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O Botafogo, o Cruzeiro e os erros da Lei da SAF

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Atualizado em 19 de agosto de 2025 14:47

O 3º Congresso de Direito Empresarial do Distrito Federal1 reuniu, na segunda semana de agosto de 2025, centenas de pessoas, dentre professores, magistrados, reguladores, advogados, pareceristas e estudantes, para debater diversos temas relacionados ao seu propósito existencial (ou seja, o direito empresarial, em sua essência, e suas intersecções com outras disciplinas). Uma das palestras tinha como mote, em suma, o que vinha dando errado na Lei da SAF.

A provocação foi ótima, e reforça a preocupação que venho manifestando sobre o negativismo midiático, intencional ou não, em torno de uma lei que, apesar da curta existência, já transformou o ambiente do futebol no país.

Pouco se fala, com efeito, dos acertos e das melhorias conjunturais ou estruturais, ou das transformações em movimento; ocupam-se os espaços midiáticos, por outro lado, com o criticismo negativo. Mesmo - ou sobretudo - quando o "erro" resulta em sucesso.

Para me explicar, adotarei a proposição de um consagrado professor de direito empresarial, cuja identidade, por respeito a ele, manterei anônima. Ao se dirigir a mim, antes da palestra, ele disse-me, reservadamente, que o maior erro da Lei da SAF havia sido a viabilização dos títulos do Botafogo, pois o transformara em algo que se distanciava de sua história de dramas e desastres explicáveis apenas no plano da metafísica.

Tratava-se, evidentemente, de uma broma, oriunda de um torcedor adversário ferido com a mudança de status do time rival. Mesmo assim, acabei suscitando a bromaria no painel e trazendo-a ao debate. Afinal, o argumento tem, sob determinada perspectiva, validade - e pertinência.

Quem conhece um pouquinho de reestruturação empresarial sabe que se trata de um desafio, de modo geral, complexo e sujeito a obstáculos e percalços, até que se estabeleçam condições internas de competir em alto nível, e se inicie o processo de soerguimento e, na sequência, crescimento, conforme premissas adotadas pelos reestruturadores.

O imediatismo se expressa, não raro, em medidas com efeitos internos e externos, que propiciam resultados mediatos. Exceto em situações muito específicas se colhem, com exuberância, já no curtíssimo ou curto prazos, os produtos do esforço da reorganização.

No plano empresarial ou societário, o empresário ou o acionista costuma ter um pouco mais de paciência com relação ao momento das colheitas futuras, projetadas conforme planejamentos de que tenha participado, direta ou indiretamente, da elaboração.

Essa postura, já se devia ter percebido, será diferente em relação ao futebol. Em outras palavras, a perspectiva do torcedor - e dos agentes que participam da atividade futebolística, incluindo a imprensa - é imediatista, mesmo quando (superficialmente) se apoia, na origem, uma planificação racionalizada e contida. O verniz da paciência se esvai, pois, na primeira (ou na segunda) quarta-feira após iniciada uma competição.

Repiso dois casos mencionados nos dois últimos textos desta coluna.

Primeiro, o Cruzeiro.

Ronaldo Nazário, o salvador, que apostou no que talvez fosse, naquele momento, pelos riscos envolvidos, o menos recomendável e mais incerto negócio de SAF no Brasil, traçou, com sua excelente equipe executiva, um projeto que pressupunha o rápido acesso à primeira divisão e, ao chegar lá, um par de anos de contenção e sofrimento, até que as contas se estabilizassem e o time voltasse a ser competitivo. Naquele período intermediário, o objetivo era permanecer na primeira divisão - pouco audacioso para a história do time, mas concatenado com a sua realidade conjuntural.

E o que deu errado? A percepção da torcida, que não se conformou com a manutenção do plano, e em certos momentos hostilizou o salvador e contribuiu para a sua decisão de vender as ações da SAF - com grande lucro, certamente.

Aliás, dizia-se que o investidor em SAF brasileira morreria com o investimento porque inexistiria, no Brasil, mercado secundário, viabilizador de operações entre o primeiro investidor e um novo, que tomaria sua posição. Trata-se, pois, de mais um erro, extraído do caso cruzeirense.

O segundo caso envolve, por motivos óbvios, o Botafogo, que anunciou em 2022 a constituição da SAF e a chegada de John Textor. Em 2023, contra qualquer prognóstico, liderou o campeonato desde o início e por diversas rodadas, e apenas deixou escapar o título por uma fatalidade, digna de suas lendas: a não conversão em gol de um pênalti, em partida que ganhava com folga, que resultou em uma virada histórica e na perda de confiança (e do próprio título), na reta final do campeonato.

Quando se imaginava que a grande (e única) chance fora desperdiçada, o time estarreceu o país e faturou, no ano seguinte, sua primeira Libertadores da América e, simultaneamente, o Campeonato Brasileiro, o mesmo que deixara voar no ano anterior.

Os resultados, independentemente dos métodos utilizados pelo investidor - que, neste texto, não estão em questão - mostram que aquele professor de direito empresarial, mencionado no início do texto, estava, ao contrário do que ele próprio racionalmente dizia, e por outros motivos, certo: não se deverá ver, com tanta rapidez, resultados tão contundentes, exceto se caminhões de dinheiro forem imediatamente despejados no projeto, sem alguma racionalidade; algo que não se verá com frequência.

Enfim, para fechar o tema, problemas existem, e de diversas naturezas, e devem ser debatidos, corrigidos e redirecionados, ao mesmo tempo em que as virtudes precisam ser, num país tão atacado por suas mazelas, enaltecidas.

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1 Disponível aqui. Acesso em 19/8/2025.