A Lei das Sociedades Desportivas de Portugal - e a Lei da SAF - Parte 2
quarta-feira, 11 de junho de 2025
Atualizado às 07:29
Em complemento ao artigo apresentado há uma semana neste espaço, trata-se, desta vez, de aspectos relacionados à governação, aos deveres e ao funcionamento da sociedade desportiva em Portugal.
De lá para cá, uma novidade: a seleção nacional portuguesa tornou-se, no dia 8 de junho, bicampeã da Copa das Nações, reafirmando-se como uma das principais forças europeias. À falta de dados empíricos, favoráveis ou contrários, não seria descabido associar a reafirmação vitoriosa ao processo interno de organização da atividade no país, sobretudo por intermédio da iniciativa legislativa. Mas não sendo este o propósito do texto, volta-se à apresentação do conteúdo da lei 39/20231.
A sociedade desportiva deve ser administrada por órgão composto pelo número de membros previsto no estatuto, devendo ao menos dois ser membros executivos (ou apenas um, se se tratar de sociedade unipessoal). Além disso, um dos executivos deve atuar em regime de exclusividade.
A identidade dos administradores deve ser reportada anualmente à entidade de administração do esporte e, se aplicável, à liga da qual a sociedade desportiva participe. Caso a sociedade desportiva tenha ações admitidas à negociação em mercado regulado, a comunicação de identificação esportiva não será aplicável.
O artigo 20º estabelece que a proporção de pessoas de cada sexo não pode ser inferior a 33%, incluindo membros executivos e não executivos (observado, para companhias listadas, o disposto na lei 62/2017, de 1º de agosto).
Assim como ocorre na Lei da SAF, o art. 21º estabelece uma lista de incompatibilidades e considera nula a indicação de:
"a) [...] titulares de órgãos sociais de federações, ligas profissionais, associações desportivas regionais ou distritais, de outras sociedades desportivas ou clubes desportivos, salvo no caso do clube desportivo fundador;
b) Quem detenha capital social, direta ou indiretamente, de outra sociedade desportiva participante em competições nacionais da mesma modalidade;
c) Os praticantes desportivos profissionais, membros de equipas técnicas e árbitros, em exercício, da respetiva modalidade;
d) Quem possua ligação a empresas ou organizações que explorem, promovam, negoceiem, organizem, conduzam eventos ou transações relacionadas com apostas desportivas;
e) Quem, na mesma época desportiva, tenha ocupado cargos de administrador ou gerente em outra sociedade desportiva constituída no âmbito da mesma modalidade;
f) As pessoas singulares ou coletivas que se dediquem à atividade, ocasional ou permanente, de intermediação de jogadores e treinadores;
g) As pessoas singulares que, por força de relações pessoais ou profissionais, possam gerar uma situação, real, aparente ou potencial, suscetível de originar interesses incompatíveis daqueles que estão obrigados a defender;
h) Pessoas estreitamente relacionadas com as referidas nas alíneas anteriores".
Consideram-se pessoas estreitamente relacionadas:
"a) Cônjuge, unido de facto ou parente em 1.º grau, no caso de pessoas singulares;
b) Sociedade na qual uma das pessoas ou entidades referidas no número anterior ou um familiar próximo referido na alínea anterior:
i) Detém uma participação qualificada ou direitos de voto;
ii) Pode exercer uma influência significativa; ou
iii) É membro do órgão de administração."
A lei portuguesa também trata de deveres de transparência. Os titulares de participações qualificadas devem ser comunicados às entidades fiscalizadoras, à federação desportiva e, se o caso, à liga. A comunicação compete à sociedade desportiva, observados certos procedimentos previstos na lei2.
Em relação ao funcionamento, os acionistas ou sócios terão preferência para participar de aumentos de capital. Além deles, os associados do clube fundador, mesmo que não sejam acionistas, também poderão preferir aos demais, caso exista previsão estatutária.
O artigo 23º ainda prevê que a subscrição pelo público em geral pode se realizar em condições mais onerosas àquelas previstas aos associados do clube em transformação ou fundador.
O legislador português tomou cuidado com a preservação de ativos da sociedade desportiva, incluindo intangíveis, ao prever que a alienação ou a oneração de bens imobiliários que representem mais de 20% do ativo, bem como de símbolos, incluindo o emblema e equipamentos, sigam ritos próprios, previstos no art. 24º, devendo-se, assim, obter a autorização da assembleia geral ou do sócio único, se o caso.
Por fim, o art. 25º impõe limites ao exercício de direitos de sócios, quando se verificar participação em mais de uma sociedade, nos seguintes termos:
"(...) os direitos de titulares de ações ou quotas em mais do que uma sociedade anónima desportiva que tenham por objeto a mesma modalidade desportiva só podem ser exercidos numa única sociedade, com exceção dos direitos à repartição e perceção de dividendos e à transmissão de posições sociais. 2 - A restrição prevista no número anterior aplica-se, igualmente, a sociedades relativamente às quais a sociedade anónima desportiva e o acionista se encontrem em relação de domínio ou de grupo". (grifou-se)
Cabe a cada acionista o dever de informar aos destinatários da informação, quais sejam, cada sociedade desportiva, a federação desportiva e, se o caso, a liga, sobre as participações detidas em sociedades desportivas.
A lei ainda admite a alteração da escolha quanto à sociedade na qual os direitos de sócio serão exercidos, desde que se obtenha autorização da federação desportiva, e nos termos definidos por ela.
No próximo - e último - texto da série serão apresentados outros aspectos relevantes (e interessantes) a respeito da sociedade desportiva em Portugal.
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1 Disponível aqui. Acesso em 10 de junho de 2025.
2 "Artigo 22.º Deveres de transparência (...) 2 - A comunicação referida no número anterior deve ser feita pela sociedade desportiva até ao início de cada época desportiva ou no prazo fixado em regulamento, dela devendo constar:
a) A identificação e discriminação das percentagens de participação e dos direitos de voto detidos por cada titular;
b) A identificação e discriminação de toda a cadeia de pessoas e entidades a quem a participação deva ser imputada, independentemente da sua eventual sujeição a lei estrangeira, bem como a identificação do beneficiário efetivo dessa mesma sociedade, de acordo com os termos estabelecidos no artigo 30.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo;
c) A indicação de eventuais participações, diretas ou indiretas, daqueles titulares noutras sociedades desportivas.
3 - A informação referida no número anterior deve ser renovada e atualizada, no prazo de 15 dias úteis, contados da celebração da respetiva transmissão de propriedade ou de uso, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
4 - A identificação dos titulares ou usufrutuários, individuais ou coletivos, de participações no capital social de sociedade desportiva e toda a cadeia de pessoas e entidades a quem cada participação deva ser imputada são comunicadas à federação desportiva da respetiva modalidade ou, no caso das sociedades desportivas participantes em competições profissionais, à respetiva liga profissional, sendo criada para o efeito uma base de dados, em conformidade com o disposto no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, designadamente o respeito pela finalidade da recolha dos dados, sem prejuízo do cumprimento dos deveres declarativos previstos legalmente.
5 - As entidades às quais é permitido o acesso aos dados a que se refere o número anterior devem limitá-lo aos casos em que este seja necessário para conhecimento da identidade dos titulares ou usufrutuários de participações sociais e ao cumprimento das finalidades de promoção da transparência, integridade e credibilidade das competições desportivas, e não devem utilizar a informação para fins diversos dos que determinam a recolha, devendo o tratamento da informação prestada ser realizado em estrita observância ao RGPD.
6 - A violação do disposto no presente artigo constitui contraordenação muito grave.
7 - A reincidência na violação do disposto nos números anteriores determina a aplicação de sanções de natureza desportiva, nos termos regulamentares aprovados pela federação desportiva da respetiva modalidade ou, no caso das sociedades desportivas participantes em competições profissionais, pela respetiva liga profissional.
8 - O disposto nos números anteriores não é aplicável à sociedade desportiva cujas ações estejam admitidas à negociação em mercado regulamentado, à qual se aplica o regime previsto no Código dos Valores Mobiliários.
9 - O registo e publicidade das sociedades desportivas regem-se pelas disposições constantes da legislação aplicável às sociedades comerciais, devendo a conservatória do registo comercial, oficiosamente e a expensas daquelas, comunicar às entidades referidas no n.º 4 a sua constituição, os respetivos estatutos e suas alterações".