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Lei das companhias, Real Madrid, Safiel e a plasticidade da lei da SAF

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Atualizado em 26 de novembro de 2025 08:36

A lei 6.404/1976 ("lei das companhias"), que regula as sociedades por ações, completará 50 anos em 2026. A idade a revela cada vez mais bela, pois ainda (e sempre) se presta a oferecer a segurança jurídica que empreendedores e investidores necessitam para definir suas alocações de capital.

Os autores, reconhecidos juristas, souberam arquitetar um chassi regulatório que moldou o (então) presente e sustentou o futuro. Até hoje, próxima de suas bodas douradas com o mercado, a lei das companhias ainda oferece instrumentos ou recursos que estiveram lá desde sempre, mas que não haviam sido notados ou testados para determinadas finalidades. Ela ainda surpreende, de maneira positiva, a quem a utiliza cotidianamente.

Algumas reformas ocorreram, desde o seu advento, umas melhores do que as outras, mas todas, de modo geral, necessárias para incorporar novas práticas ou técnicas de manejo das relações societárias, decorrentes da inventividade humana ou das tecnologias desenvolvidas ao longo de décadas.

Uma das principais virtudes da lei da SAF (lei 14.193/21) consiste, justamente, no seu entrosamento, ou melhor, na sua dependência da lei das companhias. Ao invés da criação de um tipo societário autônomo, optou-se pela instituição de um subtipo, com um micro regramento próprio e dependente de um macro regramento (ou seja, geral).

Disso resultou uma base sólida, sob uma estrutura que oferece agilidade ou plasticidade para adaptações, conforme situações e necessidades concretas. A SAF pode ser fechada ou aberta, o clube pode ser controlador totalitário ou majoritário da SAF, acionista minoritário ou, ainda, não deter qualquer participação. A SAF pode ser criada mediante transformação do clube ou em decorrência da transferência de ativos do clube para ela.

Não há um modelo formalmente ideal, certo ou errado; mas há modelos adequados para situações específicas; assim como modelos equivocados para as mesmas (ou outras) situações.

Importante: além da variação modelar, para o bem ou para o mal, que caberá aos gestores dos clubes identificar e implementar, também se deve levar em conta a natureza, o histórico e as pretensões de potenciais investidores. Disponibilidade de recursos, ou a promessa de disponibilização, deve ser avaliada em conjunto com os demais fatores. Assim se caminha para a adequação da pretensão com a possibilidade.

A notícia de que o Real Madrid estaria burilando um modelo que viabilizasse a atração e o ingresso de investidor1, algo inédito, sob a forma societária, na história desse clube, expressa, de algum modo, a mesma procura pela idealidade que se tem visto, por parte dos clubes brasileiros, desde que a lei da SAF passou a integrar o sistema, em 2021.

Tudo o que vem do Real Madrid se torna superlativo e a tal busca pelo ideal cria a expectativa de uma propositura jamais pensada, que tenha atributos para chacoalhar o sistema - ao menos o europeu.

Do que se ouviu ou leu, até agora, a única - e efetiva - novidade, que nem tão nova é, consiste no abalo, talvez definitivo, da viabilidade de resistência do clubismo, como forma de organização empresarial.

Se o Real Madrid aderir ao óbvio, os últimos grandes resistentes, notadamente brasileiros e argentinos, que ainda se apoiam nele, perderão a muleta e o discurso, e terão que forjar nova tese para manutenção dos interesses e privilégios cartolariais. 

Aliás, eis um ponto interessante, presente no projeto madrilenho: afirma-se, como princípio, meio e fim, a perseverança da identidade do clube e de seus associados, espécies de guardiões da história e da tradição.

A lei da SAF concebeu, em mesmo sentido, instrumentos inafastáveis de controle e manutenção de elementos originadores e caracterizadores do time, além de permitir que o processo constitutivo da SAF se opere por intermédio de uma transferência de ativos (e não de transformação), de modo a reforçar a personalidade e a autonomia patrimonial do clube - e de suas relações associativas internas.

A participação de associados, por intermédio do próprio clube ou de nova empresa, formada para acomodá-los societariamente, em substituição de seus títulos patrimoniais ou mesmo em adição, são caminhos que já foram estudados no Brasil, por ocasião da elaboração da lei da SAF e, posteriormente, como vias de convergência de interesses entre clubes e investidores.

Há realmente muita coisa interessante acontecendo ou em debate no Brasil, no plano do futebol e da SAF, que serve como referência local ou internacional. Com menos de 5 anos de vida, caminhando para a celebração das bodas de madeira (ou de ferro), sua plasticidade e resiliência vêm sendo testadas em projetos consumados como os do Bahia, Galo, Cruzeiro, Botafogo e Coritiba, dentre muitos outros, e em mais alguns que se encontram em gestação, como o do Santa Cruz.

E há, ainda, proposições que testam (positivamente) a lei e o mercado, com origem exógena ao clube, concebidas, porém, para salvamento e resgate de história e credibilidade.

Nisso a Safiel se distingue do projeto madrilenho pois, apesar da grandiosidade da torcida corintiana, o modelo concebido por grupo de torcedores missiona salvar o time, atendendo ao chamamento contido na primeira estrofe de seu hino, a fim de reposicioná-lo entre as entidades hegemônicas, ao contrário do presidente do Real Madrid, que tenciona implementar um plano de dominação local, regional e planetária.

O Brasil, para quem ainda não percebeu, vem se posicionando como o mais instigante e intrépido ambiente futebolístico do planeta, isso antes mesmo da chegada dos grandes e robustos investidores no setor do entretenimento e do esporte. É daqui que se poderá ditar o futuro do futebol mundial.

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1 Disponível aqui. Acesso em 25/11/2025.