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Sobre as diferenças inconciliáveis entre os projetos do São Paulo e do Fluminense: Um diálogo com Rodrigo Capelo

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Atualizado em 14 de outubro de 2025 16:27

Em artigo denominado "os tricolores e a profissionalização", publicado na edição de sexta-feira, 10/1025, do Estadão, Rodrigo Capelo trata dos projetos apresentados pelo Fluminense e pelo São Paulo, e, após breves explicações sobre um e outro, conclui: "[c]á de minha parte, é pela profissionalização que eu torço".

Pretendo, neste texto, fazer algumas considerações às proposições do brilhante articulista e, talvez, estabelecer alguns contrapontos.

Logo no primeiro parágrafo, ele afirma que ambos os clubes têm um objetivo: a aprovação de medidas para reduzir a ingerência do amadorismo no futebol.

A premissa merece investigação - e confirmação.

Os projetos, para começar, são inconciliáveis.

Enquanto, pelo que se extrai de matérias divulgadas pela imprensa, o Fluminense debate um modelo transformacional, o São Paulo - ou os seus (ou alguns de seus) dirigentes - tenta aprovar um que envolve apenas a base, sem modificação dos modelos de propriedade do futebol e da atual governação do clube.

Em seguida, no segundo parágrafo, o autor afirma que o caminho do Fluminense é semelhante ao que outros clubes, como Bahia, Botafogo e Cruzeiro, teriam aceitado.

Aqui surge outro ponto para debate: não se trata de aceitação, mas de subsunção à lei da SAF, a qual, aliás, serve, na forma, justamente para que se possa oferecer segurança e previsibilidade, mesmo em ambiente de discordâncias e conflitos, em contrapartida às históricas imprevisibilidades de leis como a Zico e a Pelé, que estimularam e resultaram em projetos que até hoje cobram o preço aos respectivos clubes e torcedores. 

Isso não significa que a lei da SAF seja insensível às diferenças clubísticas; ao contrário, como, ao que me parece, o próprio Rodrigo Capelo expõe, ao narrar as características específicas de cada projeto.

E aí surge outro ponto de debate: o projeto do Atlético Mineiro não se assemelha, conforme informações publicizadas pela imprensa, com o do Fluminense. Este, pelo que se noticiou, compõe-se de elementos únicos, que o qualifica como, talvez, o mais promissor desde o advento da mencionada lei, ao lado do projeto do Bahia - e, eventualmente, um dos mais promissores do planeta.

Enquanto, no Galo, a SAF ficou sob o controle de poucos torcedores-associados-conselheiros-mecenas-investidores (a expressão não denota uma crítica), que detinham créditos milionários contra o clube, oriundos de empréstimos realizados antes da constituição da SAF, para salvar ou viabilizar momentos esportivos históricos (e que os coloca, no plano potencial, em situação de conflito), no Fluminense - novamente, pelo que se noticiou - deverá ser constituído um veículo de investimento, um fundo, gerido e administrado conforme normas legais e infralegais, com recursos aportados por algumas dezenas de torcedores milionários1, sem relações políticas prévias, que, apesar de terem intenções econômicas (e é bom que assim seja), caracterizam-se pela ligação identitária com o time e a sua história.

Algo, vale reforçar, inédito no ambiente da lei da SAF, sem a descaracterizar (ao contrário), ou de qualquer companhia relevante que controla times de futebol no Brasil ou no exterior.

A semelhança entre os projetos de ambos os clubes se evidenciaria, porém, porque "em todas elas o ativo vai para a mão de um novo proprietário". Sim, mas não do investidor. O proprietário final é a própria SAF, da qual o clube que a constituir, necessariamente, faz parte, como acionista.

Essa é a essência da lei da SAF: oferecer uma alternativa à propriedade clubística do futebol, historicamente sob a esfera de associações sem finalidades econômicas, que comandaram, sob uma lógica político-associativa, com raríssimas exceções, projetos de destruição de valor, estima, respeitabilidade, legado e perspectiva, e na acumulação de estoques bilionários de passivos.

Daí, pois, o principal paradoxo do texto: o São Paulo não se distingue pela criatividade de seu modelo, que ofereceria, em tese, uma progressão até se alcançar a "privatização" total.

Primeiro porque o São Paulo, como qualquer outro clube, é uma pessoa jurídica de direito privado e, assim, não tem natureza pública para ser privatizado. 

Segundo, porque os movimentos que têm sido implementados ou apresentados, desde o já famoso (e escudeiro) FIDC, o qual não resolveu problemas financeiros e econômicos, e a suposta associação a determinado investidor grego, não integram um projeto estruturado, concebido com início, meio e fim, consistente, ao cabo, com o ingresso de investidor relevante ou de uma oferta pública aos seus torcedores.

Logo, não se presta a "montar nova governança, sem abrir mão das decisões sobre o negócio do futebol". Mas a entregar parte da base para resolver compromissos imediatos, sem modificações estruturais e com a negação justamente do objeto da torcida de Rodrigo Capelo: a profissionalização.

Pois a (des)governança do clube - processo de eleição, diversos grupos políticos, conselheiros vitalícios, escolha da diretoria pelo conselho (sem participação de associados), influência da área social sobre a diretoria, associados torcedores de outros times, inclusive rivais, participando do processo eleitoral, dezenas de diretores, intransparência, etc - permanecerá a mesma.

Terceiro, por fim, porque a qualidade do projeto, ou a falta dela, não tem nada a ver com o momento político (e a inédita reprovação pública do presidente do clube, que costumava ser apoiado por quem, circunstancialmente, agora o reprova), mas com sua própria estrutura e a capacidade, ou a incapacidade, de resolver problemas, sejam conjunturais ou estruturais.

A crise do futebol, inclusive a do São Paulo, decorre, sobretudo, do secular e obsoleto modelo de propriedade, e não da falta, no clubismo, de técnicas de governança e de profissionais oriundos do mercado - iniciativas que costumam evaporar na chapa quente das relações associativas, e que continuará a esquentar sem uma solução transformacional.

Por esses motivos, não me parece razoável a comparação entre os projetos e as intenções dos tricolores, e, muito menos, a redução da problemática do futebol à ausência (sempre passível de ser suprida por narrativas) de profissionalismo, ideia dogmatizada pelo status quo para que, como Giuseppe Tomasi di Lampedusa verbalizou (em "O Leopardo"), com outras palavras, mudanças ocorram para que as coisas fiquem como estão. Ou para que piorem.

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1 Cf.: Disponível aqui, acesso em 13/10/25.