As crises no futebol e a lei da SAF
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado em 5 de agosto de 2025 13:22
Atlético-MG vive crise financeira e acende alerta sobre modelo das SAFs. Esta foi a chamada de matéria veiculada na edição de 24 de julho de 2025, da Folha de São Paulo1.
O negativismo que assola o Brasil e os brasileiros, talvez de origem ibérica, fruto da (de)formação colonial, merece mais do que estudo; já chegou a hora de um redirecionamento, mesmo que carregado de ufanismo, para o bem geral. Afinal, o olhar, quase sempre negativo, contribui para a manutenção daquele já conhecido (ou impregnado) complexo de vira-lata.
A crise do Galo não é uma crise da SAF, do modelo da SAF ou de seus controladores. Ela é anterior, de um modelo retrógrado, que já se tornara insustentável quando a SAF foi constituída como uma saída, talvez a única, para reverter problemas que, sob o associativismo, não se resolveriam, jamais.
Apesar de não conhecer em detalhes a situação, exceto pelas informações públicas, o time, controlado pela SAF, com todas as suas dificuldades, tem, como quase nenhum outro, um conjunto de acionistas com repertório para tentar e - espero não estar errado - mais do que isso, encontrar soluções para dificuldades que podem aparecer para qualquer empresa ou qualquer SAF.
Aí está uma diferença existencial: enquanto em associações as crises são varridas para debaixo do tapete e comprometem o futuro esportivo, em SAFs, como regra, elas tendem - ou tenderão - a ser enfrentadas, como devem ser, sem apego a movimentos imediatistas ou populistas.
Não quer dizer que toda SAF será bem-sucedida. Aliás, numa hipotética competição com vinte SAFs, quatro necessariamente cairão para série inferior. Mais do que isso: mesmo que as rebaixadas não passassem por crises econômicas, a probabilidade de tal ocorrência, em alguma delas, inclusive naquelas que se mantivessem na série principal, beiraria a certeza.
Nem todo casamento tem final feliz, nem toda empresa atinge a liderança de seu setor, nem todo produto lançado é abraçado pelo mercado, nem todo filme do melhor diretor é bem recebido, e assim por diante. SAFs também poderão passar por seus dramas. Essas situações, porém, não deveriam nortear a percepção das coisas, exceto se se tornarem a regra (e não a exceção).
Nem isso vale para a situação do Galo e, muito menos, como juízo final da lei da SAF, que ainda não completou seus 5 anos e já deu, ao país, 117 SAFs, conforme estudo apresentado pelo IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol2.
Houvesse, por outro lado, memória (ou aversão) em relação à história de apropriações nas associações sem fins econômicos, que produziram um estoque bilionário (e, em alguns casos, impagáveis) de dívidas, e, por outro lado, conhecimento dos propósitos da lei da SAF, como instrumento de política pública, a temática, mesmo que pautada por uma crise, poderia ser colocada como um importante momento na curta trajetória da lei.
É assim, na verdade, que o momento do Galo deveria ser visto: como uma mudança paradigmática na forma de enfrentamento de problemas; problemas que, provavelmente (para não se afirmar categoricamente), não deverão ser deixados para sucessores políticos resolverem.
Quanto às proposições de que o próprio Galo e outras SAFs gastam mais do que deveriam e repetem os excessos das associações, elas escancaram uma realidade que o país logo deverá enfrentar, não apenas nos planos autorregulatórios ou regulatórios, mas, também, no legislativo.
Sem normas de "fair play", sem limites de gastos com remunerações, sem delimitação da transferência entre clubes de um mesmo grupo, sem freios à atuação de intermediários, dentre outros aspectos, as despesas continuarão a se descolar das receitas e induzirão movimentos contraintuitivos.
Nesse sentido, a matéria da Folha alerta para a luz amarela que teria acendido ao Cruzeiro, em função da dívida contraída pela nova gestão, após período de contenção, imposto por Ronaldo, o salvador (e, posteriormente, vendedor) do clube.
Curioso que Ronaldo era criticado pela racionalidade econômica - em suposto detrimento do resultado esportivo -, e o novo controlador, Pedro Lourenço, um conhecido e bem-sucedido empresário, alertado para o excesso (ou irracionalidade) dos gastos.
A lei da SAF ainda engatinha, seus operadores aprendem a dominar os instrumentos criados por ela e resultados já aparecem: dentre os dez primeiros colocados na série A do Campeonato Brasileiro, quatro são SAFs e um é sociedade empresária limitada. Além do que um deles é o atual campeão da Libertadores e do Brasileirão. Mas este é tema para outro texto.
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1 Disponível aqui.
2 Disponível aqui.