Como a situação do Palmeiras explica o estado de crise do futebol brasileiro
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
Atualizado em 12 de agosto de 2025 14:18
O jornalista Juca Kfouri escreveu artigo, publicado no Blog do Juca Kfouri, sobre a ingratidão do torcedor na hora da derrota1. Ele lembra, para realçar a importância de Abel Ferreira - que vem sofrendo críticas de parcela específica da torcida -, que o Palmeiras ganhou, sob a sua direção, nada mais, nada menos, do que dez títulos em cinco anos, e títulos expressivos, como duas Libertadores da América, Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil.
A ingratidão, ao que me parece, vai além.
Antes do argumento, uma advertência: não pretendo e não chegarei perto de tratar de aspectos políticos do clube e de defender uma ou outra posição ou uma ou outra pessoa. Passo, como dito - mas prefiro reiterar -, longe disso.
A argumentação decorre, como se notará, das mesmas premissas de que parte o texto jornalístico mencionado acima.
Além de Abel, a presidente do clube, Leila Pereira, também vem sendo hostilizada, e, junto com o treinador, seriam figuras dispensáveis para parcela da torcida. Foi o que se cantou na derrota para o Corinthians: "meu Palmeiras não precisa de você", dentre outras coisas, muito piores, e com expressões de baixo calão.
Leila Pereira também é uma dirigente inquestionavelmente qualificada, competente e bem-sucedida, fora e dentro do futebol, e, neste ambiente, coleciona títulos relevantes desde que assumiu o cargo.
Ambos, Abel e Leila, passaram a enfrentar, com inusitada violência, a lógica político-clubista, que se manifesta não apenas nesse clube, mas em muitos outros - talvez, em todos os outros -, quando uma situação de adversidade se apresenta, mesmo após retumbantes conquistas. É dessa lógica que deriva parte do problema do futebol no Brasil, pois o associativismo atua em uma posição, ou melhor, em uma função que não lhe é própria: a de empresário (isto é, de organizador de atividade econômica).
Daí, aliás, o distanciamento entre times brasileiros e europeus, localizados nos principais centros de prática do esporte. Naquele continente, poucas associações permanecem na disputa de campeonatos relevantes e, quando isso acontece, remanescem de estruturas específicas de poder, que não são replicáveis.
São os casos de Real Madrid e Barcelona, beneficiários de privilégios históricos decorrentes de seus papeis ou de suas representações, um como símbolo do regime central espanhol e, outro, da resistência e orgulho separatista catalão.
Mas os países europeus perceberam que o futebol se tornara uma atividade altamente competitiva, demandadora de recursos e carente de governação e de planejamento, e impuseram, sob distintas diretrizes, legislações com propósitos transformacionais. O associativismo, consequentemente, passou a ser a exceção, e não a tendência.
No Brasil, mesmo com o advento da Lei da SAF, ainda se encontram barreiras aos sinais dos tempos. E, o que mais se ouvia - ou ainda se ouve - é que Flamengo e Palmeiras provam a tese de que clubes bem geridos podem resistir sob a forma de associação.
Talvez pudesse ser verdade se, e apenas se - e isso vale para qualquer clube - não existissem grupos de interesses internos e externos, de situação e oposição, rachas entre grupos, lideranças partidárias e torcedores ingratos ou conflitados que se movem conforme suas percepções de oportunidade.
Mais do que isso: num ambiente político-clubista, o presidente eleito (ou a presidente) destina parte de sua energia vital, desde o primeiro dia de mandato, a construir proteções contra ataques amigos ou inimigos, ao mesmo tempo que se dedica ao propósito para o qual, em tese, foi eleito (a), que consiste na gestão do futebol.
Mas, quando a fabricação de situações conjunturais se sobrepõe aos próprios times, pois viabilizadoras de movimentações políticas ou dominativas, o interesse das massas torcedoras se curva a propósitos patrimonialistas, individuais ou grupais.
Assim se explica o permanente estado de crise de clubes brasileiros. Mesmo que se projete de onde não se espera.
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1 Disponível aqui. Acesso em 12/8/2025.