, não concentração e observância de normas anticorrupção).