COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas

Migalha Trabalhista

Textos direcionados a comentar novidades legislativas que possam propiciar uma visão contemporânea sobre assuntos que estejam na ordem do dia na área trabalhista/sindical.

Ricardo Calcini
Sempre fomentador de polêmica, mais uma vez está em pauta o tema das plataformas eletrônicas de aplicativo de entrega. Desta vez, o assunto tomou notoriedade após a promulgação da lei 14.297, de 5 de janeiro de 2022, a qual dispõe sobre medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus. Segundo o artigo 3º do dispositivo supramencionado, a empresa de aplicativo de entrega deve contratar seguro contra acidentes, sem franquia, em benefício do entregador nela cadastrado, exclusivamente para acidentes ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços, devendo cobrir, obrigatoriamente, acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte. Ainda, o artigo 4º da lei estabelece que a empresa de aplicativo de entrega deve assegurar ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias, o qual pode ser prorrogado por mais 2 (dois) períodos de 15 (quinze) dias, mediante apresentação do comprovante ou do laudo médico1.  Coincidência ou não, um dia após a promulgação da referida lei, uma das maiores plataformas eletrônicas de aplicativos de entrega do país, a Uber Eats, anunciou que irá encerrar as operações dos serviços de entrega de comida de restaurantes no Brasil até 7 de março, sob o argumento de que focará em duas frentes principais no segmento de delivery: a entrega de compras de supermercados, atacadistas, lojas especializadas e a de entrega de pacotes. Vê-se claro que a norma legal não faz nenhuma distinção entre a prestação de serviços para entrega de comida pelo sistema delivery, ou qualquer outro tipo de mercadoria, como, por exemplo, pacotes, supermercados, bastando que a empresa tenha objetivo social a intermediação, por meio de plataforma eletrônica, entre o fornecedor de produtos e serviços de entrega e o seu consumidor. Não só isso, outras polêmicas surgirão em torno de tal questão, por exemplo, se a obrigatoriedade na contratação de seguro contra acidentes aos entregadores que prestam serviços por intermédio de empresa de aplicativo de entrega irá proteger os prestadores ou se referida norma irá reduzir o mercado de trabalho. Na legislação brasileira não havia, até o presente momento, norma que obrigasse as empresas de aplicativos de entrega a efetivar a contratação seguro de acidentes pessoais para os entregadores. É bem verdade que a empresa de aplicativo de entrega Ifood já fornecia aos seus entregadores seguros contra acidentes pessoais, o qual, no entanto, não se enquadra nos requisitos da nova lei. Isso porque o aplicativo de entrega não assegura ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias, muito menos a prorrogação do benefício por mais 2 (dois) períodos de 15 (quinze) dias. A nova lei se situa mais benéfica aos prestadores de serviço em razão dos trabalhadores de empresa de entrega, afinal essas se responsabilizam somente pelos primeiros 15 dias de afastamento do trabalhador, ficando em caso de necessidade de maior afastamento o custeio às expensas a cargo do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Diante do alto índice de desemprego no Brasil, muitos trabalhadores buscam outras vias para sobreviver, em especial por meio de atividades autônomas ou informais. Aqui, no caso, a entrega de mercadorias por intermédio das plataformas digitais, importante reconhecer que as empresas de aplicativo surgem como uma boa oportunidade a oferecer uma atividade remunerada através de um trabalho flexível sem burocracia. Sem esgotar outras conclusões sobre o assunto, podemos inferir que as empresas de plataformas digitais poderão se acuar com tais responsabilidades que foram endereçadas pela nova legislação, tomando medidas para amenizar o que consideram como prejuízo, dentre elas, aumento nas taxas de entrega, limite para credenciamento de entregadores e, até mesmo, a desativação da plataforma, causando consequente aumento no número de pessoas que permanecem inativas no mercado de trabalho. Por fim, sempre permanecerá a polarização entre as opiniões, se a referida lei veio para conferir maior proteção aos entregadores, ou veio trazer novos custos e maior burocratização para as empresas de plataformas digitais de entrega, cabendo apenas ao tempo o deslinde desse embate.  __________ 1 § 2º. A concessão da assistência financeira prevista no caput deste artigo está condicionada à apresentação de comprovante de resultado positivo para covid-19 - obtido por meio de exame RT-PCR - ou de laudo médico que ateste condição decorrente da covid-19 que justifique o afastamento.  
1.Introdução Os agentes de tratamento são o controlador e o operador e estes poderão responder solidariamente por desconformidades, já que a Lei Geral de Proteção de Dados reconhece a responsabilidade solidária entre os agentes de tratamento, resguardas as situações nas quais existe excludente de responsabilidade de ambos, ou do operador. A LGPD preconiza no artigo 5, inciso IX, que o controlador e o operador são agentes de tratamento.   O controlador é o agente de tratamento responsável, ao qual competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. Este é quem determina os objetivos e meios do processamento, assim como os seus meios e objetivos. Na legislação da União Europeia, o controlador se denomina contratante, ou responsável pelo tratamento e passou a ser tarefa imprescindível, na jornada de implementação e conformidade, definir quem é o controlador e quem é o operador. Em regra, o controlador é uma entidade que decide sobre os elementos-chave de um processamento. Já o operador trata dados, de acordo com as instruções do controlador. Podemos dizer que consiste em uma verdadeira "terceirização de atividades de tratamento" para outras entidades, seja por pessoas jurídicas, ou naturais, Não existe  impedimento para uma pessoa natural ser contratada como operadora em atividades específicas de tratamento de dados, sendo considerada operadora de dados, mas os empregados, os servidores públicos, os sócios, assim como outras pessoas naturais, que integram e estão vinculados a uma pessoa jurídica, expressando sua vontade, não poderão ser considerados agentes de tratamento, operadores, ou controladores, neste cenário. Na verdade, a entidade responderá pelos atos destes prepostos que agem e tratam dados em seu nome. O Parecer 1/2010 do Grupo de Trabalho do artigo 29, na União Europeia, ainda elaborado durante a vigência da Diretiva 95/46/CE, sobre os conceitos de responsável pelo tratamento, ou controlador e operador, ou subcontratante, WP 169, já nos brindava com o conceito de responsável pelo tratamento dos dados e trazia a sua relação com o conceito de subcontratante, que corresponde ao operador, no Brasil. O controlador, era inicialmente denominado, na Convenção 108 do Conselho da Europa, de 'responsável pelo ficheiro', e o termo foi substituído por "responsável pelo tratamento" de dados pessoais. A Diretiva introduziu também o conceito de "subcontratante", que não era mencionado na Convenção 108. Os conceitos iniciais foram formulados durante as negociações relativas ao projeto de proposta da Diretiva 95/46/CE, no início da década de 90 e o conceito inicial de responsável pelo tratamento foi basicamente retirado da Convenção de número 108 do Conselho da Europa, adotada em 1981.   BRASIL EQUIVALENTE NA UNIÃO EUROPEIA CONTROLADOR RESPONSÁVEL OPERADOR SUBCONTRATANTE   2.Identificando os agentes de tratamento A LGPD do Brasil se inspirou inicialmente na Diretiva 94/46/CE, foi promulgada e entrou em vigor durante o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia. É importante destacar que o Regulamento Geral de Proteção de Dados revogou a Diretiva, mas incorporou suas bases legais de legitimidade de tratamento, princípios, assim como vários institutos e conceitos, como dos agentes de tratamento, responsável e subcontratante.  No Brasil, os agentes de tratamento, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados, são: o controlador e o operador. CONTROLADOR: é agente de tratamento e poderá ser uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados6 pessoais. É o agente de tratamento responsável, principal. OPERADOR: é agente de tratamento e poderá ser uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador. O principal elemento distintivo entre estes atores é o poder de decisão, admitindo-se que o controlador forneça instruções para que um terceiro ("operador") realize o tratamento em seu nome. Um controlador pode compartilhar dados, por exemplo, para um contador, uma empresa de folha de pagamento, uma transportadora, um courrier, entre outros, os quais apenas poderão tratar dados de acordo com as instruções claras do controlador, não podendo utilizá-los para finalidade distinta, ou além daquela determinada pelo controlador. O operador, subcontratante, na União Europeia, poderá apenas decidir sobre certos assuntos, como, por exemplo, qual software usar, segregação de acesso e outras medidas técnicas e administrativas de segurança da informação, o que não altera seu papel como operador. Talvez ficasse mais claro, se no Brasil tivéssemos repetido as nomenclaturas eleitas e utilizadas pela legislação da União Europeia, não dando uma falsa ideia de que o empregado, um servidor, uma equipe, ou departamento, poderiam ser agentes de tratamento e assim polo passivo em uma ação judicial dos entes legitimados para ações civis públicas, ou mesmo em uma ação individual, ou uma sanção da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Esta diferenciação é fulcral não apenas para os profissionais especializados na área, mas também para o cidadão comum e principalmente em uma implementação por uma empresa ou entidade, principalmente pelo papel assumido pelo controlador, como responsável pelas atividades de tratamento, que detém poder de decisão. Tínhamos já anteriormente importantes documentos que nos ajudavam na interpretação da Lei Geral de Proteção de Dados e nas diferenças entre os agentes de tratamento e mesmo o DPO, ou encarregado, (o qual não é agente de tratamento), como a guideline da União Europeia de número 07/2020 do CEPD (Comitê Europeu de Proteção de Dados) e o anterior parecer do Grupo de Trabalho do Artigo 29 de número 1/2010.  A Autoridade Nacional de Proteção de Dados, no Brasil, preocupada com a identificação dos agentes de tratamento e as dúvidas recorrentes sobre esta temática, constatada não apenas em empresas privadas, mas principalmente em órgãos públicos, publicou o "Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado"1, em 2021, o qual pode ser encontrado no site do governo federal. De acordo com este guia, os agentes de tratamento (controlador e o operador) poderão ser pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado, devendo estes ser definidos a partir de seu caráter institucional. Importante destacar que os empregados, como subordinados, os servidores públicos, ou as equipes de trabalho de uma organização, não serão considerados controladores (autônomos ou conjuntos), nem operadores já que atuam sob o poder diretivo do agente de tratamento.2 Desta forma, um contador que trabalha internamente, como empregado, assim como um departamento de contabilidade, com empregados da entidade controladora, os quais são vinculados à pessoa jurídica, não são agentes de tratamento. Já se a empresa controladora contratar um contador pessoa natural externo, ou um escritório externo de contabilidade, por exemplo, estes passarão a ser operadores. Destaquemos ainda, que o guia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados ainda preconiza que: sempre que falamos de pessoa jurídica, a organização é que será o agente de tratamento para os fins da Lei Geral de Proteção de Dados, sendo que esta que estabelecerá as regras para o tratamento de dados pessoais, as quais serão executadas por seus representantes ou prepostos. A pessoa jurídica, sempre que esta existir, será o agente de tratamento, controlador ou operador. Será controlador se tomar decisões e der instruções sobre as atividades de tratamento. Será operador se seguir estas instruções e apenas tratar os dados de acordo com as orientações lícitas daquele. Gerentes, sócios e empregados do controlador são vinculados a este e quem responde é o controlador.  Empregados e outras pessoas naturais vinculadas ao operador também atuarão em nome deste. Isto é, se um empregado, ou gestor, der causa a um vazamento, assim como um servidor, o responsável será o agente de tratamento, empresa ou entidade empregadora, restando àquele a possibilidade de sofrer sanções disciplinares, que lhe poderão ser impostas pelo empregador agente de tratamento, desde uma advertência até uma justa causa, dependendo da proporcionalidade, gravidade e reincidência, além da possibilidade de ação regressiva por dolo ou culpa, se houver prévio ajuste contratual, nos termos do artigo 462 da CLT, parágrafo 1º. Do mesmo modo responderá um servidor, nos termos da Constituição Federal de 1988, artigo 37, parágrafo 6º. Sendo responsável, é muito importante o agente de tratamento colocar no contrato de trabalho de seus empregados o dever de sigilo, no tratamento de dados, além de ter uma política de segurança da informação com instruções, da qual o empregado irá assinar termo de responsabilidade de que seguirá as orientações, além dos termos de confidencialidade.  Também deverão ser oferecidos treinamentos de segurança da informação. A política de segurança da informação deverá incluir cláusulas como a política da mesa limpa e da tela limpa, proibição de permanência em outros setores, proibição de compartilhamento de senhas, entre outras instruções. Outro ponto importante é que o agente de tratamento será definido para cada operação de tratamento de dados pessoais e por conclusão a mesma empresa ou organização poderá ser controladora e operadora, mas apenas se em tratamentos distintos e de acordo com sua atuação, em diferentes operações de tratamento. Por exemplo, um contador geralmente é operador quando faz atividade de departamento pessoal, assim como em relação aos próprios empregados, mas será controlador em eventual auditoria. 3. Pessoa natural como agente de tratamento  Quando a Lei Geral de Proteção de Dados conceitua controlador e operador e traz que estes podem ser pessoas naturais não está se referindo a empregados, equipes, departamentos, gestores, sócios e nem servidores. Se estes fossem agentes de tratamento, os empregados e servidores passariam a estar no polo passivo de ações individuais e coletivas, nos termos do artigo 42 da LGPD e poderiam sofrer sanções da Autoridade Nacional, a qual, na sua função educativa, entre outras, como de conscientizar, regulamentar, fiscalizar o cumprimento da LGPD e aplicar sanções, em seu primeiro guia do Brasil, já demonstrou a preocupação com a possibilidade deste cenário com as interpretações equivocadas, no Brasil, ao eleger este tema como o primeiro para a elaboração de um guia orientativo, entre tantos temas a tratar e regulamentar. Uma pessoa natural poderá ser controladora, como, por exemplo, um advogado, ou um médico tratando os prontuários de seus pacientes, já que estes tomam decisões nas atividades de tratamento. Da mesma forma, um vendedor que tem sua tenda de pipoca, ou cachorro quente, ou uma pequena loja, mas nunca os empregados vinculados a estes. Estas entidades serão controladoras sempre que atuarem de acordo com os próprios interesses e tiverem poder de decisão sobre as finalidades e os elementos essenciais de tratamento e serão operadoras quando atuarem de acordo com os interesses do controlador, sendo-lhes facultada apenas a definição de elementos não essenciais à finalidade do tratamento. O guia da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, da mesma forma que a guideline 07/2020, da União Europeia, reza que os funcionários atuarão em subordinação às decisões do controlador, não se confundindo, portanto, com os operadores de dados pessoais: "Daí decorre que não são controladoras as pessoas naturais que atuam como profissionais subordinados a uma pessoa jurídica ou como membros de seus órgãos. É o caso de empregados, administradores, sócios, servidores e outras pessoas naturais que integram a pessoa jurídica e cujos atos expressam a atuação desta. Nesse sentido, a definição legal de controlador não deve ser entendida como uma norma de distribuição interna de competências e responsabilidades. De forma diversa, trata-se de comando legal que atribui obrigações específicas à pessoa jurídica, de modo que esta assume a responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes e prepostos em face dos titulares e da ANPD"3 Trazemos alguns exemplos didáticos trazidos pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Um ótimo exemplo seria considerarmos uma relação existente entre uma empresa A e sua contabilidade, ou uma empresa de gestão de folha de pagamento, ou mesmo uma nuvem, sendo que a empregadora tomará as decisões sobre o tratamento destes dados. Neste exemplo, a empresa empregadora seria a controladora, a qual toma as decisões referentes aos tratamentos dos dados pessoais, enquanto a segunda (contabilidade, empresa de gestão de folha de pagamento ou uma nuvem) seria a operadora, já que realiza os tratamentos em nome do controlador. A empresa de contabilidade, operadora, receberá os dados coletados pela controladora. Estes dados serão compartilhados e realizar-se-á o tratamento, de acordo com as suas orientações e determinações, além da finalidade indicada pela controladora e caso venha a realizar qualquer tratamento de dados fora do que foi orientado pelo controlador, a contabilidade será responsabilizada. 4.Exemplos práticos do Guia Orientativo da Autoridade Nacional de Proteção de Dados para Definições dos Agentes de Tratamento da Autoridade Nacional de Proteção de Dados "Exemplo 1 - Médica profissional liberal: Uma médica, profissional liberal, armazena os prontuários e os demais dados pessoais de seus pacientes no computador de seu consultório. A médica, pessoa natural, é a controladora dos dados pessoais."[4] (destaques nossos) "Exemplo 2 - Médica empregada de um hospital: Uma médica é empregada de um hospital, constituído sob a forma de associação civil sem fins lucrativos. Nessa condição, atua como principal representante do hospital junto a um serviço de armazenamento de dados de pacientes em nuvem, inclusive assinando os contratos correspondentes. O hospital, isto é, a associação civil, pessoa jurídica de direito privado, é o controlador na hipótese. A médica, por atuar sob o poder diretivo da organização, não se caracteriza como agente de tratamento."5(destaques nossos) "Exemplo 3 - Servidores públicos: Uma autarquia, entidade da administração pública indireta, com personalidade jurídica própria, deseja utilizar um novo software para aprimorar o gerenciamento dos funcionários da instituição. Para isso, a Secretaria de Gestão Corporativa da entidade delega à Diretoria de Gestão de Pessoas (DGP) a tarefa de determinar os meios pelos quais este software será implementado. Após algumas reuniões, a DGP decide pela contratação da empresa terceirizada SIERRA para desenvolver o software em parceria com a equipe interna da Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI). Embora a delegação de decisão quanto aos meios para a DGP possa sugerir que essa diretoria atue como operadora de dados, esta não é a análise correta: como a DGP é uma unidade administrativa da autarquia, a delegação interna não altera o papel do agente de tratamento, uma vez que, como exposto, o operador será sempre pessoa distinta do controlador. O mesmo raciocínio se aplica para a DTI. Desse modo, a autarquia será a controladora de dados e a empresa SIERRA será a operadora de dados. A Secretaria e as Diretorias, assim como os seus respectivos servidores, são apenas unidades organizacionais do ente controlador de dados, razão pela qual não se caracterizam como agentes de tratamento."6(destaques nossos) "Exemplo 4 - Órgão público contratante de um serviço de inteligência artificial: Um órgão público, vinculado à União, contrata uma solução de inteligência artificial fornecida por uma sociedade empresária com a finalidade específica de realizar o tratamento automatizado de decisões com base em um banco de dados gerido pelo órgão. Seguindo as instruções fornecidas pelo gestor público responsável e estabelecidas em contrato, a sociedade empresária realiza as operações necessárias para viabilizar o tratamento dos dados em questão. A União, pessoa jurídica de direito público, é a controladora na hipótese. Não obstante, o órgão público responsável detém obrigações legais específicas em face dos titulares e da ANPD, conforme previsto na LGPD. A sociedade empresária é a operadora, uma vez que realiza o tratamento dos dados conforme as instruções fornecidas pelo controlador. Por fim, o gestor público responsável, por atuar como servidor público subordinado à União, não se caracteriza como agente de tratamento." 7(destaques nossos) 5. Controladoria conjunta Sempre que estivermos diante de mais de um responsável pelo tratamento de dados pessoais, ambos com poder de decisão, tomando decisões conjuntas, teremos uma controladoria conjunta. Estes agentes responderão solidariamente nos termos do artigo 42, parágrafo 1º, inciso II, que reza que os controladores que estiverem diretamente envolvidos no tratamento do qual decorrerem danos ao titular dos dados respondem solidariamente, salvo nos casos de exclusão previstos no artigo 43 da LGPD.  Diferente do que ocorre quando compartilhados dados para pagamento de empregados em um banco, um órgão do governo, ou um plano de saúde, que tomam decisões independentes, sendo os responsáveis por seus tratamentos, como controladores independentes.  A controladoria conjunta estará presente sempre que presentes critérios trazidos pela guideline 07/208 do CEPD da União Europeia e que o Guia orientativo da ANPD para definições de agentes de tratamento for observado: 1- Deverá existir o poder de decisão no tratamento de dados pessoais conjunto, ou de mais de um agente de tratamento. 2- Deverá existir interesse mútuo de pelo menos dois controladores e que tenham finalidades próprias no mesmo tratamento. 3- Estes controladores conjuntos deverão tomar decisões conjuntas, comuns ou convergentes, tanto sobre os elementos essenciais como sobre as finalidades do tratamento.  Importante destacarmos que todos os critérios deverão ser seguidos concomitantemente para termos controladores ou responsáveis conjuntos. Seguem alguns exemplos de controladores conjuntos do Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento: "Exemplo 1 - Campanha de marketing de empresas I: decisões comuns. As empresas ARGENTINA e BRASIL lançaram um produto de marca conjunta COSMÉTICO e desejam organizar um evento para promover este produto. Para esse fim, decidem compartilhar dados de seus respectivos clientes e banco de dados de clientes potenciais e decidir sobre a lista de convidados para o evento com base nesses dados. Eles também concordam sobre as modalidades de envio dos convites para o evento, como coletar feedback durante os eventos e sobre as ações de marketing de acompanhamento. Por fim, contratam a agência de marketing DINAMARCA para executar a campanha. A agência traz sugestões de como os clientes poderiam ser mais bem alcançados e define os canais, ferramentas e produtos da campanha. As empresas ARGENTINA e BRASIL podem ser consideradas controladores conjuntos para o tratamento de dados pessoais relacionados com a organização do evento e promoção do produto da marca COSMÉTICO, por terem definido, em conjunto, a finalidade e os elementos essenciais dos dados tratados nesse contexto. Já a agência de marketing DINAMARCA atuará como operadora de dados para as empresas ARGENTINA e BRASIL. Ainda que opine sobre os meios de tratamento, ela não é a responsável pela tomada de decisão final, limitando-se a definir elementos não essenciais como os canais, ferramentas e produtos da campanha. Caso a agência de marketing DINAMARCA contrate serviços de terceiros de armazenamento de dados em nuvem, por exemplo, essa empresa prestadora de serviços será caracterizada como suboperadora." 9( destaques nossos) "Exemplo 2 - Campanha de marketing de empresas II: decisões autônomas Considere-se agora que a campanha descrita no exemplo anterior foi tão bem-sucedida que, em um segundo momento, a empresa ARGENTINA contrata a agência de marketing DINAMARCA para divulgar seus produtos ESPELHO e FACA. Pouco tempo depois, a empresa BRASIL toma a mesma decisão para divulgação dos produtos GARRAFA e HALTERE. Ambas as empresas passam a usar a lista de clientes que haviam compartilhado anteriormente. Nesta situação, que envolve a divulgação de produtos produzidos exclusivamente pela empresa ARGENTINA ou pela empresa BRASIL, estas atuarão como controladores singulares, cada uma atuando em suas próprias campanhas. A agência de marketing DINAMARCA continuará como operadora de dados para cada empresa." 10( destaques nossos) A Lei Geral de Proteção de Dados atribui maior responsabilidade ao controlador, ainda que havendo responsabilidade solidária entre os agentes de tratamento. Dentro de suas atribuições este deverá elaborar Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, comunicar incidentes à ANPD, elaborar o ROPA (registro das atividades de tratamento de dados pessoais) e sua responsabilidade se dá nos termos dos artigos 42 a 45 da LGPD. Os controladores, assim como os operadores, serão obrigados a reparar qualquer dano que provocarem, seja patrimonial, moral, individual ou coletivo, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, em violação à LGPD. O operador deverá agir de acordo com as obrigações previstas na LGPD e seguir as orientações lícitas do controlador, caso contrário, responderá, solidariamente, pelos danos causados em razão do tratamento de dados pessoais realizado. Qualquer desconformidade à Lei Geral de Proteção de Dados, ou a não observância a um ou a mais de um dos seus dispositivos poderá gerar sanções da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ou de outras entidades, como o Procon, nas relações de consumo, além de ações individuais e coletivas, no judiciário, com pedido de dano moral individual ou coletivo e eventual dano material. No rigor da lei, o tratamento de dados pessoais será irregular quando deixar de observar a legislação ou quando não fornecer a segurança que o titular pode esperar. Conclusão Diante de uma nova cultura e um novo cenário que nasceu, em virtude da crescente necessidade de proteção aos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, trazida principalmente por novas tecnologias muitas vezes imperceptíveis e por um mundo novo dominado por tecnologia e algoritmos, em que os controladores passam a ser responsáveis pelo compromisso, isoladamente ou em conjunto, com diferentes graus de autonomia e responsabilidade, assim como os operadores, ambos agentes de tratamento, assumindo a responsabilidade pelas suas atividades de tratamento, não seria justo transferir esta responsabilidade aos seus trabalhadores, equipes, departamentos, diretores, gerentes e outros empregados, assim como aos servidores. Os empregados, administradores, sócios, servidores e outras pessoas naturais são apenas vinculados à pessoa jurídica, ou uma entidade e seus atos expressam a atuação desta, podendo responder apenas posteriormente, em ação regressiva, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, se empregados, por dolo, ou culpa, quando ajustado contratualmente e até ser dispensados por justa causa, ou nos termos de outras legislações para os demais, ao descumprirem as políticas internas de segurança da informação e instruções da empresa. Mesmo os sócios não responderão inicialmente, em eventual demanda judicial, mas sim a entidade, sem que haja inicialmente um incidente de desconsideração de personalidade jurídica, ou por sanções da ANPD. Com exemplos específicos trazidos e retirados da experiência diária das autoridades de proteção de dados em guias e pareceres, neste pequeno artigo, fizemos esforços em orientar e contribuir de forma clara, eficaz e didática, em uma das dúvidas que mais nos deparamos nas entidades que iniciam esta nova jornada de conformidade, que não terá mais volta, devido ao avanço tecnológico que vivemos e tende a aumentar.  ________________ 1 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. Disponível aqui. 2 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. Disponível aqui. Acesso em 25 jun 2021 3 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  4 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  5 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  6 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. 7 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.  8 EDPB, Guidelines 07/2020 on the concepts of controller and processor in the GDPR, set. 2020. Disponível aqui. Acesso: 25 jun. 2021. 9 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO. 10 ANPD. GUIA ORIENTATIVO PARA DEFINIÇÕES DOS AGENTES DE TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS E DO ENCARREGADO.
O presente texto se presta a desenvolver a temática acerca do entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho em relação ao enquadramento sindical do trabalhador rural, especialmente daquele que presta serviços para empresas que exploram mais de um ramo de atividade, a exemplo da agroindústria. Como ponto de partida para tal análise cabe considerar que a Constituição Federal de 1988, junto ao seu artigo 8º, assegurou à classe dos trabalhadores o direito à livre associação profissional ou sindical. A liberdade sindical se refere ao direito conferido aos trabalhadores e empregadores de se reunirem e de constituírem, livremente, sem interferência ou intervenção do Poder Público, em suas entidades sindicais representativas das respectivas categorias. A finalidade dos sindicatos é a defesa dos interesses coletivos e individuais da categoria que representa - profissional (dos trabalhadores) ou econômica (dos empregadores). Verifica-se, pois, que o modelo de organização sindical adotado pelo ordenamento jurídico pátrio é por categorias. José Antonio Pancotti, em artigo intitulado "aspectos do enquadramento sindical rural"I, trouxe como definição de categoria profissional o agrupamento de pessoas que exercem a mesma profissão, a mesma atividade laboral, em um determinado ramo do processo produtivo, que se reúnem por força de interesses comuns que se pretende tutelar, defender ou perseguir. O referido autor assinala que a categoria econômica é caracterizada pelo agrupamento de empregadores ou de empresas de um determinado setor de atividade econômica, seja produtivo de bens ou de serviços. Registra-se que há, ainda, a categoria profissional diferenciada, prevista no artigo 511, §3º, da CLT, conceituada como aquela formada por pessoas submetidas a estatuto profissional próprio ou que realizem trabalho que as distingue dos outros trabalhadores vinculados à mesma empresa ou empregador. Ao lado de tal forma de organização das entidades sindicais, por categorias, existe a questão do enquadramento sindical que, para fins de análise do tema ora proposta, se refere à definição da filiação, pelo trabalhador, à determinado sindicato. A CLT, em seu artigo 581, §2º, dispõe que o enquadramento sindical se relaciona à atividade econômica preponderante do empregador. De acordo com tal disposição legal, para fins de filiação ao sindicato representativo da categoria profissional, é irrelevante a formação do empregado, tampouco a profissão por ele exerce. Inclusive, este era o entendimento predominante do  TST, conforme se verifica pela ementa abaixo: "EMBARGOS. ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES EXERCIDAS PELO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO URBANO OU RURAL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. EXTINÇÃO DO CONTRATO ANTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 28/2000. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior consagra tese no sentido de que a atividade preponderante da empresa determina o enquadramento do obreiro como trabalhador rural ou urbano. Irrelevante, portanto, para a caracterização do trabalho rural o exame das peculiaridades da atividade desenvolvida pelo empregado. 2. Uma vez incontroverso que a reclamada dedicava-se precipuamente a atividade econômica rural - Fazenda Santa Fé Ltda. -, afigura-se correto o enquadramento do trabalhador como rurícola, consoante dispõem os artigos 2º e 3º da Lei n.º 5.889/73. (...)" (E-RR-652970-73.2000.5.09.5555, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Lelio Bentes Correa, DEJT 29/05/2009 - g.n.). Registre-se que o trabalho rural é regulado pela lei 5.889, de 8 de junho de 1973, estando regulamentado pelo decreto 73.626, de 12 de fevereiro de 1974. A legislação especial em comento define quem são os sujeitos da relação de trabalho rural: o empregado e o empregador rural. Segundo o artigo 2º da lei 5.889/73, empregado rural é "toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário." Destaca-se que a identificação do empregado rural se condiciona ao preenchimento dos seguintes requisitos: a) prestação de serviços para empregador rural (de modo a se concluir que a identificação do empregado rural se relaciona à definição do empregador rural); e b) prestação de serviços em estabelecimento rural. Empregador rural, por sua vez, é a "pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados" (artigo 3º, lei  5.889/73). Note-se que a circunstância determinante da definição do empregador rural é a exploração de atividade agro-econômica. O artigo 2º, §4º, do decreto 73.626/74, afirma que se enquadra em atividade agro-econômica a exploração industrial em estabelecimento agrário, assim considerada a que compreende o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em sua natureza, tais como: (I) o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou vegetal para posterior venda ou industrialização; (II) o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior. Decorre desse dispositivo legal que são consideradas rurais as empresas agroindustriais, ou seja, que explorem os ramos de atividade agrária e industrial, não transformadoras do produto agrário. Por outro lado, as empresas que desenvolvem atividades relacionadas à transformação da matéria-prima, por meio de algum processo industrial, são tidas como preponderantemente industriais. Saliente-se que a legislação especial ainda prevê duas outras hipóteses de enquadramento como empregador rural, de acordo com o artigo 3º da lei 5.889/73 - com redação dada pela lei 13.171/15 e com o artigo 4º da lei 5.889/73. Com efeito, conjugando o disposto no artigo 581, §2º, da CLT, com o fato de que a legislação especial reguladora das relações de trabalho rural condiciona a identificação do trabalhador rural à definição do empregador rural, o TST passou a entender que "é a natureza jurídica das atividades exercidas pelo empregador que qualifica o obreiro em urbano ou rural, e não as funções efetivamente por ele desempenhadas" II, conforme já afirmado linhas acima. Ou seja, havendo uma empresa que explorasse atividade industrial de forma predominante, embora também contasse com o desenvolvimento de atividade agrícola, o trabalhador vinculado a tal empresa era enquadrado como urbano, inobstante sua função estivesse estritamente ligada ao campo. Em meados de 2012, nos termos da Orientação Jurisprudencial 419-SBDI-1, o TST consolidou o entendimento de que seria considerado rurícola o empregado que, independentemente da atividade exercida, prestasse serviços a empregador rural, mesmo que este explorasse atividade agroindustrial.III Tal entendimento, à época de sua sedimentação, tinha como objetivo tratar da caracterização do trabalhador rural para efeito da prescrição. Todavia, o verbete trazia a expressão "enquadramento" gerando determinada confusão, implicando no surgimento de conflitos relativamente à representatividade dos trabalhadores de empresas agroindustriais. A OJ 419 da SBDI-1 do TST acabou por resultar na alteração do enquadramento sindical de vários trabalhadores da agroindústria, conforme se verifica pela ementa da decisão abaixo transcrita: "AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. TRABALHADOR RURAL. ENQUADRAMENTO E PRESCRIÇÃO. DECISÃO DA TURMA COM BASE NAS ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS 417 E 419/TST. DESPACHO QUE NÃO ADMITE O RECURSO DE EMBARGOS. Conforme se depreende do despacho agravado e do acórdão turmário, a controvérsia referente ao enquadramento e à prescrição do trabalhador rural foi dirimida em harmonia com o entendimento das Orientações Jurisprudenciais 419 e 417 da SBDI-1, respectivamente, porquanto indiscutível que o trabalhador exercia a atividade de mecânico para empresa agroindustrial, "cuja atividade preponderante consiste na produção de açúcar e álcool" (fl. 1471) e que a extinção do contrato de trabalho ocorreu em 1º/3/2004, com ajuizamento da ação em 6/5/2005, ou seja, contrato de trabalho vigente na época da promulgação da Emenda Constitucional 28, de 26/05/2000, e ação proposta dentro do prazo de cinco anos da publicação da aludida Emenda Constitucional. Nesse contexto, de correta aplicação de verbetes desta Corte, incide o óbice da parte final do inciso II do artigo 894 da CLT, que dispõe ser incabível o recurso de embargos "se a decisão recorrida está em consonância com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal", sendo despiciendo cogitar-se de especificidade de aresto. Agravo regimental conhecido e desprovido" (AgR-E-ED-RR-70500-10.2005.5.15.0120, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 30/04/2015). O que o TST fez, com a publicação da OJ em comento, foi considerar todo e qualquer empregado da agroindústria como rural, porém sem analisar as peculiaridades das funções exercidas pelo trabalhador, tampouco a atividade predominante da empresa. No entanto, como afirmado acima, o precedente não discutia a questão do enquadramento sindical, tanto assim que, em 27/10/2015, o Pleno do TST decidiu por seu cancelamento. Após tal ocorrência, para fins de enquadramento sindical do trabalhador que presta serviços ao empregador que explora atividade agroindustrial, a Corte Superior Trabalhista passou a considerar todas as circunstâncias fáticas relacionadas ao caso concreto: a atividade preponderante do empregador e as funções exercidas pelo trabalhador. Neste sentido, inclusive, vale trasladar ementa de recente decisão da SBDI-I, do TST, in verbis: "RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. USINA DE CANA-DE-AÇÚCAR. EMPRESA AGROINDUSTRIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR COMO URBANO OU RURAL. ANÁLISE DA ATIVIDADE EXERCIDA PELO EMPREGADOR OU PELO EMPREGADO . CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 419 DA SBDI-1 DO TST. Cinge-se a controvérsia a definir o critério de enquadramento do reclamante, que desenvolve suas atividades em empresa agroindustrial, na condição de trabalhador urbano ou rural. A c. Turma, partindo da premissa de que o reclamante laborava em empresa que desenvolvia atividade agroindustrial, aplicou a jurisprudência do TST no sentido de que " o enquadramento sindical é definido com base na atividade preponderante da empresa (art. 570 da CLT), excepcionada a situação dos empregados vinculados às categorias diferenciadas ", considerando, assim, despicienda a análise da questão pelo prisma da atividade do empregado. A Orientação Jurisprudencial 419 da SBDI-1 do TST espelhava a diretriz de que " Considera-se rurícola, a despeito da atividade exercida, empregado que presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, § 1º, da Lei nº 5.889, de 08.06.1973), visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento ". Tal verbete, no entanto, foi cancelado pela Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015. Com o cancelamento da OJ nº 419 da SBDI-1, esta Corte superior vem firmando entendimento de que relevante a análise das funções exercidas pelo trabalhador, ainda que prestadas à empresa rural, que desenvolve atividade agroindustrial, para definição do enquadramento do contrato de trabalho como rural ou urbano, não invalidado o critério da atividade preponderante do empregador para o referido enquadramento, analisando-se a circunstância caso a caso. Precedentes. Na hipótese, o reclamante exercia as atribuições de ajudante geral e soldador, enquadrando-se como trabalhador urbano. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-RR-69800-34.2005.5.15.0120, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/04/2021 - g.n.). Inegável que as considerações feitas no presente trabalho demonstram que houve uma evolução do entendimento adotado pelo TST sobre o enquadramento sindical do trabalhador rural, em especial daqueles que prestam serviços para empresas que exploram mais de um ramo de atividade. É fato que uma empresa pode desenvolver mais de uma atividade, a exemplo das empresas agroindustriais, que têm atividades ligadas à área agrícola e industrial. E, ainda, é fato que uma agroindústria pode não explorar atividade relativa à transformação do produto. Logo, para o fim de se concluir pelo enquadramento sindical do trabalhador de uma agroindústria, parece mais assertivo o entendimento que conjuga a análise do ramo de atividade preponderantemente explorado pela empresa às reais atribuições exercidas pelo trabalhador, haja vista traduzir o respeito e a observância ao princípio da realidadeIV, como também ao modelo de organização sindical por categorias adotado pela Justiça do Trabalho. _________________ I Disponível aqui. II RR-35700-32.1996.5.09.0671, 2ª turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 08/04/2011. III OJ 419 da SBDI-I/TST (CANCELADA). Considera-se rurícola empregado que, a despeito da atividade exercida, presta serviços a empregador agroindustrial (art. 3º, § 1º, da lei 5.889, de 08/06/1973), visto que, neste caso, é a atividade preponderante da empresa que determina o enquadramento. IV NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 349
Quem milita no âmbito processual trabalhista sabe que o "calcanhar de Aquiles" da Justiça Laboral, sem dúvida, é a fase de execução, quando o reclamante/exequente buscará receber os direitos que ganhou. Mas, não raramente, quando se chega nesta fase, o trabalhador por vezes acaba por não encontrar bens do seu "devedor principal", ou este não tem patrimônio suficiente para satisfazer a sua dívida, ainda mais na atual fase delicada que enfrentamos há mais de um e meio, face à pandemia mundial de Covid-19. A execução contra o devedor principal até a lei 13.467/17, caso este não tivesse bens suficientes a satisfazer o crédito trabalhista, era impulsionada de ofício pelo próprio Juiz (artigo 878, CLT), ou, a pedido do empregado/exequente, era direcionada contra os sócios da ex-empregadora. Partindo-se do pressuposto de que o sócio da devedora principal, beneficiado que foi pelos serviços prestados deveria ser responsabilizado patrimonialmente, se efetivava a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para então fazer com que o sócio respondesse também com seus bens particulares (artigo 50, CC). Corria assim a execução em face dos sócios ou até mesmo ex-sócios que respondiam pelas dívidas da sociedade até dois anos após a sua retirada, por força do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil. No entanto, após o advento da reforma trabalhista, foi criado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, semelhante ao existente no novel Código de Processo Civil de 2015, previsto no artigo 855-A da CLT, que assim dispõe:  "Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. § 1o  Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:  I - na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação;  II - na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;    III - cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal § 2o  A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)". (Grifamos). Assim, sob a égide da lei 13.467/17, somente é possível direcionar a execução contra os sócios do empregador mediante a instauração de procedimento específico, no caso, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme previsto no artigo 855-A da CLT. Com o advento da lei reformista, verifica-se que o direcionamento da execução contra os sócios do empregador ficou mais tortuosa, afinal, o credor não poderá mais pleitear ao Juízo que, no caso de inadimplência da empresa,  seja automaticamente direcionada a execução contra os seus sócios. Assim como o Juiz também não poderá de ofício direcionar a execução em face de tais dos sócios atuais e/ou retirantes da pessoa jurídica, visto que o artigo 878 da CLT, após o ano de 2017, só autoriza a execução de ofício nos casos em que as partes não estiverem assistidas por advogados.  Tratando-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) de um procedimento especial regulamentado por lei, não deve ele ser requerido por simples petição, na medida em que a parte deverá atender aos ditames dos artigos 133 a 137 do CPC, conforme determina o caput do artigo 855-A da CLT. E caso seja instaurado o incidente, o processo poderá ser suspenso, conforme disposto no artigo 855-A, §2º da CLT. De certa forma, a inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na CLT, pós-reforma trabalhista, com procedimentos específicos a serem observados, acabou aparentemente por proteger os sócios da ex-empregadora. Entrementes, na prática, os advogados dos reclamantes seguem pedindo por simples petição o direcionamento da execução contra os sócios da devedora principal, não seguindo os preceitos do artigo 855-A consolidado. Tais pedidos, na maioria das vezes, são indeferidos, obrigando os advogados dos credores a instaurar o devido IDPJ, o que nem sempre também ocorre na prática, afinal, o incidente provoca a suspensão do processo. Assim, como dito, a partir da reforma da trabalhista, o Juiz não mais autorizará o direcionamento da execução em face dos sócios da devedora principal, caso esta não detenha patrimônio necessário para satisfazer o crédito trabalhista. Havendo, lado outro, devedor subsidiário, contra este certamente será direcionada a execução a pedido do credor. Quando se tratar de empresa prestadora de serviços no processo trabalhista, será comumente declarada a responsabilização da tomadora de forma subsidiária, com fulcro na Súmula 331 do TST, cujo Item IV assim dispõe: "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial". Não mais se discute, atualmente, a ilicitude da terceirização, ante o julgamento do Tema 725 pelo STF (RE 958252), que fixou a seguinte tese: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Entrementes, o que não se pode perder de vista é que a execução trabalhista não pode ser arbitrariamente direcionada contra a empresa tomadora de serviços que tenha sido condenada de forma subsidiária, sem que se respeite o devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF/88), o direito ao contraditório e à ampla defesa (artigo, 5º, LV, CF/88), assim como o princípio de que a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme previsto no artigo 805 do CPC.  Ora, o simples fato da empresa tomadora de serviços (devedora subsidiária) ser uma empresa idônea e solvente, às vezes de grande porte ou de renome, não se justifica que tenha ela que pagar o crédito trabalhista devido pela devedora principal (prestadora de serviços), antes que se tente buscar o patrimônio desta para quitar seu débito para com o credor trabalhista! Além disso, quando se tenta executar um crédito trabalhista em face de uma empresa tomadora de serviços condenada a responder de forma subsidiária com a devedora principal, olvida-se que esta empresa pagou corretamente pela prestação de serviços contratada. Sendo que foi a empresa prestadora de serviços que consumiu todo o valor recebido, sem que tenha sobrado um centavo sequer para pagar os seus empregados. E quando se fala em empresas de peque ou médio porte, o dinheiro subitamente desaparece da conta da prestadora, não sobrando capital para quitar suas obrigações, presumindo-se que tenha sido desviado para os bolsos dos seus sócios. Neste cenário, a reforma trabalhista, ao exigir que agora os sócios das empresas prestadoras de serviços sejam somente acionados através do incidente de despersonalização da pessoa jurídica, acabou por "premiá-los", pois, os blindou da execução trabalhista, o que é inaceitável. Deve-se frisar que foi o sócio da devedora principal, que era a prestadora de serviços, quem se beneficiou diretamente dos préstimos do trabalhador/exequente. Por isso, deveria responder ele patrimonialmente antes da devedora subsidiária. É certo que, para o devedor trabalhista subsidiário, fica evidenciado que na grande maioria das vezes nem sequer o Juízo trabalhista esgota as tentativas de execução contra a devedora principal. Quando muito é feita uma tentativa de bloqueio nas contas bancárias desta última via SISBAJUD. Acontece que o TRT da 6ª Região, por exemplo, na temática em epígrafe, entende que a tentativa de penhora via BACENJUD (hoje SISBAJUD) poderá ser reiteradamente renovada como se comprova no artigo 238, §3º, do Provimento 02/2013, da Corregedoria Regional deste TRT 6ª Região, verbis:  "Art. 238 Se, após cientificado, o devedor não pagar o débito ou não garantir a execução mediante depósito em dinheiro ou, ainda, tiver rejeitada pelo juiz a indicação de outro bem à penhora, deverá ser realizado o bloqueio eletrônico através do sistema BACENJUD, seguido do uso das demais ferramentas eletrônicas disponíveis, acaso infrutífero aquele. (...) § 3º A tentativa de penhora através do BACENJUD poderá ser renovada a qualquer tempo, em diferentes datas do mês, independentemente de requerimento do credor, inclusive em caso de insucesso na hasta pública". (Grifamos). Neste sentido, já se posicionou também o TRT da 3ª Região:  "PESQUISA PATRIMONIAL. SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. O sistema Sisbajud é importante instrumento para dar efetividade às execuções e pode ser reutilizado caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0007700-95.2007.5.03.0091 (APPS); Disponibilização: 05/10/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)".   Registre-se que, não raras vezes, até mesmo no caso de a devedora principal não ser encontrada, ou não sendo sequer citada (nos termos do artigo 880, caput da CLT), essa tem sido considerada insolvente, e rapidamente a execução é direcionada contra a devedora subsidiária, sem que tenha sido feita nenhuma tentativa de constrição do patrimônio da ex-empregadora, através das inúmeras ferramentas e convênios disponíveis ao Juízo da execução, tais como SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, CCS, CAGED, consulta em Registro de Imóveis, dentre outros. É fundamental que se esgotem os meios de execução em face da devedora principal, para somente então redirecionar a execução trabalhista para devedora principal, como já decidiu o TRT da 3ª Região: "REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO - DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. Frustradas as tentativas de constrição do patrimônio do devedor principal via sisbajud e renajud, possível o redirecionamento da execução em face do devedor subsidiário. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0001030-61.2014.5.03.0102 (APPS); Disponibilização: 04/10/2021; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Luis Felipe Lopes Boson)". (Grifamos). Assim, é certo que as pesquisas patrimoniais através do SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, além de muitas outras ferramentas disponíveis ao Judiciário, podem e devem ser repetidas, como se já se posicionou novamente o TRT da 3ª Região: "PESQUISA PATRIMONIAL. BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD E SISBAJUD. UTILIZAÇÃO. Os sistemas Bacenjud, Renajud, Infojud e Sisbajud são importantes instrumentos para dar efetividade às execuções e podem ser reutilizados caso haja lapso temporal relevante desde o último acionamento. Isso porque é possível que a situação econômica do executado tenha sido alterada com o passar do tempo. Todavia, tal não ocorre na hipótese dos autos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0123400-24.2006.5.03.0134 (APPS); Disponibilização: 08/09/2021; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida)". (Grifamos). Aliás, no SISBAJUD existe hoje a possiblidade de programar a realização das tentativas de bloqueio na forma de "repetição programada", conhecida como "Teimosinha". A par de todo que foi aqui exposto, não pode ser olvidado que no âmbito do processo de execução trabalhista foi a devedora principal quem recebeu da devedora subsidiária pela prestação de serviços, assim como foram seus sócios os beneficiados diretamente pelos préstimos do labor realizado pelo exequente/trabalhador, de modo que não podem sair impunes. Isso, claro, respeitados o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, salvaguardados pela nossa Carta Magna (artigo 5º, LIV e LV), e, acima de tudo, o princípio de a execução deva se dar da forma menos gravosa ao executado, conforme dispõe o caput do artigo 805 do CPC. Por isso, a devedora subsidiária tem o lídimo direito de ver esgotada a execução em face da devedora principal quem de fato era a empregadora do exequente, e que seja efetivamente realizada a devida busca de patrimônio da devedora principal, e seus respectivos sócios, pelos convênios disponíveis na Justiça do Trabalho, observando-se, em arremate, a proteção dos seus lídimos direitos e acima de tudo a Justiça. *Karen Vargas é advogada trabalhista militante na área trabalhista há aproximadamente 16 anos. Atuando em todas as fases processuais, desde a fase de conhecimento do processo até a fase de execução. Atuando em  escritórios com ênfase na defesa dos interesses de empresas. Graduada Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialização em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE).
Com a alteração das regras referentes ao Direito Coletivo do Trabalho pela lei 13.467/2017, popularmente conhecida como "Reforma Trabalhista", um cenário desafiador se instalou para empregadores e trabalhadores, afinal, para muitas categorias, a vedação de pagamentos compulsórios visando o custeio das entidades sindicais se tornou um obstáculo às negociações coletivas e, desde então, muitos sindicatos que historicamente mantinham um bom relacionamento e negociavam sem maiores dificuldades, atualmente encaram o desafio de encontrar um ponto de equilíbrio que atenda aos anseios e necessidades de ambas as Partes. Neste contexto, é importante destacar que a discussão sobre a possibilidade de instituição de contribuição sindical compulsória instituída em assembleia já está ultrapassada, pois a atual redação trazida à CLT por força da lei reformista - que estabelece o  pagamento  da contribuição  sindical opcional,  exigindo  prévia  e  expressa  autorização  do  trabalhador  (artigos  578  e  579  da CLT) -  foi validada pelo Supremo Tribunal Federal que, ao julgar ação  direta  de  constitucionalidade  (ADI 5794)   e   ação   declaratória   de   constitucionalidade   (ADC 55), reconheceu a constitucionalidade da referida norma legal. Assim, o impasse nas negociações faz surgir uma zona cinzenta para as categorias que se encontram nesta situação, já que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que se firmou no sentido de que inexistindo instrumento coletivo negocial, a norma anterior estenderia sua eficácia até ser substituída por outra (Súmula 277), foi superado pela referida lei 13.467/2017, que deu a seguinte redação ao art. 614, § 3º, CLT: "Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.". É certo que o Supremo Tribunal Federal confirmou, ainda que em efeitos precários, a legalidade da redação atual do artigo 614, §3º, celetário, ao determinar a sustação dos efeitos da Súmula 277 do TST, por meio da medida cautelar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes, na ADPF 323, que consagrou o princípio da não ultratividade de normas coletivas, determinando "ad referendum do Pleno (art. 5º, § 1º, Lei 9.882, de 1999) a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciada." Assim, não há dúvidas de que em se tratando de normas coletivas autônomas (acordos e convenções coletivas), essas se aplicam, estritamente, às situações consolidadas durante sua vigência, sendo vedada a prorrogação de seus efeitos. E por conta de tal alteração que ainda gera grande insegurança jurídica, alguns questionamentos aguardam respostas, afinal a legislação trabalhista vigente não abarca todas as possibilidades que a ausência da renovação da negociação coletiva pode trazer. Dentre aquelas muitas que podemos destacar, por certo está o direito do trabalhador que percebe salário acima do mínimo ao reajuste salarial anual, já que, contrariamente ao que muitos pensam, não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que determine tal aumento compulsório aos empregados da iniciativa privada com patamar remuneratório superior ao mínimo legal. Na realidade, esta prerrogativa cabe aos sindicatos, que devem negociar em prol da categoria, na respectiva data base, conforme estabelece o artigo 10º  da lei 10.192/2001: "Os salários e as demais condições referentes ao trabalho continuam a ser fixados e revistos, na respectiva data-base anual, por intermédio da livre negociação coletiva." A manutenção de condições mais favoráveis decorrentes da negociação coletiva com vigência expirada, como, por exemplo, jornada de trabalho semanal de 40 horas semanais e não de 44 horas como previsto na legislação ordinária, adicionais de horas extras e noturno superiores ao mínimo legal, garantias de emprego não previstas em lei, além da manutenção de cláusulas sociais (v.g., auxílio creche, cesta básica, plano de saúde, vale alimentação, entre outros), não encontra, no momento, uma normativa legal específica que garanta segurança aos destinatários das normas coletivas que não foram renovadas. A junção dos entraves nas negociações e a expressa ausência de ultratividade para as normas coletivas pré-existentes ensejou a busca da Justiça do Trabalho pelos sindicatos, na tentativa de suprir a ausência de acordo, com o ajuizamento de dissídios coletivos. E daí decorre outra questão jurídica de absoluta relevância: a vedação à ultratividade se aplica às sentenças normativas proferidas pelos Tribunais como fonte heterogênea de direitos coletivos? O questionamento é pertinente já que o Precedente nº 120 do Tribunal Superior do Trabalho, assim estabelece: Nº 120 SENTENÇA NORMATIVA. DURAÇÃO. POSSIBILIDADE E LIMITES (positivo) - (Res. 176/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011) A sentença normativa vigora, desde seu termo inicial até que sentença normativa, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho superveniente produza sua revogação, expressa ou tácita, respeitado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência. Como se vê, referido Precedente Normativo repete, para as sentenças normativas, o intuito da súmula 277, que é o de prorrogar a vigência da norma de caráter coletivo no tempo como forma de mantê-la como fonte autônoma ou heterônoma de direitos incorporáveis ao contrato de trabalho, condicionada sua substituição a outra de equivalente natureza. Ora, a discussão se dá pelo fato de que a Súmula 277, na redação que lhe fora atribuída em 2009, assim determinava: Nº 277 Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. Entretanto, o  posicionamento até então adotado  foi  alterado pelo TST em  2012,  para constar na atual redação atual que, expressamente, excluiu a sentença normativa para fins de ultratividade na referida súmula, já que esta já é objeto Precedente Normativo 120, publicado em maio de 2011: CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) -  Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.     Como dito anteriormente, a Súmula 277 do TST se encontra, atualmente, com os efeitos suspensos, aguardando posicionamento do STF sobre a questão da ultratividade da norma coletiva. Contudo, o Precedente Normativo 120 do TST não é objeto de nenhuma ação judicial questionando sua incompatibilidade com a alteração ocorrida no artigo 614, §3º, da CLT.  Assim, muitos sindicatos se apoiam neste fato para se recusar às novas negociações, sob fundamento de que se há sentença normativa proferida há menos de quatro anos e, como dito acima, esta se prorroga no tempo, independentemente de ter sido fixado período de vigência, não havendo necessidade de renovar as normas coletivas instituídas por sentença normativa, já que apenas outra sentença normativa ou norma coletiva nascidas no interregno ocorrido entre o julgamento e o fim do quarto ano após o início de seus efeitos lhe retirariam a força regulatória. Em realidade, analisando-se os termos do artigo 868 em conjunto com a redação atual do artigo 616, §3º, ambos da CLT, é possível concluir que ao Precedente Normativo 120 do TST se aplica a vedação da ultratividade, já que esta tem por objetivo substituição da norma coletiva anterior, originando novas condições de trabalho à categoria, pela manutenção ou estabelecimento de novas cláusulas. Vale ressaltar que, hodiernamente, a Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do   TST firmou seu entendimento declarando que o requisito constitucional de   comum acordo (art. 114, §2º, da CF) é precedente de constituição e desenvolvimento  válido e regular do processo, ou seja, a concordância das partes para a judicialização do conflito coletivo é pressuposto de natureza intrínseca ao prosseguimento e julgamento do mérito da controvérsia. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a   constitucionalidade   da   exigência   de   comum   acordo  para   o   ajuizamento   de dissídio coletivo de natureza econômica, com a fixação da tese de repercussão geral no Tema 841. Portanto, para fins de efeitos à categoria, ainda que oriunda de fontes normativas distintas, a natureza das normas coletivas autônomas ou heterônomas se submetem às mesmas regras de validade, ainda que o artigo art. 614, § 3º, não  mencione a sentença normativa, expressamente, superando a jurisprudência da SDC do TST, também no que se refere ao Precedente Normativo 120. Em conclusão, analisando-se os dispositivos legais aplicáveis ao deslinde do tema sob análise, em nosso entendimento a sentença normativa pode ter efeitos fixados por até quatro anos. Todavia, no silêncio quanto à extensão dos efeitos, esses não subsistirão automaticamente pelo quadriênio máximo previsto em lei  ou até que nova norma coletiva a substitua, mas, sim, pela período de vigência geral expressamente fixado pelo Tribunal prolator da decisão. Como último ponto de atenção, é importante ressaltar que algumas empresas optam por manter os benefícios instituídos por norma coletiva com vigência expirada, por mera liberalidade como uma decisão de negócio sob o ponto de vista administrativo e até mesmo estratégico visando a retenção de talentos e competitividade no mercado. Neste caso, por não se fundarem em norma coletiva de aplicação mandatória, tais benefícios adquirem natureza contratual, que aderem ao contrato de trabalho e não podem ser suprimidos, sob pena de modificação lesiva e, assim, nula de pleno direito, já que decorrem de decisão do empregador no exercício de seu poder diretivo e organizacional.
Vacinas salvam vidas, isto é um fato inquestionável. Contudo, o presente artigo tem por finalidade refletir sobre ser ou não um ato discriminatório a demissão por justa causa de um empregado não vacinado, tudo sob a chancela pelo Poder Judiciário. A Constituição Federal, nos incisos III e IV de seu artigo 3º, afirma constituir como objetivo fundamental da República a erradicação da pobreza, redução de desigualdades, e a promoção do bem geral sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O inciso I do artigo 7º da Constituição Federal diz que é direito do trabalhador a proteção da relação de emprego contra despedidas arbitrárias. Outras duas proteções constitucionais que posso citar neste sentido são aquelas previstas nas alíneas "a" e "b" do inciso II do artigo 10 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde o legislador visou a proteção do emprego de trabalhadores eleitos para cargos da "CIPA" e da empregada gestante, impedindo sua dispensa arbitrária. Pode-se concluir, portanto, que a proteção da relação de emprego e sua manutenção são objetivos primários contidos na Constituição Federal, que fixa como preceito fundamental da República a vedação de qualquer tipo de discriminação ou limitação à pessoa humana. A Convenção da Organização Internacional do Trabalho - OIT nº 111, promulgada pelo Decreto nº 62.150 de 19 janeiro de 1968, proíbe toda e qualquer tipo de discriminação no emprego ou na profissão. Neste sentido, foi editada a Portaria nº 1.246, de 25 de maio de 2010, do Ministério do Trabalho e Emprego, que proíbe que empresas do país exijam teste de HIV, de forma direta ou indireta, em exames médicos admissionais, demissionais, avaliações periódicas ou em decorrência de mudanças de função do trabalhador. Por esta Portaria, ficou vedada a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego ou à sua manutenção. A Lei nº 9.029 de 1995, por sua vez, diz que fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, seja ela por motivos de sexo, origem, raça, cor, estado civil ou situação familiar. Referida norma aduz ser crime a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado ou qualquer outro meio que indique o estado de gravidez ou induza à esterilização. Essa lei tipifica como sujeitos ativos desse crime o empregador, mas também o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Vê-se que o intuito desta lei, portanto, é garantir o acesso e a manutenção no emprego, sendo vedada qualquer prática discriminatória ou limitativa, seja pelo particular, seja pelo ente público. Assim, entendo que nosso ordenamento jurídico sempre buscou impor medidas que impedissem a prática de qualquer tipo de discriminação ou limitação ao trabalhador, para o ingresso ao emprego ou para sua manutenção, seja por motivos de origem, raça, cor, sexo, posições política ou religiosa, ou qualquer outro tipo, tipificando essa prática como crime e tendo, inclusive, o ente público como agente ativo do tipo penal. Neste diapasão, com todo o respeito devido, penso ser muito delicado o posicionamento adotado pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), quando do julgamento do Recurso Ordinário interposto pela reclamante nos autos a Reclamação Trabalhista nº1000122-24.2021.5.02.0472, pois pode ser tido como uma prática limitativa ao emprego. No caso em epígrafe, a 13ª Turma do E. TRT/SP, por unanimidade de votos, negou provimento do Recurso Ordinário interposto pela reclamante que visava reverter a justa causa que lhe fora aplicada pela empresa, pelo fato dela não ter sido vacinada contra a Covid-19. Fundamentou o colegiado, de forma resumida, que "é público e notório que a Organização Mundial da Saúde tem afirmado e reiterado que para conter a propagação do vírus e evitar a propagação de novas cepas e variantes ainda mais contagiosas, é necessária a adoção de diversas medidas práticas concomitantes, tais como: o distanciamento social, higienização de mãos, correto uso de máscaras e, principalmente, a vacinação em massa da população". Ainda, em sua fundamentação, utilizou-se a Colenda Turma julgadora da lei 13.979 de 2020, mais especificamente do quanto disposto no artigo 3º, inciso III, que diz sobre a determinação de vacinação compulsória.   Ocorre que, no meu entender, o v. acórdão proferido viola a Constituição Federal, a Convenção da OIT nº 111, a lei 9.029/1995 e os termos da Portaria 1.246/2010 do MTE, pois claramente limita a manutenção do emprego e acaba por discriminar e segregar parte da população que, por motivos diversos, ainda não se decidiu pela vacinação. No meu modesto entender, a decisão em comento pode ser entendida como uma validação para a prática de atos discriminatórios, limitativos e segregacionistas, sob a pretensa conclusão de que as vacinas criadas para enfrentamento da Covid-19 seriam a única solução para a evitar a propagação do vírus. Mesmo se assim o fosse, o que sabidamente não é, pois é fato público e notório que mesmo as pessoas vacinadas podem contaminar e serem contaminadas, impedir que uma pessoa permaneça em seu emprego por não ter sido vacinada é sim uma prática discriminatória e limitativa que fere toda a legislação acima apontada, em total colisão com os princípios norteadores do Direito do Trabalho. A decisão em comento equipara-se a um "Passaporte da Imunidade/Vacinal" para o trabalho, criando uma norma ou uma exigência para a obtenção ou manutenção do emprego, contrariando princípios norteadores do Direito do Trabalho, como, por exemplo, o Princípio da Continuidade da Relação de Emprego. A Organização Mundial da Saúde é contra a criação de tal medida. Em 6 de abril de 2021, um porta-voz da OMS defendeu que não é o momento para países adotarem o tal passaporte da Covid-19, baseados na vacinação, pois ainda existem incertezas sobre a eficácia dos imunizantes em barrar a transmissão da doença. Ainda segundo a OMS, pesquisas apontam que as vacinas impedem casos graves da doença, mas os imunizados ainda podem transmitir ou desenvolver a doença. Ora, se a própria OMS ainda não tem certeza sobre a eficácia das vacinas quanto à imunização e à transmissão do vírus, desaconselhando a criação do passaporte sanitário, então, sim, a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo é, no mínimo, prematura e temerária, pois. s.m.j, abre caminhos para a realização de atos discriminatórios, limitativos e, sobretudo, segregacionistas. Validar a dispensa de um empregado por justa causa pelo fato dele não ter se vacinado, pode dar ensejo a uma série de violações de direitos e liberdades individuais, tudo sob o manto legal. Concordar com essa modalidade de dispensa, fundamentando tal situação no fato do empregado não estar vacinado, é ir contra os princípios basilares do Direito do Trabalho que visam a proteção do emprego e a dignidade do trabalhador. Fere princípios constitucionais e limita direitos estabelecidos por meio de normas internacionais. Penso que a solução para esse dilema deve ser mais aprofundada, cabendo ao Poder Judiciário, em especial à Justiça do Trabalho, promover o debate e a troca de ideias nos mais diversos ramos da sociedade, a fim de buscar alternativas para a questão. Ainda é muito cedo para se cravar posições tão radicais quanto ao tema. A pandemia tem pouco tempo e a ciência ainda não conseguiu nos dar todas as respostas. Ao empregador, por outro lado, cabe adotar as medidas de segurança que são de conhecimento geral, como, por exemplo, a conscientização, o fornecimento de álcool em gel no ambiente de trabalho, a fiscalização do uso de máscaras e do distanciamento social, a implantação de barreiras físicas que impeçam ou limitem a troca de gotículas de saliva entre pessoas, a higienização e desinfecção constantes do ambiente de trabalho, a realocação do trabalhador para outro posto, se possível, o teletrabalho ou o home office, dentre outras. A rescisão contratual por justa causa ao não vacinado é medida de extremo rigor e, no meu entender, desproporcional e fora do alcance legal. Diante de tantas incertezas provocadas por essa por essa pandemia, a certeza que temos é que empregos devem ser preservados para que o trabalhador, hipossuficiente que é, não se veja desamparado por aquele que tem o dever de lhe proteger. Devemos ter paciência e bom sendo na tomada de decisões. *Thiago Monroe Adami é advogado. Sócio do escritório Adami, Gaspar e Torini Advogados Associados. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela escola Paulista de Direito.
Mesmo sem a conclusão da quarta etapa do programa, a estrutura do Open Banking já está sendo discutida pelo judiciário trabalhista e o tema pode definir o rumo de alguns players do mercado. Como se sabe, nem todas as instituições participam do Open Banking. O sistema financeiro aberto indica um caminho próspero e necessário, especialmente para elevar a concorrência, permitindo um produto de excelência ao consumidor final, em tese, mais acessível. Analisamos julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul para compreender como a Justiça do Trabalho tem recepcionado o tema. A principal discussão gira em torno do enquadramento sindical. Não é porque determinada Instituição Financeira (IF) participa do arranjo financeiro que todos os players são considerados bancos. O que define qual sindicato determinada empresa está vinculado é a sua atividade preponderante, e não as atividades desempenhadas por determinado colaborador - tal como preceitua o artigo 511 da CLT. Em sessão realizada no dia 23/09/2021, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo soube distinguir o "joio do trigo" ao analisar e julgar o processo 1000377-23.2015.5.02.0203. Na ocasião, o TRT Paulista negou provimento ao Recurso Ordinário do autor que pretendia o enquadramento sindical à categoria dos bancários. O empregador é uma Instituição de Pagamento (IP) e há época dos fatos estava vinculada ao Sindicatão. O acórdão foi preciso ao destacar que "informações da empresa em rede social não é prova a desconstituir os registros oficiais perante Órgão Estatais". Além disto, prestigiou a prova técnica ao fundamentar que "a opinião leiga não se sobrepõe a assertivas técnicas de especialistas". Em fase de instrução, o Juiz determinou a realização de prova pericial para "análise de documentação e para que seja esclarecido se de fato, a 1ª reclamada constituiu-se como financeira e se há financiamento de valores". Em outras palavras, a empresa não pode deixar que o julgador analise uma matéria tão sensível com a percepção apenas da prova testemunhal. É fundamental que a empresa formule requerimento para perícia técnica. A prova testemunhal se socorre da memória para lembrar dos fatos, já a perícia se fundamenta na ciência para contribuir com o julgador. A diferença de uma Instituição de Pagamento (IP) para uma Instituição Financeira (IF) é enorme. A começar pela expressa vedação de realizar atividades idênticas - O Banco Central veda que a IP, por exemplo, conceda empréstimo e financiamento para seus clientes. Mesmo que alguma IP atue como correspondente bancária de determinada IF, não se pode concluir que a Instituição de Pagamento atue como se banco fosse! Conforme Resolução nº 3.954 do Banco Central do Brasil, as Instituições Financeiras estão autorizadas a contratar empresas correspondentes bancários para desempenhar atividade administrativas, tais como: (i) encaminhamento de proposta de abertura de conta; (ii) realização de recebimento, pagamentos e transferências eletrônicas; (iii) recebimento e pagamento de qualquer natureza; (iv) execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da Instituição Financeira; (v) realização de operação de câmbio de responsabilidade da IF, além de outras hipóteses previstas no artigo 8º da citada Resolução. Quanto à licitude desta terceirização - contratar uma empresa para atuar como correspondente bancária -, o Tribunal Superior do Trabalho já concluiu ser lícita tal prática (RR 900-26.2016.5.20.0006). Destarte, superada discussão sobre a licitude do correspondente bancário e, mais, estando o Magistrado ciente das distinções entre uma IF e uma IP, não restam dúvidas de que eventual pedido de enquadramento sindical distinto deve ser julgado improcedente. Concluímos com entusiasmo as inúmeras decisões que negaram o pedido de equiparação aos bancários1. Entretanto, como o tema ainda é recente, verificamos, também, decisões que equiparam a Instituição de Pagamento com um banco[2]. Embora isto não seja autorizado pelo Banco Central, parte dos autores têm tido êxito. Portanto, para que se tenha uma correta conclusão da "atividade preponderante" da empresa, fundamental que seja feita uma perícia (contábil/societária), a fim de que o Magistrado esteja convencido de que as testemunhas tinham uma visão míope do negócio. No próximo dia 29 de outubro, aliás, terá início a terceira fase do Open Banking. Nesta fase, surge a possibilidade de compartilhamento dos serviços de iniciação de transações de pagamento. E, segundo o próprio Banco Central, "isso abre caminho para o surgimento de novas soluções e ambientes para a realização de pagamento". Estaremos atentos para saber o que o judiciário trabalhista conhece acerca do Open Banking! *Igor Cazarini Sevalli é bacharel em Direito pela FMU/SP. Advogado especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE), com formação em Compliance Laboral pela Wolters Kluwer (Espanha); coautor do livro "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno, 2020); Coautor do livro "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e coordenador da área trabalhista do escritório Tilkian Marinelli Marrey Advogados. __________ 1 Processos de nºs 0012114-55.2017.5.03.0134, 1001080-32.2017.5.02.0025, 1000123-86.2021.5.02.0705, 0010207-10.2020.5.03.0047 e 0010545-66.2020.5.15.0138. 2 Processo de nº 0010517-31.2017.5.03.0173.
Nosso ordenamento pátrio possui diversas previsões trabalhistas destinadas à proteção da maternidade e ao trabalho da mulher. Além disso, o Brasil é signatário da Convenção nº 103, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, principal norma internacional em vigor sobre a proteção à maternidade. Os dispositivos protecionistas têm por objetivo assegurar direitos para que a mulher gestante não seja discriminada em razão da maternidade, garantindo o equilíbrio contratual e iguais condições no mercado de trabalho. Assim, em meio às graves crises sanitária e econômica causadas pela Covid-19, foi publicada a lei 14.141/21 que determina o afastamento da empregada gestante de suas atividades presenciais, sem prejuízo de remuneração, enquanto perdurar a situação de emergência de saúde pública, observadas as orientações da Organização Mundial de Saúde - OMS. A referida Lei tem por objetivo afastar a funcionária gestante do trabalho presencial com a manutenção de sua renda, sendo facultada a opção de teletrabalho ou outra forma de trabalho remoto. Contudo, o grande obstáculo da imposição legislativa é que muitas atividades necessitam ser realizadas no local da prestação de serviço, sendo incompatíveis com as formas remotas de execução. A matéria controvertida da lei 14.141/21, portanto, se debruça objetivamente em relação a fonte pagadora nos casos impossibilidade do exercício da profissão a distância. A Lei em comento foi omissa no tocante ao afastamento das empregadas gestantes cujas atividades não podem ser realizadas a distância. Ou seja, a lei 14.141/21 não definiu de quem será a responsabilidade da manutenção da fonte de renda das gestantes. Historicamente, uma longa jornada já foi trilhada com a promulgação de normas voltadas para a proteção da mulher trabalhadora. Contudo, há de se lembrar que o ônus financeiro do afastamento da gestante, sem contraprestação dos serviços dada a incompatibilidade dos meios remotos com a função desempenhada, não pode recair exclusivamente sobre o empregador. Cabe ressaltar que, em tempos de pandemia, se mostrou latente a preocupação do legislador no delicado equilíbrio de preservação de emprego e renda das empresas. Inclusive, a própria Constituição Federal estabelece que é dever do Estado garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Por outro lado, o repasse de custos ao empregador irá contribuir negativamente para o paradigma da contratação de mulheres, fomentando a discriminação no mercado de trabalho e, sobretudo, colaborando para o aumento da desigualdade de gênero. Diante das controvérsias e lacunas trazidas pela lei 14.141/21, é preciso destacar o entendimento inicial do Poder Judiciário, conforme julgados das Varas Cíveis Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª região sobre o tema, que imputou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a responsabilidade do pagamento das verbas relativas ao afastamento das gestantes, cabendo restituição integral caso o pagamento seja realizado pelo empregador. Destarte, o encargo está fundado no dever constitucional do Estado de garantir o direito à vida, à maternidade, à gestante e ao nascituro. Os custos com a proteção à maternidade devem ser pagos pelo sistema público de seguridade social, jamais pelo empregador da iniciativa privada, tal como estabelece a Convenção nº 103 da OIT em seu art. 4, item 8, diante do regime cooperativo de proteção da criança regido pelo princípio da solidariedade. Cabe salientar, ainda, que a Reforma Trabalhista trouxe a inovação do art. 394-A, §2º da CLT, criando a hipótese de concessão de salário-maternidade antecipado, assegurando à empregada gestante afastamento do trabalho em razão de desempenho de atividade em ambiente insalubre. Essa obrigação, aliás, decorre do sistema solidário e contributivo que vigora no Brasil. Assim, idêntico entendimento pode ser aplicado a lei 14.151/2021, por analogia, tal como ocorre nos casos de insalubridade, cujo afastamento da gestante se dá como medida de saúde e segurança em proteção à maternidade. Finalmente, resta claro que a lei 14.151/2021 quer proteger a mulher gestante no mercado de trabalho, mas, notadamente, precisa de edição legislativa para sanar as lacunas deixadas em relação a responsabilidade do ente pagador, em particular quando as empregadas gestantes não têm condições de exercer suas atividades a distância. Em arremate, até que seja apresentada alguma medida legislativa para sanar as incongruências citadas, as empresas podem demandar judicialmente requerendo que ônus da manutenção da fonte de renda das gestantes seja de responsabilidade da Previdência Social. *Nayara Felix de Souza é advogada Trabalhista do escritório Bruno Junqueira Consultoria Tributária e Empresarial. Bacharel em Direito pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Pós-graduanda em Mediação, Conciliação e Arbitragem.
A pandemia do coronavírus causou profunda transformação em todo o mundo. Seja na forma de convivência, nas restrições causadas e, como não poderia deixar de ser, nas relações de trabalho, notadamente em relação ao zelo e ao maior cuidado dos empregadores acerca das medidas de saúde, higiene e segurança que, se já eram importantes antes da pandemia, passaram a ser questão de ordem após esse histórico evento, a fim de evitar a caracterização de doença ocupacional decorrente da Covid. No plano legislativo, várias normas foram promulgadas para disciplinar procedimentos relacionados ao mundo do trabalho, mas iremos nos ater a duas delas e que trouxeram importantes mudanças que servem de norte para que o empregador possa se desincumbir do ônus de descaracterizar o nexo causal entre a eventual infecção do empregado pelo coronavírus e o ambiente de trabalho. A primeira é saber o que, efetivamente, o STF decidiu ao apreciar a constitucionalidade da MP 927/2020, em especial o art. 29, que previa que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Em suma, o STF não reconheceu automaticamente a COVID como doença ocupacional, apenas asseverou que o ônus da comprovação do nexo causal não pode e nem deve ser do empregado, mas sim do empregador. Ou seja, se a regra explicitada no dispositivo declarado inconstitucional era de que os casos de COVID não seriam ocupacionais, presume-se, agora, que tais casos são de natureza ocupacional, especialmente, mas não exclusivamente, quando se desempenhar atividade essencial, salvo se o empregador comprovar que adotou todas as medidas de higiene, saúde e segurança para evitar a contaminação. Assim, o STF decidiu que existem situações que, a priori, estabelecem nexo causal entre a doença e o trabalho, a exemplo do acometimento de profissionais de saúde que estejam na linha de frente no combate ao COVID. Decidiu também que em todos os casos caberá ao empregador fazer a prova de que adotou, no ambiente de trabalho, todas as medidas de higiene exigidas pelas autoridades sanitárias, como forma de evitar a transmissão e infecção pelo novo coronavírus. Trata-se de presunção juris tantum, que pode e deve ser desconstituída mediante prova em contrário. Devemos registrar, entretanto, a possibilidade de que, mesmo na área de saúde, em algumas situações o nexo causal seja desconstituído. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do TRT da 18ª Região, em sessão de 16/06/2021, proferiu decisão no processo nº 0010736-32.2020.5.18.0008, afastando o nexo causal entre a doença e o trabalho exercido por um técnico de enfermagem que atuava somente em homecare, ressaltando que o empregador fez prova de que o empregado não trabalhava em ambiente hospitalar exposto ao contato com pacientes com coronavírus. Há, ainda, jurisprudência que vem se firmando no sentido de que se a prova, a cargo do empregador, evidenciar que foram adotadas todas as medidas de proteção à saúde do trabalhador para combate à pandemia, exigidas pelas autoridades sanitárias, afasta-se o nexo de causalidade, ainda que o empregado trabalhe em ambiente cujo risco de contágio seja mais acentuado. É como decidiu o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Caruaru/PE, em sentença proferida no último dia 20/07/2021, no processo nº 0000875-16.2020.5.06.0312. Por outro lado, já há decisões firmando tese de que no caso de empregados que exercem suas atividades sob risco acentuado de contágio, como em ambiente hospitalar, a responsabilidade do empregador seria objetiva, isto é, independente de culpa, tornando-se desnecessário aferir se foram ou não adotadas as medidas de proteção, ao passo que para os trabalhadores que não estão expostos a risco acentuado no ambiente de trabalho aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, o qual precisará comprovar a adoção das medidas protetivas para que a doença não se caracterize como ocupacional. É o que decidiu a 1ª Turma do TRT da 4ª Região, em acórdão publicado no dia 15/07/2021, no processo nº 0020390-19.2020.5.04.0821.  Analisando o art. 20 da lei 8.213/91, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho elaborou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, fazendo registro sobre a caracterização da COVID como doença ocupacional nos casos em que houver o risco acentuado: "Inicialmente, é importante esclarecer que a COVID-19, como doença comum, não se enquadra no conceito de doença profissional (art. 20, inciso I), mas pode ser caracterizada como doença do trabalho (art. 20, inciso II): "doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente". A COVID-19 não consta da lista prevista no Decreto nº 3.048, de 1999 (anexo II), mas pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se o disposto no §2º do mesmo artigo 20: § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. As circunstâncias específicas de cada caso concreto poderão indicar se a forma como o trabalho foi exercido gerou risco relevante para o trabalhador. Além dos casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados, outras atividades podem gerar o enquadramento." A teor do § 2º do art. 20 da lei 8.213/91, a caracterização da COVID como doença ocupacional deve ser excepcional, já que se trata de patologia que não integra a relação estabelecida no Decreto 3048/99, o que atrai a necessária comprovação de que a doença resultou de condições especiais de trabalho, e sem a adoção das medidas de proteção contra o coronavírus. Acresça-se a essa conclusão o fato de que o art. 20, §1º, "d", da lei 8.213/91 prevê expressamente que:    "Art. 20. [...] § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: [...] d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho". (g.n.) Portanto, para que a Covid seja considerada doença ocupacional, será preciso coexistir as seguintes situações: a) A doença é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (risco mais acentuado que o normal); b)  Que haja evidências concretas de que alguns trabalhadores se contaminaram concomitantemente; c) Que o empregador não tenha se desincumbido do ônus de demonstrar, de forma concreta, que envidou todos os esforços e implementou todas as medidas no sentido de evitar a contaminação.  Apesar da possibilidade de exclusão do nexo de causalidade entre o trabalho e a Covid-19 nas hipóteses acima destacadas, é imprescindível que o empregador tenha em mente as medidas de prevenção para evitar a disseminação do vírus no ambiente de trabalho. Existe, ainda, outra norma importante e que deve servir de norte para o empregador nas relações com seus empregados, qual seja, a lei 13.979/2020, que prevê em seu art. 3º, III, "d", que:  "Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: [...] III - determinação de realização compulsória de: [...] d) vacinação e outras medidas profiláticas" Acrescente-se, ainda, a previsão expressa no inciso III-A do mesmo artigo, que impõe ao empregado o "uso obrigatório de máscaras de proteção individual". Assim, da mesma forma que o empregador deve adotar todas as medidas de saúde, higiene e segurança do trabalho, visando neutralizar ou mesmo impedir a contaminação dos seus empregados, o empregado também deve fazer a sua parte, sendo desaconselhável recusar a vacinação, salvo motivação justificada, sendo-lhe, entretanto, garantido o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e o respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, na forma dos incisos I a III do parágrafo 2º do art. 3º da mesma lei 13.979/20201. Diz-se desaconselhável a recusa do empregado à vacina, pois, apesar de a vacinação não ser obrigatória, é medida compulsória, podendo-se aplicar sanções ao empregado diante da sua recusa, principalmente em razão desse comportamento importar em risco para toda a sociedade. Nesse cenário, importante alertar o leitor para a possibilidade de aplicação até mesmo da pena máxima prevista na lei trabalhista, qual seja, a dispensa por justa causa, desde que o direito à informação, citado no parágrafo acima, lhe tenha sido garantido. Nesse sentido, podemos citar recente acórdão do TRT da 2ª Região, no processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472. A obrigação do empregado de cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho está expressa no art. 158 da CLT. O STF, ao julgar o ARE 1.267.879, declarou a natureza compulsória da vacinação. Confira-se a Tese fixada:  "6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: "É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar". (STF, Tribunal Pleno, ARE 1267879, Relator: Min. Roberto Barroso, publicado em 08/04/2021) Assim, caso fique demonstrado que o empregado teve ciência da necessidade de se vacinar e não o fez, nem apresentou qualquer justificativa, ao empregador é possível adotar medidas disciplinares, inclusive, a justa causa.  Diante da análise realizada, podemos concluir que, mesmo após o STF ter declarado inconstitucional o art. 29 da MP 927/2020, - norma que, inclusive, já caducou -, a Coviud-19 não é doença caracterizada automaticamente como de natureza ocupacional. Muito pelo contrário, seguindo a ordem das legislações trabalhista e previdenciária vigentes, a caracterização da doença ocupacional é excepcional, derivando de risco acentuado no ambiente de trabalho que advém da natureza da atividade (podendo, nesse caso, atrair a responsabilidade objetiva do empregador pela teoria do risco), ou da ausência de adoção das medidas de prevenção à transmissão do coronavírus, notadamente aquelas exigidas pelas autoridades sanitárias, o que enseja relação entre o trabalho e a doença (nexo causal), bem como caracteriza a negligência do empregador (culpa), fazendo incidir a sua responsabilidade subjetiva. Nesse contexto, é de suma importância que o empregador cumpra todas as medidas sanitárias de proteção e as fiscalize (a exemplo da fiscalização do uso de máscaras e ampla divulgação e orientação sobre vacinação), mantendo sempre em seu poder as evidências das condutas adotadas, de modo a se desincumbir do seu encargo probatório em eventual reclamação trabalhista. *Luis Henrique Maia Mendonça é advogado especialista em Direito Processual Civil, sócio do MMC & Zarif Advogados.   **Mariana Larocca S. Rodrigues Mathias é advogada especialista em Direito do Trabalho, sócia do MMC & Zarif Advogados. __________ 1 Nesse sentido, vide julgado do STF nas ADI's 6586 e 6587, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, publicado em 07/04/2021.
Nos últimos anos, o tema relativo ao assédio moral tem sido analisado sob os mais variados aspectos (psicológico, sociológico, jurídico) e sob as mais diversas abordagens (relativamente aos sujeitos envolvidos, aos fatores socioeconômicos e organizacionais do trabalho, às consequências na saúde física e mental do trabalhador etc), resultando em uma extensa bibliografia a respeito.  O presente artigo, de forma suscinta, examinará o assédio moral sob o seu aspecto configurativo, atendo-se, especialmente, a um dos requisitos caracterizadores deste tipo de violência no trabalho: a delimitação temporal.  Cabe esclarecer que o estudo ora proposto resulta da seguinte indagação: configura-se assédio moral a conduta abusiva praticada de forma pontual, mesmo que mais de uma vez, porém não de forma reiterada e prolongada no tempo?  O ponto de partida desta pesquisa, evidentemente, é a análise da conceituação do fenômeno em comento, da qual é possível se extrair os elementos caracterizadores do assédio moral.  É fato, no entanto, que não existe um conceito fechado sobre o tema. Verificam-se junto à doutrina variadas definições acerca do assédio moral. Também a jurisprudência cuida de conceituar o fenômeno a partir de elementos caracterizadores diversos.  Nesse prumo, Rodolfo Pamplona Filho define o assédio moral "como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social". Assim, para o jurista, os requisitos caracterizadores do assédio moral são: a) conduta abusiva; b) natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) reiteração da Conduta; e d) finalidade de exclusão.1  Já o Desembargador Federal do Trabalho, Dr. Sérgio Pinto Martins, diz que o assédio moral "é uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém."2  O autor afirma que este tipo de violência se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: a) conduta abusiva; b) ação repetida; c) postura ofensiva à pessoa; d) agressão psicológica; e) finalidade de exclusão do trabalhador e g) dano psíquico emocional.  A jurisprudência trabalhista aponta, ainda, outros requisitos necessários para configurar o assédio moral, conforme é possível verificar pela ementa abaixo:  "RECURSO ORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ASSÉDIO MORAL. A princípio, vale ressaltar que para configuração do dano moral na esfera trabalhista mostra-se necessária prova inequívoca de que o empregador tenha agido de maneira ilícita, por ação ou omissão, cometendo abusos ou excessos no poder diretivo, de modo a causar ofensa pessoal, violação à honra, imagem ou intimidade de seu funcionário, acarretando abalo emocional apto a ensejar a reparação pretendida. A doutrina e a jurisprudência têm apontado como elementos caracterizadores do assédio moral, a intensidade da violência psicológica, o seu prolongamento no tempo (tanto que episódios esporádicos não o caracterizam) e a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, com a intenção de marginalizá-lo, pressupondo um comportamento premeditado que desestabiliza, psicologicamente, a vítima. O direito à reparação do dano nasce a partir do momento em que ocorre a lesão a um bem jurídico extrapatrimonial, como a vida, a honra, a intimidade, imagem etc. No caso em tela não restou evidenciada a conduta ilícita da reclamada, eis que não comprovadas nos autos as humilhações e a forma vexatória de cobrança de metas." (TRT da 2ª Região; Processo: 1001950-31.2017.5.02.0202; Data: 13-06-2019; Órgão Julgador: 12ª Turma - Cadeira 1 - 12ª Turma; Relator(a): MARCELO FREIRE GONCALVES)  Do debate doutrinário e jurisprudencial, existente acerca dos elementos caracterizadores do assédio moral, inegável que os pontos em comum são a conduta abusiva e a ação repetida e prolongada no tempo.  Portanto, essencialmente, a configuração do assédio moral ocorre com a prática da conduta abusiva reiterada e ao longo de determinado lapso temporal, de modo que o elemento relativo à delimitação temporal é considerado o principal para a caracterização do referido fenômeno.3  Segundo os estudos pioneiros do assédio moral, estabeleceu-se como necessário para caracterizar o fenômeno "que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de 6 (seis) meses."4  Nehemias Domingos de Melo afirma que "para caracterizar o assédio moral, não basta a situação vexatória esporádica ou ocasional. Há que resultar de uma ação prolongada e continuada (alguns chegam a estimar esse tempo em seis meses), de exposição constante, de reiterados ataques."5  Neste mesmo sentido, é a decisão proferida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, in verbis:  "INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. A caracterização do assédio moral pressupõe uma cotidiana, exagerada e ilegal perseguição de um trabalhador em seu ambiente laboral. A referida perseguição, que configura o assédio moral, dá-se, ordinariamente, ao longo de um certo lapso temporal, não se limitando, portanto, a um fato isolado, mas a um conjunto de atitudes lastimáveis que resultam na opressão do trabalhador, retirando-lhe a autoestima e a capacidade profissional, atingindo a sua vida privada, honra, imagem e intimidade, passando a ser exigível, por consequência, reparação. Não existindo comprovação dos fatos alegados, indevida é a indenização por dano moral." (TRT da 2ª Região; Processo: 1000308-70.2020.5.02.0702; Data: 10-06-2021; Órgão Julgador: 1ª Turma - Cadeira 1 - 1ª Turma; Relator(a): MOISES DOS SANTOS HEITOR)  Alguns doutrinadores, entretanto, defendem "não ser necessária essa regularidade e esse prazo para que o fenômeno seja reconhecido, sendo evidentemente indispensável o prolongamento no tempo por meio de mais de um ato."6  Destaca-se que o TRT da 9ª Região, em acórdão publicado em 2004, entendeu pela ocorrência do assédio moral, afastando a necessidade da presença do requisito temporal, in verbis:7  "ASSÉDIO MORAL. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO. IRRELEVÂNCIA DE QUE O CONSTRANGIMENTO NÃO TENHA PERDURADO POR LONGO LAPSO DE TEMPO. Conquanto não se trate de fenômeno recente, o assédio moral tem merecido reflexão e debate em função de aspectos que, no atual contexto social e econômico, levam o trabalhador a se sujeitar a condições de trabalho degradantes, na medida em que afetam sua dignidade. A pressão sobre os empregados, com atitudes negativas que, deliberadamente, degradam as condições de trabalho, é conduta reprovável que merece punição. A humilhação, no sentido de ser ofendido, menosprezado, inferiorizado, causa dor e sofrimento, independente do tempo por que se prolongou o comportamento. A reparação do dano é a forma de coibir o empregador que intimida o empregado, sem que se cogite de que ele, em indiscutível estado de sujeição, pudesse tomar providência no curso do contrato de trabalho, o que, certamente, colocaria em risco a própria manutenção do emprego. Recurso provido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos provocados pelo assédio moral." Acórdão do TRT 9ª Região, autos TRT-PR-09329-2002-004-09-00-2. ACO-00549-2004. Publicado em 23.01.2004.  Seguramente, a ação abusiva e humilhante no trabalho, mesmo observada de forma isolada, pontual, ou, ainda não prolongada, porém capaz de provocar no trabalhador profunda dor emocional, de produzir um dano à sua dignidade, demanda a configuração da violência moral.  Defende tal posicionamento Leda Maria Messias da Silva, ao afirmar que "pode acontecer que uma única conduta do agente agressor, tenha um efeito tão negativo na vida da vítima, que isto venha a repercutir em uma série de atos desencadeados por aquela única conduta, então, será o caso de caracterização do assédio, por uma única conduta."8  Engessar a caracterização do assédio moral à exigência de um prazo mínimo e de uma periodicidade determinada, desconsiderando a análise das circunstâncias do caso concreto, pode implicar injustiça, haja vista que uma única conduta é hábil a gerar dano à honra e à intimidade do trabalhador.  Todavia, ainda que se entenda que a caracterização do assédio moral dependa da repetição e prolongamento no tempo, a violência sofrida pelo indivíduo no ambiente de trabalho pode configurar causa de rescisão indireta por rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador (art. 483, "a" e "b", da CLT), por perigo manifesto de mal considerável (art.483, "c", da CLT), por descumprimento de deveres legais e contratuais (art. 483, "d", da CLT), ou por ato do empregador ou de seus prepostos que lesione a honra e a boa fama do empregado ou de pessoas de sua família (alínea "e" do art. 483 da norma consolidada).9  Derradeiramente, a violência moral no trabalho é conduta reprovável que afronta o patrimônio moral do trabalhador, devendo ser coibida e punida, independente de reiteração e de extensão ao longo do tempo. *Ana Paula Bodra é advogada trabalhista, especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNITAU.  __________ 1 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 70, n. 9, p. 1079-1089, set. 2006. 2 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 3 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 4 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 5 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 6 Disponível aqui. Acessado em 14/08/2021. 7 ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio moral organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 203-214, abr./jun. 2007. 8 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021. 9 Disponível aqui. Acessado em 16/08/2021.
O trabalho remoto é uma tendência do mercado que vem se desenhando há algum tempo e que se intensificou após a pandemia do novo coronavírus. Inesperadamente, as empresas tiveram que se adaptar à nova realidade imposta pela necessidade de manter o isolamento social e, mais do que uma necessidade, passou a ser um dos itens de maior desejo dos empregados. O home office foi amplamente implementado e o regime de teletrabalho, disciplinado pelo artigo 75-A e seguintes da CLT, ganhou maior espaço de aplicação. Se antes as empresas eram resistentes a esta forma de trabalho, justamente por se tratar de algo novo trazido pela lei 13.467/2017, agora o que se observa é a resistência dos trabalhadores em retomar atividades presenciais. A lei 13.467/2017 completou 4 (quatro) anos de sanção presidencial em julho/2021 e, mesmo após esse tempo, ainda há muitas dúvidas sobre o que é teletrabalho e como pode ser implementado, além dos riscos que pode gerar ao empregador, o que se intensificou com a disseminação do home office. De maneira geral, a diferença primordial entre as suas hipóteses, isto é, de teletrabalho e de home office, consiste no fato de que o teletrabalho precisa estar previsto no contrato de trabalho, além de que está fundamentado na lei celetista. O teletrabalho, portanto, não se restringe ao trabalho desempenhado de forma remota, assim como também o é o home office. Ele apresenta certas exigências de acordo com o que a nova redação da CLT determina. A título de exemplo, essa modalidade de prestação de serviços é aquela realizada preponderantemente fora das dependências da empresa, com a utilização de meios telemáticos, desde que não constitua trabalho externo. Por sua vez, o home office não foi algo inovador trazido pela reforma trabalhista ou pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, desde 2011 o artigo 6º da CLT tratava do trabalho desempenhado na residência do empregado, o qual não deve apresentar nenhuma distinção entre aquele prestado nas dependências do empregador, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego. No home office não há qualquer exigência específica de previsão contratual tal como no teletrabalho, podendo ser estabelecido pelas políticas internas da empresa. Nesse sentido, será do empregador o encargo de estipular as regras do trabalho, de modo que cada empresa poderá ter seu regime próprio. Em ambas situações, empregados vêm percebendo como vantajoso o trabalho remoto em relação ao modelo presencial. Eles argumentam que experimentaram uma flexibilidade de horários que antes não era possível, o que os fez poder conciliar melhor responsabilidades profissionais e pessoais, além de poder passar mais tempo com a família. Além disso, defendem o ganho de autonomia em relação ao seu tempo, bem mais precioso atualmente. Se do lado dos empregados esse foi o ganho experimentado, do lado das empresas houve enorme economia financeira com estrutura física, seja com equipamentos e maquinários, seja com a redução de contas e aluguéis. E mais do que isso, de acordo com estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a Em Lyon Business School com 1.075 respondentes, no período de 15 a 29 de março1, a produtividade do trabalho remoto vem sendo maior se comparada ao trabalho presencial. Delineado esse contexto, as empresas foram além e passaram a oferecer vagas de emprego que podem ser desenvolvidos de qualquer lugar do mundo, o que vem fazendo brilhar os olhos dos candidatos e empregados. É o chamado "anywhere office". Essa novidade não se confunde com o teletrabalho, pois ainda não encontra respaldo na lei, tampouco precisa ser estabelecida expressamente no contrato de trabalho. A mais importante diferença consiste no fato de que no "anywhere office" não há apenas preponderância da prestação de serviços fora da empresa, mas sim exercício do trabalho de forma integralmente distante. Na mesma linha de raciocínio, esse modelo vai além do home office, pois pressupõe que o empregador não pode exigir do empregado certa disponibilidade, ou seja, que o empregado não será chamado a comparecer presencialmente nas dependências da companhia. Assim, abre-se espaço para os casos em que o empregado se encontrará não só em cidade distinta a do empregador, mas até mesmo em país diverso. Afinal, o "anywhere office" não impede que o empregado exerça suas atividades em território nacional, internacional, ou, até mesmo, em ambos. Diante disto, surgem as dúvidas: nestas hipóteses, estaríamos diante de um contrato internacional de trabalho? Qual será a lei aplicável a esta relação empregatícia já que coexistiria em ordenamentos jurídicos distintos? As respostas aos questionamentos não são prontas e devem ser construídas caso a caso, de modo que aqui não pretendemos esgotar o assunto, mesmo porque é delicada a questão da legislação aplicável a uma relação jurídica e carece de muito debate, sobretudo quando se trata de contrato de trabalho que tangencia outras áreas do direito, tal como previdenciário e tributário, bem como permite discussões sobre equiparação salarial, isonomia entre empregados, hipossuficiência do empregado e direito coletivo. De toda forma, para colocarmos o tema à reflexão, inicialmente é preciso recorrer ao Direito Internacional Privado e à análise dos elementos de conexão existentes, que nada mais são do que os aspectos presentes no contrato de trabalho que o tornam internacional. Para as hipóteses em que se exige o deslocamento espacial do empregado, há normas que conduzem à solução do conflito de aplicação de regras existente, tais como Código de Bustamante, Convenção de Roma, Convenção do México e Tratado de Assunção. São indicados pelo Direito Internacional Privado os seguintes os elementos de conexão: (i) local da celebração do contrato (lex loci actum); (ii) local da execução do contrato (lex loci executionis); (iii) lei da jurisdição (lex fori); e, (iv) nacionalidade das partes. Nesta esteira, considerando que o trabalho "anywhere office" estaria sendo executado em outro país, é possível concluir que seria um contrato internacional. De acordo com o teor das normas do Direito Internacional Privado, a regra da solução dos conflitos das leis aplicáveis oscila entre o local da execução do contrato e a autonomia da vontade das partes. E, neste sentido, de acordo com o artigo 198 do Código de Bustamante2 (decreto 18.871/1929), Tratado Internacional ratificado pelo Brasil, a lei aplicável seria a do local de prestação de serviços. Tal entendimento, todavia, não é compartilhado pela jurisprudência brasileira, na medida em que as decisões judiciais, em sua maioria, elegem a lei brasileira ou aquela mais favorável ao empregado, regramento que também é admitido como critério para fixação da lei aplicável (princípio da norma mais benéfica). Aliás, os Tribunais Brasileiros, não raras as vezes, fundamentam as suas decisões de conflito de normas internacionais no princípio do centro de gravidade, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, que estabelece o afastamento do Direito Internacional Privado quando, excepcionalmente, observadas as circunstâncias do caso, verificar-se uma ligação muito mais forte com outro direito. Estes posicionamentos jurisprudenciais ganharam força, inclusive, após o cancelamento da súmula 207 do C. TST, que determinava que deveriam ser aplicados os dispositivos da lei do local de prestação da obrigação. Segundo Amauri Mascaro Nascimento3, mencionada súmula foi construída e pacificada no intuito de proteger os trabalhadores estrangeiros que prestavam o labor no Brasil, de modo que não seria analogicamente aplicada aos casos reversos, isto é, a aqueles empregados brasileiros contratados para exercício da atividade no exterior, razão pela qual teve seu cancelamento decretado. Em contraponto, pode-se levar como premissa que o contrato de trabalho "anywhere office" não pode ser considerado como internacional, mas um contrato de trabalho brasileiro, porém sujeito às leis do país de origem, em que pese não haja determinação quanto ao local de exercício do trabalho. Isto porque é possível entender a questão da liberdade de escolha do lugar de trabalho como um benefício concedido ao empregado, previsto expressamente ou não no contrato de trabalho, mas, no mínimo, regulamentado pelas normas e políticas internas da empresa. Parte-se do pressuposto, nestes casos, de que a materialidade do trabalho pode ser exercida de qualquer lugar efetivamente, o que não acontece em casos em que há conflito de normas aplicáveis devido à necessidade de prestação de serviços naquele local específico. Assim, se cabe exclusivamente ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, seria justo imputar à empresa o ônus de arcar com a aplicação de uma lei diversa daquela que se pretendia, no caso a brasileira? Não obstante os pontos trazidos acima, há quem defenda que sim, pois, de acordo com artigo 2º da CLT, o empregador arca com os riscos da atividade econômica e, tendo permitido ao empregado a escolha do local de prestação de serviços, deverá se responsabilizar com eventuais consequências negativas. Feitas estas colocações, o que se percebe é que o dinamismo social, indubitavelmente mais veloz do que a atualização das regras que acompanham a sociedade, mais uma vez deu espaço a uma lacuna na legislação, a qual, todavia, está em vias de ser preenchida, com a iminência da alteração da CLT por meio do PL 4.931/2020. Este projeto visa alterar determinados dispositivos da CLT, mais especificamente os artigos 75-A e seguintes, que justamente tratam do teletrabalho, além de incluir o artigo 75-I que versa exclusivamente sobre o teletrabalho transnacional. De acordo com a nova disposição celetista, em seu parágrafo 2º, em casos de execução de trabalho em outra localidade, serão aplicáveis as leis do local da prestação de serviços, sendo este conceito interpretado como o local do estabelecimento da empresa que mantém o vínculo: "Art. 75-I. Considera-se transnacional o teletrabalho quando o empregado estiver em país diverso do qual se localiza o estabelecimento da empresa ao qual esteja vinculado. § 2º No caso de teletrabalho transnacional, aplicar-se-ão as leis do local da prestação de serviços, assim entendido como sendo o local do estabelecimento da empresa ao qual o empregado se encontrar vinculado."  Mais do que isso, a proposta legislativa propõe alteração do artigo 651 da CLT, com vistas a determinar inclusive o foro de eventual reclamação trabalhista nestas hipóteses de trabalho transnacional: "Art. 651 (...) § 4º Na hipótese prevista no § 6º do art. 75-C desta Consolidação, é assegurado ao empregado em teletrabalho apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado ou no local de sua residência no Brasil. § 5º Na hipótese de teletrabalho transnacional, é assegurado  ao empregado apresentar reclamação no foro do estabelecimento da empresa a que foi vinculado no Brasil." Diante disto, podemos concluir que o conflito de normas aplicáveis em casos de contratos de trabalho "anywhere office" estará solucionado? Ora, enquanto não se tem resposta a esta pergunta, o que certamente se pode afirmar é que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não aborda estes aspectos atrelados às novas formas de prestação de serviços. Portanto, o tema deve ser ponto de atenção para as empresas, o que não exime o Poder Legislativo de tratar da questão com brevidade a fim de regulamentar estas situações e conferir segurança jurídica às partes. *Livia Rodrigues Leite é advogada Especializada em Direito e Processo do Trabalho. Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho e Previdenciário pela FGV. Graduada pela FACAMP. __________ 1 Disponível aqui. 2 Art. 198. Também é territorial a legislação sobre accidentes do trabalho e protecção social do trabalhador. 3 NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 18. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 319-320.  
A audiência é o ponto culminante do direito processual trabalhista. Trata-se de um ato complexo, uma vez que concentra e atrai os demais atos processuais. Não há dúvida que a audiência, em especial a audiência trabalhista, constitui o ato mais importante da ciência do Direito Processual Trabalhista. Audiência Trabalhista, portanto, é um ato formal e solene, que conta com o comparecimento dos sujeitos do processo: das partes, advogados, juiz do trabalho, servidores da Justiça do Trabalho, testemunhas e peritos. Atualmente, em tempos de pandemia, estamos vivenciando mudanças significativas na realização desse ato processual. Prova disso, o que antes era realizado presencialmente, na estrutura física da Justiça do Trabalho - com a oportunidade da observação atenta dos olhares entre os atores sociais, bem como a aproximação das partes - passou a ser realizado de modo virtual. Com o fechamento dos fóruns e consequente isolamento social, houve o impulsionamento de inovações tecnológicas. Como resultado disso, tal situação produziu reflexos no Processo Judicial Eletrônico. Em pouco tempo, foi necessário evoluir e avançar o que provavelmente somente ocorreria em longos anos. E, neste cenário, as audiências que representam um ato processual complexo ganharam maior destaque na prática trabalhista. Isso porque nos deparamos com a nova e atual discussão sobre videogravação de audiências trabalhistas: avanço ou retrocesso? O tema foi abordado no Ato Normativo nº 45 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT.GP.SG Nº 45/2021), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados na videogravação de audiências realizadas no âmbito da Justiça do Trabalho. Ressalta-se o artigo 1º do Ato: "Art. 1º É dispensada a transcrição ou degravação dos depoimentos colhidos em audiências realizadas com gravação audiovisual, nos termos dos arts. 367, § 5º, e 460 do CPC." Entrementes, a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a vigência do Ato nº 45 (CSJT.GP.SG Nº 45/2021) por despacho assinado em 21/07/2021. A validade do ato normativo, que entraria em vigor, foi objeto de controvérsias, inclusive contestada por diversas entidades, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil. Os aspectos técnicos de solução das dificuldades, como a preparação prévia das equipes de magistrados, sobretudo das técnicas de degravação, serão analisados pelo CSJT.1 Diante das constantes mudanças, destaco que nesse momento, 22 de julho de 2021, o ato está suspenso. Corremos um grande risco dessa mensagem se tornar ultrapassada em pouco tempo. Antes de refletirmos sobre a provocação, faz-se necessário tentarmos destacar o conjunto normativo, em outras palavras, o emaranhado de atos normativos que visam regulamentar os atos processuais realizados de modo virtual. Vale destacar o art. 236, §3º, do Código de Processo Civil, que assegura a prática de atos processuais por vídeoconferência: "§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real." Além disso, a Recomendação nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, de 9/4/2021, que orienta os tribunais brasileiros a gravar atos processuais, sejam presenciais ou virtuais, com vistas a alavancar a efetividade dos procedimentos judiciais. Outra normativa observada é a Resolução nº 105 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ nº 105, de 6/4/2010), que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência, e o teor da decisão da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no Processo Nº PP-1001015-64.2020.5.00.0000, ambos dispensando a transcrição dos depoimentos. Ainda, destacamos a Resolução CNJ nº 345, de 9/10/2020, que incentiva a prática de atos processuais exclusivamente por meio eletrônico. Muito se tem discutido sobre a não transcrição dos depoimentos pessoais das partes e testemunhas na ata de audiência. Há quem defenda que a videogravação da audiência trabalhista por se tratar de medida benéfica. Visto que o ato processual se tornará mais célere, afastará prejuízos processuais, uma vez que os depoimentos ficarão gravados e acessíveis a todos os sujeitos do processo. É o que se espera. De certa forma, pode-se observar aspectos positivos, ao conferir a fidedignidade dos atos processuais ocorridos na audiência, sobretudo a releitura da linguagem corporal no momento dos depoimentos pessoais, ou, ainda, diante de requerimentos feitos pelas partes. Diversamente disso, existem opiniões contrárias. Afinal, a posterior análise do processo, de certo modo, poderia ser prejudicada, uma vez que estaríamos diante da ausência da transcrição dos depoimentos pessoais na ata de audiência. Nesse sentido, não há como deixar de observar o art. 851 da Consolidação das Leis Trabalhistas: "Art. 851 - Os tramites de instrução e julgamento da reclamação serão resumidos em ata, de que constará, na íntegra, a decisão."  Considerando o que havia sido proposto no Ato nº 45 do CSJT, os registros em ata de audiência se tornariam ineficientes? E, mais, o duplo registro, aqui destacado o Ato de registrar em Ata de Audiência e da gravação em vídeo, tornam menos célere a marcha processual ou garantem o contraditório e a ampla defesa? São indagações pertinentes a outras tantas mudanças, mormente em um curto lapso temporal, sem que tenhamos oportunidade para um melhor desempenho. Em contrapartida, discute-se a real necessidade de se registrar os depoimentos e demais intercorrências ocorridas durante a audiência, visto que a gravação do ato processual estaria disponível. Quanto ao princípio da eficiência, discute-se o tempo despendido. O ato de registrar em ata de audiência seria tempo perdido, ou gastaríamos mais tempo assistindo as videogravações. Criou-se, portanto, uma celeuma. O princípio da cooperação, previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, impõe a todos os sujeitos da relação jurídica o dever de colaboração. Em nome da nossa responsabilidade social e profissional, nós operadores direito temos o compromisso do exercício constante de nos adaptarmos e nos atualizarmos. Desafiando melhor a dificuldade abordada, uma possível solução para a celeuma seria a manutenção do registro em ata de audiência, do modo como sempre foi realizado, e somando-se a isso a videogravação como uma ferramenta técnico-processual.  Em arremate, faz-se necessário que a Justiça do Trabalho e os tribunais com a sua competência delegada criem uma padronização, de modo a se adotar uma conduta quanto as audiências telepresenciais ou por videoconferência. Além disso, que sejam disponibilizadas ferramentas tecnológicas, treinamento, e, principalmente, tempo hábil, para que os envolvidos na relação processual tenham segurança jurídica. *Juliane Cristina Silvério de Lima é advogada. Professora de Direito e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela EPD. Fundadora do Projeto Audiência Trabalhista de A a Z. __________ 1 Disponível aqui. Acesso em 22/7/2021.
A origem do sindicalismo está na união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho no auge da Revolução Industrial. Esse movimento - primeiramente coibido por leis estatais - foi sucedido por uma fase de tolerância para, posteriormente, passar a ser plenamente reconhecido. A atividade sindical deve ser livremente exercida, devendo ser coibida toda e qualquer forma de obstrução, bem como deve sempre buscar a concreção da tutela coletiva de seus representados. A esse respeito a viga mestra é a liberdade sindical, espécie do gênero liberdade de associação, e que representa a base de todo o arcabouço jurídico engendrado para tutelar a livre atuação de trabalhadores, empregadores e seus respectivos sindicatos. Alinhada com a liberdade invariavelmente está a implantação do modelo da pluralidade sindical, que deixa mais concreto essa liberdade sindical e o fortalecimento dessas instituições, de modo a estabelecer analogicamente uma livre concorrência entre eles, e não uma imposição legal de representação como é feito pela unicidade sindical e a representatividade obrigatória. No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 assegura tanto o direito de livre associação quanto a liberdade sindical (artigos 5º, XVII a XXI, e 8º caput e I). Não obstante a positivação demonstrada, a liberdade sindical como direito fundamental padece de plena efetividade por conta da estrutura da organização sindical ainda vigente no Brasil, afora a manutenção da unicidade sindical, um dos grandes obstáculos à plena efetivação da liberdade sindical. Pautado nessa liberdade, o foco do direito coletivo do trabalho, enxergado de maneira ampla, possui nas relações sindicais a tutela específica e, ao mesmo tempo, ampla dos interesses coletivos dos trabalhadores e empregadores representados por seus entes sindicais. Logo, contraditório dentro de um sistema de liberdade sindical, como aliás é normatizado inclusive no plano constitucional, fato é que existir qualquer controle estatal - como é o caso, por exemplo, da manutenção da unicidade sindical e da representatividade obrigatória, que são ideias de sindicato monolítico obrigatório - obviamente se contrária à liberdade sindical. Não obstante, nesse modelo já de duvidosa liberdade sindical, pois, ainda há nítida interferência estatal, sobrevém a lei 11.648/08 outorgando a qualidade de ente sindical as centrais sindicais, o que é totalmente dissociado da liberdade e autonomia sindicais plenas e, inclusive, contraditório ao modelo da unicidade sindical. Ademais, essa intervenção contraria a estruturação piramidal já existente em nossa Constituição Federal, isto é, a imposição legal para que as centrais sindicais sejam consideradas entes sindicais causa um colapso estrutural no sistema já existente, pois, ante a unicidade e o sistema confederativo (artigo 8º, IV, da CF/88, destacando que tal padrão existe desde a década de 1930, consoante decreto 19.770, de 1931), não há compatibilidade para que as centrais ocupem qualquer lugar na estrutura, sem que, no caso, seja feita uma prévia e necessária reforma sindical. Essa forçosa limitação imposta pelo Estado é contrária ao quanto preconizado pela Convenção nº 87 da OIT, por manter conduta intervencionista do Estado, propiciando inclusive um sindicalismo corporativista. Gino Giugni1 define claramente que nos sistemas de liberdade sindical é assegurada a liberdade jurídica de constituir organizações com qualquer orientação ou estrutura. Esse modelo, ao nosso sentir, desfavorece a efetividade da atuação plena sindical, e, por consequência, a tutela dos interesses coletivos, pois, o cerne principal dos sindicatos é a representação de seus tutelados para a busca de melhorias nas condições sociais e de emprego havida pelas negociações coletivas, a qual deixa de ser evidenciada por haver uma representatividade imposta (unicidade) e não conquistada (unidade). É nesse o cenário que os entes sindicais atuam, sendo clara e muito ativa as legitimidades dos sindicatos de base, das federações e das confederações. As entidades sindicais, conforme Santos2, constituem espécies particulares de associação, com elementos peculiares que justificam variações na sua disciplina em relação à disciplina geral. E entre essas peculiaridades estão os poderes e as prerrogativas sindicais, os quais relevam o poder de estipular acordos e convenções coletivas de trabalho com abrangência categorial. Logo, por serem uma espécie de associação, aos sindicatos - além dos poderes, prerrogativas e deveres decorrentes de sua personalidade sindical - lhes são aplicáveis todos os dispositivos constitucionais referentes às associações. Contudo, mesmo ao passo da legitimidade dos entes sindicais para as ações coletivas, temos evidenciado a limitação dessa legitimação, com lastro na divisão do modelo sindical por categorias (artigo 511, parágrafos 1º e 2º, da CLT), ou seja, os sindicatos estão legitimados às matérias laborais de interesse metaindividuais,  mas limitados a categoria ou abrangência dessa. Indubitável restou essa legitimidade dos sindicatos quando o Supremo Tribunal Federal, em 12 de junho de 2006, analisando o Recurso Extraordinário nº 193.503-1-São Paulo, em acórdão relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, deixou assentado que o artigo 8º, III, da Constituição Federal, estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. E nada obstante todo acima exposto e a clarividente legitimação desses entes sindicais, o quadro atual é de esmagadora maioria do encabeçamento das ações civis públicas pelos Ministérios Públicos, do que pelos entes sindicais, estatística essa ressaltada por Mancuso3. A tutela coletiva exercida pelas centrais sindicais seja judicialmente ou extrajudicialmente é, ao nosso sentir, inexpressiva como veremos abaixo. Por regra, em nosso ordenamento jurídico as centrais sindicais são consideradas pessoas jurídicas de direito privado, que adquirem personalidade jurídica (ainda não sindical) com o registro de seus atos perante o cartório de registro público, vindo a obter a personalidade sindical apenas com o advento da lei 11.648/08. Diante desse desenho piramidal é preciso ainda respeitar o seu agrupamento, que se dá por critério de homogeneidade, dado pela divisão em categorias e pelo princípio da unicidade sindical, não havendo, assim, liberdade para a vinculação entre as diversas entidades sindicais que compõem a pirâmide, já que o sistema se organiza tendo em conta as outras restrições constitucionais existentes à liberdade de organização, quais sejam, a unicidade sindical, a base territorial mínima e a sindicalização por categoria. Não estamos aqui a diminuir ou desprezar a importância política aglutinadora e da enorme capacidade das centrais sindicais na defesa dos interesses de seus "representados", mas essas da forma como concebidas são incompatíveis com o modelo constitucional, de modo que a lei 11.648/08 que lhes outorgou a roupa de ente sindical o fez de maneira não só contrária ao texto constitucional, como também é certo que a mens legis buscava apenas o caráter econômico ligado à extinta obrigatoriedade da contribuição sindical, da qual rentabilidade econômica não participavam essas centrais. Nesse prisma, as centrais sindicais não integram o sistema confederativo sindical brasileiro, sendo entidades de representação geral dos trabalhadores de âmbito nacional, que não dispõem de poderes inerentes às entidades sindicais, principalmente a de representação jurídica. É relevante ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro concentra no sindicato as funções de representação e de negociação, sendo que as demais entidades sindicais (federações e confederações, respectivamente) podem exercer essas funções em caso de inércia ou de inexistência do sindicato de base (arts. 617 e 611, § 2º da CLT). Entrementes, a Constituição de 1988 ampliou a legitimidade sindical, por meio das confederações, para propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da declaratória de constitucionalidade (art. 103, inciso IX da CF/88). Neste prumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que só as entidades sindicais de terceiro grau, ou seja, as confederações serão legitimadas a ajuizar ações que versem sobre o controle de constitucionalidade (ADIn 4184/DF), deixando as centrais sindicais de fora desse rol, já que essas são organizações intercategoriais ou multicategorias em uma linha horizontal compreendendo diversas categorias. A própria lei das centrais sindicais que as outorgou a qualidade de ente sindical não lhes atribuiu legitimidade processual, mas sim, apenas, prerrogativas genéricas, tais como: coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores (art. 1º, lei 11.648/08). A respeito das centrais sindicais terem legitimidade para tutela de interesses coletivos, temos que o assunto é bastante denso e controvertido, porém vem prevalecendo que essas não têm representatividade jurídica, segundo Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich4, pois, quando não houver sindicato representativo da categoria econômica ou profissional, poderá a representação ser instaurada pelas federações correspondentes e, na falta dessas, pelas confederações (por aplicação analógica do artigo 857, parágrafo único da CLT). A legitimidade processual é tão inexistente que, em 12 de março de 2021 o Supremo Tribunal Federal, por maioria, em votação no plenário, não conheceu da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5306, ajuizada pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), contra a Lei Complementar Estadual 502/2013 de Mato Grosso, tendo prevalecido o voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a jurisprudência do Supremo é de que as centrais sindicais não têm legitimidade ativa para ajuizar ação de controle concentrado de constitucionalidade. Importante trazer a lume que a ilegitimidade das centrais sindicais para ajuizar ou tutelar interesse processual coletivo reside no fato dessas congregarem integrantes das mais variadas atividades ou categorias profissionais ou econômicas, não se qualificando, assim, como uma confederação sindical nem como uma entidade de classe de âmbito nacional, conforme exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como bem evidenciou o ministro Alexandre de Moraes em seu voto da citada ADIn 5306. A ausência de tutela dos interesses coletivos pelas centrais sindicais, através das ferramentas ou ações coletivas, resta crível, ao passo de sua ilegitimidade e falta de interesse vinculante específico de agir, todavia, essas também não vem defendendo os interesses coletivos sequer pela via material. No tocante à tutela exercida pelas centrais sindicais  no campo extrajudicial ou medidas efetivas para tutelar os interesses gerais dos trabalhadores, como asseveram Krein e Colombi5,  foi aferido que nos maiores períodos de crise, a exemplo dos anos de 2014 e 2015, as atividades das centrais sindicais não passaram de gritos, passeata, eventos discursivos que em nada contribuíram para a tutela material do trabalhador. Ao nosso sentir, a situação trazida mostra o caráter somente econômico da lei 11.648/08 com o fito de ao adjetivar as centrais sindicais como ente sindical, busca apenas outorgar a essas legitimidade para participar da divisão econômica milionária, à época, aferida pela arrecadação da contribuição sindical, almejando com isso o fortalecimento de um estado que intervêm na ordem sindical e, em contraponto, mantém uma total desproteção do trabalhador por essas entidades nada efetivas no plano concreto na defesa dos interesses coletivos. A lei 11.648/08, a rigor, não trouxe novidades, não oferecendo às centrais nada além dos espaços e das fontes de recursos aos quais elas já tinham alguma forma de acesso pela própria competência (que, evidentemente, varia de uma para outra), tendo feito a  lei apenas institucionalizar os acessos e garantir a pluralidade de centrais, razão pela qual estabeleceu padrões reduzidos para obtenção de índice de representatividade. Visou também a legislação garantir os interesses corporativos da centrais, porém pautada inarredavelmente sobre a manutenção da unicidade compulsória na organização de base para manter seus controles sobre elas e o sistema. Logo, mantemos assim um velho sistema sob uma hipotética nova roupagem, mesmo após reforma trabalhista, com um sindicalismo corporativo e nada tutelar de sua coletividade representada, contribuindo para a não concreção dos direitos e de tutela coletiva, permanecendo, inclusive, a cidadania no mesmo ritmo, isto é, desprestigiada, pois, sindicato ou sistema sindical fraco ou monopolizado significa ausência de evolução social, econômica e de condições melhores de trabalho aos hipossuficientes empregados. ____________  1 GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 2 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Pagina 50 a 51. 3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109. 4 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 5 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. ____________  ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Sistema da ação civil pública no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. Página 271 a 275 BRASIL. Constituição Federal de 1988.  Acesso em: clique aqui. Acessado em 21/01/2021. ________. Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em: clique aqui. GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1992. Tradução Eiko Lúcia Itioka. p. 33 KREIN, José Dari; DIAS, Hugo Rodrigues; COLOMBI, Ana Paula Fregnani. As centrais sindicais e a dinâmica do emprego. Estudos Avançados, [S.L.], v. 29, n. 85, p. 121-135, dez. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-40142015008500009. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: lei 7.347/85 e legislação complementar. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Páginas 108-109 SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008. Página 50 a 51.
Introdução A lei 14.112/2020 não só alterou a lei 11.101/2005, mas atualizou a legislação referente à recuperação judicial, à decretação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. O novo comando legal passou a vedar o prosseguimento das execuções relativas a créditos ou obrigações sujeitos à falência ajuizadas contra o devedor solidário. A interpretação lógica e sistemática da lei invoca como postulados básicos os princípios da universalidade e indivisibilidade do juízo falimentar, além do princípio da par conditio creditorum. Assim, eventuais créditos do exequente devem ser habilitados junto ao Juízo Universal, e não mais serem executados na Justiça Especializada. A decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial implica imediatamente (i) na suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor que estão sujeitas ao regime desta lei; (ii) na suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e (iii) na proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. Dessa forma, a execução do crédito trabalhista está subordinada ao juízo universal e ao processamento da recuperação judicial ou da falência. Natureza jurídica do crédito trabalhista  A natureza jurídica do crédito trabalhista é alimentar e preferencial, nos termos do artigo 100 §1º - A da CRFB/88. Durante o processo de falência os créditos trabalhistas têm preferência de pagamento, num limite de até 150 salários-mínimos por trabalhador, sendo que eventual saldo remanescente passa a ter a mesma paridade dos créditos quirografários. O artigo 6º da Lei 14.112/2020 reitera, consolida e sistematiza a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. No seu art. 6º foram incluídos os incisos I, II e III que, de forma indubitável, determinam a suspensão das execuções já ajuizadas contra o devedor, inclusive dos credores particulares do sócio solidário, sujeitos à recuperação judicial ou à falência. A literalidade do termo "inclusive" se traduz em "até mesmo", ou seja, a decretação da falência implica na imediata suspensão de todas as execuções ajuizadas contra o devedor solidário relativas aos créditos sujeitos à falência. Dessa forma, a fase executória, os atos de execução em si devem ser imediatamente suspensos, haja vista que os créditos trabalhistas serão inscritos no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença resultante das ações na fase de conhecimento. Portanto, é inquestionável que todos os créditos trabalhistas, inclusive daqueles direcionados ao sócio solidário, ficam suspensos em prol do sistema de direito concursal brasileiro. Há expressa vedação legal para se proceder quaisquer meios de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor solidário, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. A novidade na incorporação ao texto legal tem seu cerne na fase executória e os atos de execução em si que deverão ser suspensos. Por esses motivos não se podem utilizar, doravante, entendimentos anteriores a vigência da Lei 14.112/20, que teve seu início para normatizar decisões presentes. Entrementes, o §2º do artigo 6º da lei 11.101/2005 foi mantido, de modo ser permitido pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação de créditos trabalhistas, sendo que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Responsabilidade solidária A responsabilidade do sócio pelas dívidas trabalhistas ocorre quando não se localiza nenhum bem de propriedade da empresa, ou seja, a inexistência de bens da empresa capazes de garantir a solvabilidade do débito exequendo. A inclusão de sócio no polo passivo é medida excepcional e adotada sempre que restam frustradas as tentativas de satisfação integral do crédito ante a não existência de bens suficientes da empresa executada, independentemente de sua responsabilidade direta ao processo trabalhista. A responsabilização dos sócios pela satisfação de créditos trabalhistas seguia o entendimento majoritário da doutrina e se fundava na inércia do executado em pagar ou indicar bens para saldar sua dívida, de acordo com o §5º do artigo 28 do CDC, aplicado subsidiariamente ao processo do Trabalho. No entanto, não havia até então previsão legal específica para a responsabilização do sócio, o que gerava decisões divergentes entre os juízos, pois parte se utilizava da teoria maior que exigia a comprovação da fraude ou confusão patrimonial para que autorizassem a desconsideração. Para Bernardes1 (p. 305) a "inovação trazida no artigo 10-A da CLT é benéfica por trazer a previsão genérica de responsabilidade subsidiária do sócio nos processos trabalhistas em consonância com a jurisprudência majoritária no cenário anterior à reforma". Destarte, para regular a desconsideração da personalidade jurídica foi inserido o artigo 855-A da CLT, estabelecendo a aplicação ao processo do trabalho do incidente previsto nos artigos. 133 a 137 da lei 13.105/2015. A responsabilidade não é presumida, pois ela decorre da lei ou da vontade das partes, nos termos do art. 265 do Código Civil. Em relação a terceiros, como ocorre com o crédito trabalhista, os bens particulares dos sócios, conforme dispõe o art. 1.024 do CC, não podem ser executados por dívidas da sociedade, exceto depois de executados os bens da pessoa jurídica. Prazo para pagamento dos créditos trabalhistas A arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, será de competência do juízo falimentar nos termos do art. 7º - A da lei 14.112/2020. A regra geral do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, no plano de recuperação judicial, é de um ano. Entretanto, a Lei nº 14.112/2020 incluiu a possibilidade do prazo estabelecido ser estendido em até dois anos, se o plano de recuperação judicial atender aos seguintes requisitos, cumulativamente: (i) apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz, (ii) aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do §2º do art. 45  lei; e (iii) garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas. Dessa forma, as alterações promovidas pela lei 14.112/20 possuem características ampliativas em relação às possibilidades de negociações dos credores elastecendo o prazo para que as empresas em crise possam quitar seus débitos, bem como estimular a atividade econômica. Os créditos trabalhistas na falência estão limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho têm prioridade de pagamento e ocupam a primeira posição na classificação dos créditos. Os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite serão considerados quirografários e obedecerão a ordem de classificação disposta no art. 83, inciso VI, alínea "c" da lei 14.114/2020. Falência da sociedade empresária  A falência constitui um novo estado jurídico que produz vários efeitos sobre os devedores e credores. Um dos efeitos é o alcance da pessoa do falido, os contratos firmados, seu patrimônio e o direito dos credores. Segundo o art. 76 da lei 11.101/2005, o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo. Nessa senda, os créditos trabalhistas originam-se da relação jurídica entre empregado e empregador, e, logo, estão dentre os créditos regulados pela Lei de Falências.   O processo de execução, ou cumprimento da sentença trabalhista segundo Calcini, Guimarães e Jamberg2  (p. 111), "se faz no interesse do credor, de modo que os atos executivos devem ser direcionados para o cumprimento da obrigação contido no título executivo, revelando, de outro lado, o prestígio do poder jurisdicional de fazer cumprir suas decisões". Desde a vigência da lei 11.101/2005, de forma positiva, as Justiças Comum e Especializada suscitam para si a competência para a satisfação dos créditos trabalhistas, gerando incontáveis conflitos de competência que acarretam em maior morosidade. Diante dessa perspectiva a Lei nº 14.112/2020 veio pacificar tais questionamentos e assentou a competência do Juízo Falimentar para a satisfação de créditos sujeitos no juízo universal, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.  Desconsideração da personalidade jurídica O princípio da desconsideração da personalidade jurídica, além de previsto no direito do trabalho, está disposto em outros ramos do direito como: empresarial, civil, consumidor e tributário. Este instituto, inicialmente, foi utilizado pela jurisprudência para obstar situações de abuso da personalidade jurídica com finalidade de lesar credores. A sociedade deixava de ter a função social da propriedade prevista no art. 170 da Constituição Federal, sendo utilizada de forma desvirtuada, com fins diversos. Bezerra Leite3 (p.124) preleciona que a "despersonificação do empregador, ou desconsideração da personalidade jurídica do empregador, constitui, a rigor, princípio do direito material trabalhista" (arts. 2º, 10 e 448, todos da CLT). Segundo Bernardes4 (p.298), o sócio pode ser responsabilizado por dívidas trabalhistas a partir da instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica "por força da qual se supera episodicamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica". Para Miessa5 (p. 1.266) "é sabido que a pessoa jurídica não se confunde com a figura de seus sócios. No entanto, o sócio tem responsabilidade secundária, ou seja, seu patrimônio poderá ser atingido para arcar com o pagamento de dívida da pessoa jurídica". O artigo 82-A da lei 14.112/2020 prevê a vedação da extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada sendo possível a desconsideração da personalidade jurídica. Esta, porém, somente pode ser autorizada nas hipóteses do Código Civil (art. 50, CC) e na forma procedimental prevista pelo Código Processual Civil (arts. 133 e seguintes, CPC), ou seja, através de instauração do incidente próprio. A Justiça do Trabalho, antes da inovação trazida pela lei 14.112/2020, permitia mesmo na falência que a execução continuasse em desfavor do sócio solidário que já integrava o polo passivo, devido ao entendimento que os bens dos sócios não se confundiam com os bens da massa falida. Assim, alguns credores trabalhistas recebiam a totalidade dos seus créditos no curso do processo trabalhista, enquanto no falimentar os demais estavam sujeitos a receberem percentual menor, ou seja, ocorria uma ruptura do princípio da par condictio creditorium, prática vedada no processo falimentar. Se não fosse dessa forma, não haveria a necessidade da existência do juízo universal, que tem a competência para dirimir os conflitos entre os credores e o devedor insolvente, assim declarado judicialmente, julgando todas as ações que envolvam interesses da sociedade. Ademais, a universalidade do juízo falimentar decorre de disposição legal, nos termos dos arts. 3º e 76, ambos da lei 11.101/2005. A indivisibilidade do juízo falimentar se refere às ações propostas quando já decretada a falência, sendo que a atração do juízo universal alcança apenas as ações ajuizadas pela massa falida ou contra ela. Resistência da Justiça do trabalho em remeter os processos para o juízo universal A Justiça do Trabalho vem sendo impactada nos últimos anos pela Reforma Trabalhista, pela Lei da Liberdade Econômica, pela Nova Lei de Falências, pelo Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), dentre outras Leis, Medidas Provisórias e entendimentos do Supremo Tribunal Federal. O princípio da proteção, essência do Direito do Trabalho, aplicado pelas regras in dubio pró-operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, resultam numa resistência histórica do cumprimento, na prática, de disposições legais de outros ramos do direito. Em que pese as normas postas suspenderem as execuções trabalhistas e determinarem a remessa dos processos para o juízo concursal, ainda se observam diversos julgados contrários, deflagrando total arbitrariedade dos magistrados trabalhistas. Interpretar e aplicar o Direito do Trabalho é respeitar a competência das outras áreas do Direito, pois o ordenamento jurídico é uno e o Direito deve ser expresso de forma sistemática e coordenada. O art. 6º, §2º, da lei 11.101/05 prevê que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Observe a importância da Justiça do Trabalho que entrega o bem da vida pretendido à quem de direito, para que juízo universal, que tem o poder-dever-função garanta a inclusão do crédito na classe própria. Assim, todos os ramos do direito estão imbricados com vista a regular as relações humanas e alcançar a paz social como valor maior cabendo aos juízos o respeito pela jurisdição que lhes compete. Overruling da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores  O Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de ser cabível o redirecionamento da execução em face dos bens dos sócios da empresa falida, na medida em que tais bens não se confundem com os bens da massa falida. O overruling consiste na superação de um precedente normativo, que pode se dar de forma expressa ou tácita, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil. Novos dispositivos legais foram introduzidos pela lei 14.112/2020, pelo que se depreende uma real superação da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Trabalhista em relação à temática. Em recente acórdão publicado em 18 de maio de 2021, entenderam os Desembargadores da 1ª Turma do TRT/RJ da 1ª Região que não há qualquer dispositivo no ordenamento jurídico pátrio, que "autorize que a superveniência da decretação do regime falimentar possa irradiar efeito desconstitutivo sobre pagamentos pretéritos licitamente efetuados"6. Entretanto, está-se diante de situação pretérita, quando os bloqueios ocorrem antes da sentença de quebra. Dessa forma, patrimônio do sócio solidário se mantêm apartado do patrimônio da massa para a satisfação do crédito trabalhista. E, por esse motivo, antes da decretação da falência, e consonante com a jurisprudência atual, este deverá ser colocado à disposição do Juízo Trabalhista e, por conseguinte, não ser objeto de atratividade pelo Juízo Universal Falimentar. Contudo, após a decretação da falência, a Justiça do Trabalho deixa de ser competente para continuar a executar patrimônio de sócio solidário, encerrando a sua atividade jurisdicional com a quantificação da dívida e a expedição de certidão para habilitação do crédito trabalhista no quadro geral de credores perante o Juízo Universal Falimentar, nos termos da lei 14.112/2020. Conclusão  Por todo o exposto, claro está que às inovações trazidas pela lei 14.112/2020 têm aplicabilidade imediata aos processos trabalhistas em curso, visto que se trata de norma processual, passando a ser aplicada no processo laboral a partir de sua vigência no ordenamento jurídico. O crédito trabalhista deve ser satisfeito com a pronta expedição de certidão de crédito para que o exequente se habilite nos autos da falência, nos termos do art. 83, I, da Lei Falimentar. Deferido o processamento da falência, exaure a competência da Justiça do Trabalho para promover qualquer ato executório em desfavor do devedor falido ou de socio solidário. A atratividade do juízo universal visa garantir a isonomia prevista no citado artigo 5º, para que todos os credores venham a receber o mesmo tratamento, respeitando o princípio da igualdade. Entendimento em sentido contrário, em arremate, chancelaria escancarada fraude ao concurso de credores, sendo poucos os privilegiados em detrimento da massa falida com burla a ordem obrigatória de classificação dos créditos na falência conforme previsão do artigo 83 da lei 11.101/2005, o que não se permite no ordenamento jurídico. *Heloísa Helena do Valle Marcello é pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Economia e Capital. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Pedagoga e advogada. __________ 1 Bernardes, Felipe. Manual de Processo do Trabalho/Felipe Bernardes. 3. Ed. Ver. atual. e ampl. - Salvador: JusPodivm, 2021 p. 305. 2 Guimarães Rafael. Execução Trabalhista na prática/ Rafael Guimarães, Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg. Execução Trabalhista na Prática - Leme, SP: Mizuno, 2021. 3 Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho - 16. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 124. 4 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho - 3ª ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 298. 5 CORREIA, Henrique e MIESSA, Élisson. Tribunais e MPU - Noções de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho - Para Técnico (2020). 5ª Ed. Revista atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p.1.266. 6 PROCESSO nº 0018200-40.2006.5.01.0342 (AP).
sexta-feira, 11 de junho de 2021

As redes sociais e o Direito do Trabalho

O fenômeno da globalização consiste na interligação geográfica, política, econômica, social e cultural dos povos. Thomaz L. Friedman, na sua imperdível obra, "O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI", descreve, com profundidade, os efeitos e a dinâmica da globalização. Ele a segrega em três etapas. A primeira é a "globalização 1.0", que envolveu apenas os países. A "globalização 2.0" abrangeu as empresas. Já a "globalização 3.0" é o que se classifica como a "recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborarem e concorrerem no âmbito mundial". Por esta última faceta, o indivíduo isolado ou organizado em pequenos grupos ganha uma força em âmbito mundial, o que foi possível em razão da "convergência entre o computador pessoal (que subitamente permitiu a cada indivíduo tornar-se autor de seu próprio conteúdo em forma digital), o cabo de fibra óptica (que de repente permitiu a todos aqueles indivíduos acessar cada vez  mais conteúdo digital no mundo por quase nada) e o aumento dos softwares de  fluxo de trabalho (que permitiu aos indivíduos de todo o mundo colaborar com aquele mesmo conteúdo digital estando em qualquer lugar, independentemente da distância entre eles)". Esta força individual ganhou ainda mais corpo com o advento das redes sociais, dando visibilidade às mais diversas espécies de manifestação. Nas palavras de Geraldo Magela Melo, as "plataformas de relacionamentos virtuais são muito mais que simples diários online, são meios de informação, educação interação e participação na vida familiar, social acadêmica, política e afetiva."1 Neste contexto, surge a necessária reflexão acerca das repercussões do uso das redes sociais no contrato de trabalho. Ab initio, não há muita dúvida acerca da possibilidade jurídica de não se permitir o uso de redes sociais durante a execução do trabalho. Observando-se critérios de razoabilidade, a proibição pode ser objeto de regulamentação por norma interna, sem maiores dificuldades. O principal aspecto a ser analisado é se uma postagem em redes sociais, em momento alheio ao da prestação de serviços decorrente do contrato de trabalho, tem o condão de gerar alguma repercussão jurídica na relação entre empregador e empregado. As redes sociais digitais permitiram o surgimento de uma vigilância silenciosa do empregador em relação a seus funcionários, consistente na análise de suas postagens nas mídias sociais. Criou-se o "Big Brother" no trabalho, como costuma afirmar o brilhante jurista José Eduardo de Resende Chaves Junior! Pode-se considerar, então, a existência de um Poder Empregatício Virtual? Ele viola a liberdade de expressão dos trabalhadores? No mundo pós-moderno a força das redes sociais para a formação da opinião pública é inegável, como bem delineia o documentário "O Dilema das Redes". Elas moldam a percepção política, social, cultural e de consumo de cidadãos em todo o mundo. Uma postagem, portanto, tem a possibilidade de atingir uma massa expressiva de pessoas, que repassam continuamente aquela mensagem ou vídeo, tornando-a viral! Não se pode negar o efeito positivo da "viralização" de conteúdo de rede social quando ele é positivo, de cunho educativo e assistencial. Também, inegável as consequências deletérias de postagens ofensivas que disseminam ódio ou inverdades ("fake news"). Sob esses prismas é que o fenômeno das redes sociais deve ser analisado no que tange aos seus efeitos no contrato de trabalho. Com efeito, a celebração do pacto laboral pressupõe a boa-fé objetiva entre os contratantes, conforme dicção do art. 422 do Código Civil, segundo o qual eles devem observá-la, também, nas fases pré e pós-contratual. A boa-fé permeia, portanto, a própria existência do contrato de trabalho. Nesta quadra, não há dúvida de que uma postagem negativa a respeito do seu empregador pode caracterizar quebra da fidúcia e da confiança, que são eles intrínsecos inerentes ao pacto de trabalho. Ora, como um empregador irá confiar num trabalhador que alega problemas de saúde e posta foto em redes sociais participando de festas? O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região já manteve justa causa exatamente na situação narrada: JUSTA CAUSA. REDES SOCIAIS. Configurada perda de confiança na empregada pela postagem de fotos em redes sociais participando de festividades em período em que estaria com problemas de saúde, o que torna impossível a manutenção do liame empregatício (TRT 4ª Região, processo n. 0022094-52.2015.504.0333, publicado no DEJT em 17/03/2017). O mesmo ocorre com funcionário que faz crítica a seu empregador de maneira pejorativa nas redes sociais. Neste sentido, também consagra a jurisprudência a possibilidade de rescisão do pacto laboral por justa causa: JUSTA CAUSA. POSTAGEM DIFAMATÓRIA DA EMPRESA EM REDE SOCIAL. CONFIGURAÇÃO. Não se nega à reclamante o direito de expressas seus sentimentos, mas a mesma deve arcar com as consequências de suas manifestações. Em nome do direito à liberdade de expressão não se pode ofender ou denegrir a imagem de pessoas física e jurídicas. Ao fazer a postagem "Hoje me sentido num Tribunal julgada a prisão perpétua no MOPC liberdade nunca canta", a reclamante comparou a reclamada a um tribunal que lhe atribuiu injustamente a pena máxima de prisão perpétua, privando-a da liberdade, apenas porque a empresa não concordou em demiti-la. Provimento negado. (TRT 2ª Região, processo n. 1000445-41.2019.502.0038, publicado no DEJT em 17/08/2020). A análise do cabimento da justa causa ou de outra penalidade (advertência ou suspensão) é sempre subjetiva e deve ser pautada pelo equilíbrio, sopesando os valores da liberdade de expressão e da boa-fé. Não é toda crítica, portanto, que pode e deve ensejar a aplicação de penalidades por parte do empregador. Em análise análoga àquela aqui descrita, o Tribunal Superior do Trabalho, corretamente, manteve a descaracterização de justa causa à trabalhadora que apenas emitiu comentário nas redes sociais acerca da baixa qualidade da alimentação fornecida por seu empregador: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DIREITO DO EMPREGADO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS REDES SOCIAIS EM CONTRAPOSIÇÃO AO DIREITO À HONRA E À IMAGEM DA EMPRESA - JUSTA CAUSA DESCARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE ENTRE A CONDUTA OFENSIVA E A PENA MÁXIMA DE DISPENSA . No caso dos autos , verifica-se que o fato, por si só, de a empregada emitir opinião pessoal nas redes sociais sobre a qualidade da alimentação fornecida pela empresa, em configuração de privacidade restrita ao seu círculo de amizade , e na condição de consumidora dos serviços hospitalares da demandada, não configura gravidade suficiente a ensejar a dispensa por justa causa, mormente quando não consignadas outras faltas cometidas pela autora em sua grade curricular, nem observada a gradação de penas para legitimar a resolução contratual, que se dera, com efeito, de forma abrupta, em decorrência do único fato referido, que não se demonstra grave o bastante para a dissolução do liame empregatício existente entre as partes - frise-se. Considerando tais premissas fáticas, extrai-se do acórdão regional a ausência de proporcionalidade entre a sanção máxima de dispensa com a falta funcional praticada, tendo em vista que a reclamada agiu com rigor excessivo ao proceder à rescisão contratual por justa causa. O ato praticado pela reclamante não ensejou seu enriquecimento ilícito, nem gravidade suficiente que impossibilitasse a subsistência do vínculo de emprego. Ao contrário, a conduta da reclamante insere-se no exercício do direito de liberdade de expressão de opinião e pensamento , assegurado constitucionalmente no art. 5º, IV, da Carta Política de 1988. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido" (AIRR-2361-81.2015.5.02.0034, 7ª Turma, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 29/06/2018). É certo que a internet não é um território sem lei. A liberdade de expressão (art. 5º, inciso IV e IX, da CRFB/88) deve ser consagrada, mas quando ultrapassada a fronteira da razoabilidade e da boa-fé objetiva, aplicáveis a todos os contratos, inclusive o de trabalho (art. 422, do Código Civil), pode haver consequências na relação empregatícia. No mundo pós-moderno (líquido), manifestar-se na internet está cada dia mais próximo de um diálogo presencial, com repercussões inegavelmente maiores, inclusive econômicas. O mau uso das redes sociais pode acarretar consequências desagradáveis para as duas partes da relação empregatícia, na medida em que o empregador muitas vezes  é atingido em seus valores e pilares por uma postagem em rede social realizada por seu funcionário. Cada dia mais o trabalhador tem que ter ciência do seu poder nas redes sociais, inclusive para se manifestar e reivindicar, se for o caso, melhores condições de trabalho. Entretanto, deve estar ciente do Poder Empregatício Virtual, que subverte a lógica clássica da relação empregatícia, mas é uma realidade inexorável. Tudo isso não retira a recomendação de que os empregadores devem orientar seus funcionários acerca do comportamento nas redes sociais através do poder regulamentar, o qual pode ser exercido mediante treinamentos, cartilhas e códigos de conduta. Em arremate, as redes sociais fazem parte da realidade e da vida de qualquer um de nós. Por isso, não se pode deixar de lado os importantes e inerentes reflexos no mundo do trabalho! *Júlio César De Paula Guimarães Baía é graduado em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós-graduado em Direito Civil pela FGV. Mestre em Direito do Trabalho em UFMG. Ex-procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Mineira de Futebol. Professor universitário. Professor dos cursos de pós-gradução da ESA/MG, do Ieprev, do Iprojud e da UNA. Coordenador da Pós-Graduação de Direito e Gestão do Trabalho e também da Pós-Graduação em Advocacia Corporativa, ambas da Faculdade Arnaldo Janssen. Consultor Educacional do Grupo Cogna. Coordenador do canal "Descomplicando o Direito do Trabalho, no YouTube. Advogado. __________ 1 MELO, Geraldo Magela. A reconfiguração do direito do trabalho a partir das redes sociais digitais. São Paulo. LTr, 2018. p. 52
Primeiramente, cabe conceituar o termo "extinção", cuja terminologia não é uníssona na doutrina. Dentre os que utilizam tal expressão, estão Délio Maranhão, Hugo Gueiros, Gabriel Saad, dentre outros. Há, contudo, quem prefira o termo "cessação", como Gustavo Felipe Barbosa Garcia e Sérgio Pinto Martins; ou "terminação", como Arnaldo Süssekind; ou dissolução, como Orlando Gomes. A própria Consolidação das Leis Trabalhistas emprega as mais variadas expressões, mas como sinônimas, a saber: rescisão, nos artigos 482 a 484; terminação e cessação do caput do artigo 477; e dissolução também no artigo 477, mas em seu § 2.º Inobstante a inexistência de um consenso terminológico, não restam dúvidas que estar-se-á falando da extinção do contrato de emprego - Cassar até refere que diferenciar esses termos nada mais é do que um "preciosismo", visto que todos se dirigem ao mesmo fato, qual seja, o próprio término do vínculo empregatício1. Garcia aduz que o término do vínculo empregatício é uma espécie, da qual são gêneros a resilição, a resolução e a rescisão2. Para o autor, a resilição pode ser tanto bilateral quanto unilateral. Será unilateral quando o contrato for denunciado pelo empregado ou pelo empregador, ou seja, quando somente uma das partes demonstrar a intenção (ou "animus") em resolver o contrato de trabalho. Frise-se que, em tal modalidade, não há causa que motive a parte que busca a denúncia do contrato: é a dispensa sem justa causa ou o "pedido" de demissão. Aqui, cumpre fazer uma breve discussão acerca do "pedido" de demissão. Parte da doutrina critica veementemente o emprego de tal expressão, pois não há, de fato, um "pedido" de demissão, visto se tratar de ato unilateral de iniciativa do empregado. Assim, como não há obrigação de se manter vinculado num contrato de trabalho, o empregado não requer a demissão, mas, tão-somente, comunica ao empregador que irá deixar de prestar seu labor no local - nas hipóteses em que não houver justa causa do empregador. Acrescente-se que, nesta situação, a extinção do contrato de trabalho, uma vez comunicada, em nada depende do aceite do empregador, porquanto nem sequer é razoável a ideia de que alguém fosse obrigado a trabalhar num local contra sua vontade. Voltando à resilição, a modalidade bilateral pode ser verificada quando ambas as partes contratantes, ou seja, tanto o empregador quanto o empregado, têm a intenção de pôr a termo ao contrato de trabalho. Cumpre destacar que o artigo 473 do Código Civil também faz uso de tal termo, ao arrolar o distrato como uma das causas de extinção contratual. A resolução, a seu turno, se dá quando há uma falta praticada pelo empregado ou pelo empregador (ou até de ambos), que acaba por dar fim ao contrato de trabalho. Ou seja, são hipóteses de resolução do contrato as dispostas nos artigos 482 até 484 da CLT, quando há justa causa ou falta grave, podendo acarretar em dispensa indireta ou em culpa recíproca. O autor pontua que tal expressão também é empregada nas situações em que houver onerosidade exagerada, ou seja, nas hipóteses em que existe a imposição de gravame a uma das partes, de modo a desestabilizar uma relação que já é inerentemente desigual e que acaba por inviabilizar a manutenção do contrato de trabalho. A rescisão, a seu turno, se dá nas situações em que é verificada alguma nulidade do contrato. Assim, se o objeto do contrato for ilícito, ou se o contrato for simulado, por exemplo, estar-se-á diante de uma situação ensejadora da rescisão do contrato de trabalho. Aqui, faz-se pertinente destacar que, consoante a Orientação Jurisprudencial n.º 199 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho3, em sendo ilícito (e, por consequência, nulo) o objeto do contrato, nada será devido, nem ao menos os salários, eventuais indenizações e demais vantagens percebidas pelo "empregado". De igual sorte, nada também será devido em contratos simulados, o que é natural, visto que não houve nenhuma prestação de serviço. Outrossim, conforme a Súmula n.º 363 do TST4, a qual, interpretada em conjunto com o artigo 19-A da lei 8.036/905, em sendo o trabalho proibido (uma contratação ilegal, por exemplo) serão devidos somente eventuais salários não pagos, além do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Verifica-se que, inobstante as diferenças entre elas, todas têm um ponto em comum, qual seja, a voluntariedade. É dizer: em todas as espécies há a manifestação de vontade de uma (ou ambas) as partes. Porém, há ainda a culpa recíproca, que se dá quando ocorrem condutas faltosas das partes, ou seja, tanto do empregado como do empregador. As do empregado estão, em suma, no artigo 482 da CLT, ao passo que as do empregador no artigo 483 do mesmo diploma legal. Garcia destaca, como pressuposto da culpa recíproca, a simultaneidade (num mesmo contexto temporal e circunstancial), gravidade e conexão entre as faltas - na medida em que uma falta é diretamente correlata e decorrente da outra6. Por isto, tem-se que esta espécie de término do contrato é rara, justamente pela dificuldade em se atender a tais condições, além da difícil produção de provas que demonstrem, insofismavelmente, tais situações. Nesse sentido, Delgado afirma que tal forma de ruptura contratual "supõe decisão judicial a respeito"7. Pode-se citar, a título exemplificativo, a situação hipotética em que o empregado diz contra o empregador palavras de baixo calão, atingindo sua honra e imagem, e o empregador faz o mesmo também ofendendo a honra e imagem do empregado. Para Melchíades Rodrigues Martins, nesta hipótese ocorre: "[...] a concorrência de atos suficientemente graves, praticados concomitantemente pelo empregado e empregador tornando-se inconciliável a continuidade do pacto laboral. Fazendo referência a Nélio Reis, afirma Russomano que: 'as culpas devem ser concomitantes porque devemos ocorrer ao mesmo tempo. Não é possível alegar-se culpa recíproca quando o empregado responde indisciplinadamente, ao empregador, sob o fundamento de que, em outra ocasião anterior e remota, o empregador lhe falara de modo pouco cortês e diz também ' que devem ser determinantes, porque a conduta das duas partes terá sido a causa eficiente da rescisão' e mais que as culpas devem ser equivalentes, sob pena de a maior absorver a menor, dando margem à punição de um só agente. E, para tanto, a culpa maior será, quase sempre, daquele que, tendo o control of situation, como diz a doutrina norte-americana, deixa de evitar o incidente e, por isso, aumenta sua responsabilidade na perturbação jurídica e social trazidas'. Enfim, para configuração da culpa recíproca é necessário que os atos, tido por faltosos, do empregador e empregado sejam concomitantes, determinantes e equivalentes"8. No ordenamento jurídico brasileiro, a extinção do contrato de trabalho em virtude da culpa recíproca está genericamente descrita no artigo 484 da CLT, o qual indica que a indenização deverá ser paga pela metade9. Na esteira deste artigo, o artigo 18, §2º, da lei 8.038/9010, discorre sobre o pagamento da multa do FGTS nos casos em que configurada a culpa recíproca, que será reduzida pela metade, ou seja, a 20%. Em conformidade com tais disposições legais, o TST editou a súmula 14, cuja redação atual aduz que, em sendo reconhecida a ocorrência culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho, o empregado terá direito a 50% do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais. Curioso sublinhar que a redação anterior da Súmula supra ditava que o empregado não faria jus a tais verbas - ou seja, por mais que houvesse culpa recíproca, havia um ônus maior ao empregado. Porém, a atual redação, dada pela Resolução nº 121/2003, corrigiu a discrepância que a Súmula tinha com as leis já citadas. Destarte, são devidas também férias vencidas acrescidas de um terço, décimo terceiro salário vencido e eventuais salários não pagos, todos de forma integral, visto se tratar de direitos adquiridos previamente. Em arremate, essas eram as breves considerações acerca das hipóteses de extinção do pacto laboral, com especial destaque para o fenômeno da culpa recíproca, a qual, conquanto desconhecida na prática das relações trabalhistas, é prevista na legislação celetária e chancelada pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho. *Fernando Augusto Melo Colussi é advogado-sócio do escritório Albornoz Jordão Advogados Associados. Mestre em Direito pela PUC/RS. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Fundação Ministério Público (FMP). __________ 1 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009. 2 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 3 JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO (título alterado e inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010. É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico. 4 TST Enunciado nº 363 - Contratação de Servidor Público sem Concurso - Efeitos e Direitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. 5 Art. 19-A.  É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. 6 Op. cit. 7 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 1081. 8 MARTINS, Melchíades Rodrigues. Justa causa. São Paulo: LTr, 2010. p. 589. 9 Art. 484 - Havendo culpa recíproca no ato que determinou a rescisão do contrato de trabalho, o tribunal de trabalho reduzirá a indenização à que seria devida em caso de culpa exclusiva do empregador, por metade. 10 Art. 18. Ocorrendo rescisão do contrato de trabalho, por parte do empregador, ficará este obrigado a depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS os valores relativos aos depósitos referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior, que ainda não houver sido recolhido, sem prejuízo das cominações legais. § 2º Quando ocorrer despedida por culpa recíproca ou força maior, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de 20 (vinte) por cento.
É notório que pandemia do coronavírus, que se iniciou em 26 de março de 2020 e se prolonga até os dias atuais, trouxe marcas devastadoras para o país, pois estamos vivenciando um dos piores cenários da economia e com isso os índices de desemprego se elevam a cada dia. Diante disso, muitos são trabalhadores sem expectativa de recuperação da situação financeira do Brasil - e, pior, estão acreditando até em dias mais difíceis - afinal, praticamente a cada semana são editados novos decretos estaduais e/ou municipais com medidas restritivas de deslocamento de pessoas e funcionamento de estabelecimentos comerciais com o objetivo de conter a contaminação da Covid-19.  E, no atual cenário, não se pode negar que por mais que sejam necessárias tais medidas para a contenção da disseminação do vírus, lado outro é certo que a economia tem sido bastante afetada, ainda mais para o Brasil, um país subdesenvolvido que há anos vem na luta para se reerguer. Nesse prumo, é incontroverso que a doença, a morte, o isolamento social e a queda na economia arruinaram a renda e o trabalho das pessoas, disseminando a pobreza e atingindo, de forma contundente, os trabalhadores mais pobres de todo o país, trazendo ao Judiciário trabalhista as pretensões de liberação do FGTS depositado em conta vinculada. Sendo assim, os trabalhadores viram como alternativa financeira demandarem ações na Justiça do Trabalho para requererem o levantamento do saldo do FGTS como fonte de auxílio de renda e, em muitos casos, talvez até da maioria, de manterem seu próprio sustento. Ocorre que essa solução não é tão simples, pois há uma parcela de magistrados que não entende que a competência seja da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de liberação dos depósitos do FGTS perante a Caixa Econômica Federal. Para essa visão, a competência para processar e julgar os feitos relativos à movimentação do FGTS, excluídas as reclamações trabalhistas, é da Justiça Federal1-2-3. Entretanto, em caráter excepcional, o pensamento deveria ser diferente, até por questão de razoabilidade em relação a todas as circunstâncias que vem enfrentando Brasil, em razão da pandemia da Covid-19 nunca vivenciado antes. E, salientando as reduções salariais autorizadas pela então MP 936/20204 e renovadas pela MP 1045/20215, perda de benefícios e vantagens, além da redução extrema de empregos, imperativa se torna a concessão do direito de sacar o fundo de garantia por tempo de serviço em agência Caixa Econômica Federal como forma de amparar e minimizar o sofrimento e o estado de miserabilidade tantas pessoas. Os magistrados que indeferem os pedidos de levantamento dos valores na conta do FGTS justificam suas sentenças apenas com base na súmula 82 do STJ, a qual prevê a competência da Justiça Federal para julgar casos de movimentação do FGTS, e, ao final, extinguem o processo sem analisar a questão central. Tal entendimento defende a competência material da Justiça do Trabalho para julgar causas que envolvam verbas de FGTS somente em causas que envolvam relação empregatícia, não sendo cabível nas demandas em que se discute somente a autorização de saque fundiário e instituição bancária, caso em que a competência será da Justiça Federal.  De toda sorte, ainda há esperança para os advogados que militam na área trabalhista e que tenham a pretensão de insistir no propósito de seus clientes, pois há magistrados que entendem que a Justiça do Trabalho é competente para julgar processos com pedido de expedição de alvará judicial para liberação do saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal. As sentenças que julgam procedente o pedido de levantamento dos valores depositados na conta do FGTS dos trabalhadores expõem nas suas teses uma visão macro da realidade enfrentada pelos trabalhadores brasileiros, assim sopesando todos os impactos que a decisão de extinção do processo pode ocasionar na vida daquele indivíduo. Diversos aspectos foram levados em consideração como o fato de se tratar de jurisdição voluntária em que não há conflito de interesses entre as partes, mas apenas a solicitação de providência sobre a qual não existe controvérsia; a nova redação dada ao art. 114 da Constituição Federal trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 20046, em que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para julgar quaisquer processos relativos a direitos e obrigações que decorram da relação de emprego, mesmo que não se estabeleçam entre empregado e empregador; e o principal e mais relevante motivo: a pandemia causada pelo coronavírus - Covid 19, que tem se revelado como uma das maiores crises sanitárias em escala global deste século, com diversas consequências econômicas, sociais e humanitárias dela decorrentes, além das milhares de vidas ceifadas pelo mundo. De mais a mais, ainda foram mencionados o art. 20, XVI, "a", da lei 8.036/907, que autoriza a movimentação da conta de FGTS dos trabalhadores residentes em áreas de calamidade pública; o art. 7º, III, da CRFB/888, que diz ser o FGTS direito dos trabalhadores e que sua liberação não prejudica direito algum da parte empregadora; além do decreto 5.113/20049, que atende a disciplina legal vigente para os casos de calamidade pública, observando-se o limite de valores. Ademais, a liberação dos depósitos do FGTS em razão da pandemia não ofende o artigo 8º da CLT10, que prega a supremacia do interesse público, já que o interesse público maior é a saúde e o bem-estar da população. Não obstante a MP 1046/202111 não mencionar que estamos diante de um estado de calamidade pública, diferentemente da então MP 927/202012, além daquela não fazer nenhuma consideração a respeito das circunstâncias do estado de força maior, isso não gera qualquer ameaça ao direito do trabalhador em requerer o saque do fundo do FGTS. Isso porque o magistrado, no poder das suas atribuições, poderá declarar o estado de força maior com base nos fundamentos do art. 501 da CLT13. Assim, as finalidades sociais dos recursos do Fundo que são financiar investimentos no sistema habitacional, em saneamento e infraestrutura tornam-se insignificantes e inúteis se o trabalhador não estiver vivo para gozar dessas benesses. Afinal, não se deve esquecer que o caráter primordial do FGTS é ser um direito do trabalhador. No caso da pandemia provocada pela Covid-19, os magistrados que defendem o levantamento dos valores do FGTS entendem que o limite do saque do FGTS deve ser no valor de R$6.220,00, conforme preconiza o decreto 5.113/04, que traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/202014 (art. 6º), assim superando o valor limite de R$1.045,00. Ressalta-se que é inegável a concessão do saque do FGTS diante do requerimento do trabalhador frente à necessidade pessoal diante do atual cenário da crise pandêmica. Em arremate, diante do atual panorama da crise da Covid-19, concluímos que a intenção dos juízes ao autorizar o levantamento do FGTS em casos de calamidade é socorrer o trabalhador num momento de revés diminuindo os impactos da fatalidade no meio social, como ocorreu em 2015 no caso do rompimento da Barragem da Mineradora Samarco em Mariana/MG. Logo, a liberação do FGTS vai ao encontro da premência de recursos materiais para municiar as famílias no enfrentamento da pandemia. *Thaís de Siqueira Campos Azevedo é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e graduanda em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, palestrante, membro da comissão de estudos de Direito e Processo do Trabalho da OAB/RJ e membro da comissão de Direitos Sociais da ABA Nacional, sócia e fundadora do escritório Thaís de Siqueira Campos Advocacia. **Roberta de Vargas Ferreira Manfredi é advogada, graduada em Direito pela FDV- Faculdade de Direito de Vitória, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela LFG e pelo IBMEC/RJ, palestrante, membro da Comissão de Óleo e Gás da OAB/RJ, sócia e fundadora do escritório Manfredi & Marques Advogados Associados.  __________ 1 TRT-7 - RO: 00003010520205070008. 2 TRT-1 - RO: 01003298020205010029. 3 TRT-3 - RO: 00103361020205030178. 4 Disponível aqui. 5 Disponível aqui. 6 Disponível aqui. 7 Disponível aqui. 8 Disponível aqui. 9 Disponível aqui. 10 Disponível aqui. 11 Disponível aqui. 12 Disponível aqui. 13 Disponível aqui. 14 Disponível aqui.
Você conhece a Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006, que vou chamar aqui de LMP)? Se não conhece, deveria. A LMP é considerada um dos instrumentos jurídicos mais avançados do mundo para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela se aplica aos casos em que a violência é praticada contra a mulher, por questão de gênero, em um contexto familiar doméstico ou em uma relação íntima de afeto, que resulte, dentre outros, em morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A violência de gênero, que a LMP combate, é a expressão máxima da discriminação contra a mulher. 1. Do que se trata quando falamos em violência de gênero?  Gênero é a construção social que organiza e interpreta as diferenças biológicas entre homens e mulheres. As relações de gênero são os famosos "papéis" que homens e mulheres se sentem socialmente destinados a desempenhar. Por exemplo: mulher é dócil e homem é competitivo, mulher cuida da casa e homem gerencia a empresa, mulher cuida da família e homem dos negócios. Esses papéis são socialmente/culturalmente distribuídos de forma desigual, cabendo à mulher uma posição subalterna nessa relação. Violência de gênero, portanto, é a que decorre dessa relação artificial de dominação do masculino sobre o feminino, a qual é estruturante da nossa sociedade. A assimetria de poder entre homens e mulheres é reforçada pela ideologia patriarcal, que compreende, grosso modo, mulheres como seres inferiores aos homens. Mulheres são perseguidas e maltratadas pelo fato de serem mulheres. Mulheres são mortas pelo fato de serem mulheres. O feminicídio é prova incontestável da afirmação. Um dos grandes méritos da LMP foi o de nomear e qualificar os tipos de violência de gênero: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Até o surgimento da Lei, muitas mulheres vivenciavam a violência doméstica em silêncio, pois não havia o reconhecimento expresso por um instrumento legal de que estavam sendo vítimas de uma conduta abusiva. A LMP não cria crimes. Ela descreve condutas que são consideradas como violentas, sendo que algumas destas condutas podem corresponder a tipos penais e outras não. Não é, portanto, um instrumento legal a serviço do direito penal. Uma mulher pode sofrer violência psicológica sem que o ato corresponda a um crime, mas nem por isso ele deixará de merecer a devida proteção.   2. Dimensão pedagógica da Lei Maria da Penha nas relações de trabalho  A LMP tem âmbito de aplicação restrito: suas medidas se aplicam às violências ocorridas no contexto familiar, doméstico ou em uma relação íntima de afeto. Sendo assim, como podemos aplicá-la às relações de trabalho? A resposta que proponho é: valendo-nos da sua dimensão pedagógica. Em outras palavras, ainda que tecnicamente a LMP não se circunscreva às violências de gênero praticadas fora do ambiente doméstico, nada impede que ela seja norteadora das medidas a serem adotadas pelas empresas para prevenir e coibir a violência contra as mulheres no local de trabalho. Para começo de conversa, precisamos compreender que o ambiente de trabalho é uma extensão da sociedade. Se vivemos em uma sociedade notoriamente violenta contra as mulheres, o ambiente de trabalho naturalmente reproduz essas relações de dominação e submissão. Nas relações de trabalho, a discriminação de gênero se verifica a partir da divisão sexual de trabalho, ideia artificial de que existem "trabalhos de homens" e "trabalhos de mulheres", sendo que os "trabalhos de homens" são aqueles melhor remunerados e reconhecidos como de maior valor, enquanto os "trabalhos de mulheres" têm ligação com o espaço doméstico, de cuidado com os outros e subvalorizados economicamente. Sendo a violência uma expressão da discriminação, os efeitos do fenômeno no mundo do trabalho não fogem à regra. Pesquisas apontam que as mulheres são as maiores vítimas de assédio moral e assédio sexual no trabalho. Quando compreendemos a dinâmica da violência de gênero, torna-se possível reconhecer que, assim como ocorre no espaço doméstico e familiar, no ambiente de trabalho as violências estão amparadas em papéis artificiais de domínio que incumbem aos homens, e de submissão reservados às mulheres. Mulheres também são violentadas no trabalho porque estruturalmente compreendidas como seres inferiores em direitos e oportunidades. Relacionamentos de trabalho podem ser abusivos ou tóxicos, assim como relacionamentos familiares e afetivos, porque todas as interações sociais entre homens e mulheres são permeadas por clivagens de gênero. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que a violência e o assédio no trabalho implicam violação aos direitos humanos e são, em última instância, uma ameaça à igualdade de oportunidades e ao trabalho decente. As recentes Convenção 190 e Recomendação 206, ambas da OIT, que tratam de violência e assédio no trabalho, reconhecem a "violência e assédio de gênero" dirigidos contra as pessoas com base em seu sexo ou gênero, ou que afetam desproporcionalmente pessoas de um sexo ou gênero específico. Compreender os assédios moral e sexual nas relações de trabalho quando praticados contra a mulher como atos de violência de gênero, nos termos da LMP, permite enfrentar o problema atribuindo-lhe a gravidade e importância que exige. De fato, o que é o assédio moral, senão uma clara situação de violência psicológica, tal qual descrita na LMP? Veja o que diz a lei quando conceitua violência psicológica: "qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação." No mesmo sentido, o assédio sexual no trabalho, além de poder, em certas circunstâncias, configurar crime, é exemplo típico de violência sexual nos termos da LMP, entendida como "conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos". 3. Aplicação prática da dimensão pedagógica da Lei Maria da Penha às relações de trabalho Compreendidos o assédio moral e sexual como espécies de violência de gênero, nos termos da LMP, como podemos nos valer, na prática, da sua dimensão pedagógica nas relações de trabalho? Entendo que a leitura integrada da LMP, da Convenção 190 da OIT, da Recomendação 206 da OIT, e do decreto 9.571/2018, o qual regula as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos humanos, tudo oferece importante direcionamento para os programas de compliance nas empresas. Tomando-se, como exemplo, as diretrizes que a LMP dita para balizar o atendimento da vítima de violência doméstica pela autoridade policial. As empresas podem estabelecer direcionamento específico para apurar denúncia de assédio, moral ou sexual, contra mulheres, como por exemplo: (i) salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional da trabalhadora vítima de assédio; (ii) garantir que, em nenhuma hipótese, ela permanecerá em contato com o agressor; (iii) não permitir sua revitimização, mediante sucessivas inquirições sobre os mesmos fatos, ou questionamentos sobre sua vida privada. Os cuidados para a inquirição da trabalhadora denunciante também devem ser os mesmos dispensados às vítimas de violência doméstica pela Lei Maria da Penha, como: (i) proceder à sua inquirição em ambiente reservado; (ii) se possível, que a escuta seja intermediada por profissional preparada para compreender as sutilezas das relações de gênero; e (iii) registrar o depoimento em meio eletrônico ou magnético, para que seja possível o acesso à degravação pela denunciante ou autoridades. Outras medidas podem ser previstas pelo regulamento interno da empresa, inspiradas na LMP, como o direito da mulher denunciante, se assim desejar, ser imediatamente removida do setor ou transferida de função sem quaisquer represálias ou consequências negativas. A Lei Maria da Penha é instrumento legal que tem por finalidade garantir que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, tendo asseguradas oportunidades e facilidades para viver sem violência. É também objetivo da LMP ver asseguradas, às mulheres, as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Os valores assegurados pela Lei Maria da Penha servem a todas as mulheres, em todos os ambientes da vida interpessoal e representa, em última análise, a garantia dos direitos humanos. Deve, portanto, nortear o combate e erradicação da violência contra a mulher em todas as suas manifestações e tomada como farol no ambiente corporativo. *Denise Pasello Valente é advogada, doutora e mestre em Direito do Trabalho pela USP. Idealizadora do perfil no Instagram @_calabocajamorreu para a defesa dos direitos das mulheres.
Após um ano do início da pandemia no Brasil algumas questões importantes que surgiram em razão das mudanças causadas pela Covid-19 nas relações de trabalho continuam sem regulamentação e seguem gerando dúvidas, insegurança e muito debate. Dentre muitos outros temas controvertidos que padecem de legislação específica, se destacam o home office, a Covid-19 como doença ocupacional e vacinação dos empregados. Dados divulgados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), em 17 de março de 2021, demonstram que a Instituição recebeu mais de 40 mil denúncias relacionadas à Covid-19 entre março de 2020 e março de 20211. E um dos temas de maior controvérsia se relaciona ao pagamento das horas extras para os empregados em home office.  Na cartilha educativa "Teletrabalho - o trabalho de onde você estiver", o TST conceitua o home office como uma espécie da modalidade de teletrabalho2. Logo, apesar de opiniões contrárias, fato é que sendo o home office um termo específico para conceituar o teletrabalho realizado em casa, a ele se aplicando os artigos celetários sobre a matéria. Por força do artigo 62, inciso III, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017)3, empregados em regime de teletrabalho (e, portanto, empregados em home office) estão excluídos das regras relacionadas ao controle de jornada e pagamento de horas extras. No entanto, a temática ainda gera muito debate. Em 2017, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) aprovou o Enunciado 214, que dispõe que, nos casos em que for possível o controle de jornada, ainda que indireto ou por meios informatizados ou telemáticos, o empregador deve pagar pelas horas extras eventualmente laboradas pelos empregados em teletrabalho. Na mesma linha, em outubro de 2020, o Ministério Público do Trabalho (MPT) editou a Nota Técnica nº 17/20205, com o objetivo de proteção da saúde e demais direitos fundamentais dos empregados em trabalho remoto ou home office, na qual recomendou às empresas a observância da jornada contratual nas atividades em home office, bem como a adoção de mecanismos de controle da jornada nesse regime. A seu turno, para a jurisprudência trabalhista, caso haja possibilidade de controle da jornada de trabalho por qualquer meio informatizado de comando (celular corporativo, login e logoff de sistema, whatsapp, dentro outros) ou na hipótese de determinação de jornada de trabalho, o empregado em home office terá direito a horas extras. Atualmente, já existem projetos de lei que se propõem a regulamentar o tema. O PL 5581/2020 apresentado perante a Câmara dos Deputados, por exemplo, dispõe de forma que os empregados em home office não terão direito a horas extras, desde que não haja estabelecimento de jornada no contrato de trabalho. Para os casos de determinação expressa de horário, a empresa deverá realizar controle de horas por qualquer meio idôneo. Outro aspecto polêmico em relação ao home office se relaciona com a obrigatoriedade de fornecimento de infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, incluindo acesso à internet, energia elétrica, telefone e mobiliário, bem como fornecimento de equipamentos de proteção e infraestrutura com o propósito de garantir que o ambiente de trabalho remoto esteja em condições ergonômicas adequadas. Em relação à tal questão, a MP 927/2020, editada para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus, trazia disposição específica sobre a matéria6. O texto legal previa que na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do serviço em regime de home office, o empregador deveria fornecer os equipamentos em comodato ou pagar pela infraestrutura necessária. Embora referida MP tenha pedido a validade em 19 de julho de 2020, alguns advogados militam a tese que suas disposições devem ser aplicadas, por analogia, quando há imposição do regime de home office pelo empregador. O dispositivo legal que atualmente disciplina a matéria é o artigo 75-D da CLT7, também incluído pela Reforma Trabalhista de 2017, que dispõe que no teletrabalho referidas utilidades devem estar previstas no contrato de trabalho ou aditivo contratual, não havendo disposição sobre a responsabilidade pelo fornecimento de tais insumos pelo empregador. De acordo com a lei, portanto, desde que mediante ajuste escrito, os custos podem ser divididos entre empregado e empregador, ou, ainda, custeados por apenas uma das partes. Apesar de referida disposição legal, existe uma corrente doutrinária que defende que, tratando-se de ferramenta de trabalho, seus custos deveriam correr por conta do empregador, em razão do princípio da alteridade que deve reger a interpretação do artigo 75-D da CLT. Nesta linha, dispõe a ANAMATRA que as despesas com teletrabalho devem ser suportadas exclusivamente pelo empregador8, uma vez que o empregador não pode transferir ao empregado os custos dessa modalidade de prestação de serviços.  Por sua vez, na Nota Técnica nº 17/20209, o MPT orienta que as empresas devem observar os parâmetros de ergonomia para empregados em home office, "oferecendo ou reembolsando os bens necessários ao atendimento dos referidos parâmetros, nos termos da lei". Em recente julgado da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em processo movido em face da Gol Linhas Aéreas S/A (Processo 1000197-66.2018.5.02.0020)10, o Colegiado entendeu que as despesas para o trabalho em home office - como uso de espaço físico, energia elétrica, internet, material de trabalho em geral, computador e mobiliário de escritório - podem estar incorporadas ao salário pago, desde que isso esteja expressamente previsto em aditivo no contrato de trabalho. Para resolver o impasse, o já citado PL 5581/2020 propõe que as empresas que optarem pelo teletrabalho de modo integral deverão fornecer os equipamentos de proteção e infraestrutura com o propósito de garantir que o ambiente esteja em condições ergonômicas adequadas; ou, de forma alternativa, pagar indenização correspondente. Já o fornecimento da infraestrutura necessária e adequada à prestação de serviços, incluindo acesso à internet, energia elétrica, telefone e mobiliário, seria facultativo. Outros temas que margeiam o home office permanecem controvertidos diante da ausência de legislação específica, como os que se relacionam ao reconhecimento do acidente de trabalho ou doença ocupacional no âmbito da residência, direito à desconexão, garantia à privacidade e intimidade, enquadramento sindical, tratamento da jornada de trabalho do modelo híbrido, dentre outros. A ausência de norma legal para regulamentação da matéria tem gerado incerteza e dificuldade no planejamento das atividades por parte das empresas que se utilizam do home office. Mas não apenas as questões sobre home office foram provocadas pela pandemia. Uma temática que passou a gerar muita discussão em 2020 se relaciona com a caracterização ou não da Covid-19 como doença ocupacional. De acordo com dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho11, a Covid-19 já ocupa o terceiro lugar no ranking dos principais motivos de afastamento dos profissionais no trabalho e foram concedidos 37.045 auxílios-doença em decorrência da infecção por coronavírus em 2020. A controvérsia sobre a Covid-19 ser ou não doença ocupacional teve início em abril de 2020, quando o Supremo Tribunal Federal (STF)12 suspendeu a eficácia do artigo 29 da MP 92713, que estabelecia que a Covid-19 apenas seria considerada doença ocupacional no caso de comprovação de nexo causal entre a doença e o trabalho desempenhado. A derrubada do referido dispositivo deu margem para interpretação de que a Covid-19 seria presumidamente caracterizada como ocupacional. Em 1º de setembro de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.309, incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e, no dia seguinte, cancelou os efeitos da norma, evidenciando a insegurança jurídica associada ao assunto. A questão ganhou ainda mais relevância em 11 de dezembro de 2020, quando o MPT editou a Nota Técnica nº 20/202014, com o objetivo de promover e proteger a saúde do trabalhador, passando a considerar a Covid-19 como doença ocupacional e a exigir a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para qualquer contaminação de empregados pela Covid-19. Em seguida, o Ministério da Economia divulgou a Nota Técnica - SEI nº 56.376/2020/ME15, reconhecendo que a Covid-19 pode ser definida como doença ocupacional apenas quando resultar das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relacionar diretamente. Diferentemente do entendimento do MPT, o Ministério da Economia defende que cabe à Perícia Médica Federal do INSS identificar a existência de nexo causal entre o trabalho e o contágio, não reconhecendo, portanto, a presunção em favor do empregado de que a doença resulta da atividade laboral do indivíduo. Com todo respeito a entendimentos contrários, essa nos parece ser a posição mais adequada. A Lei nº 8.213/91, que define o que é doença profissional e ocupacional, não considera como doenças relacionadas ao trabalho aquelas originadas de contextos endêmicos, a não ser que seja comprovado que a contaminação ocorreu em função de exposição decorrente diretamente do ambiente de trabalho16. Nesta perspectiva, como parte da jurisprudência entende que a Covid-19 é considerada uma doença endêmica, a Covid-19 apenas poderia ser considerada como doença do trabalho na hipótese de comprovação do nexo causal entre a doença e as atividades desenvolvidas. Logo, justamente em razão da preocupação da sociedade em prevenir e frear a propagação da Covid-19, inclusive no ambiente corporativo, em 2021 todas as atenções se voltaram ao Plano Nacional de Vacinação. Para os efeitos trabalhistas, referida preocupação se materializou no debate originado em torno da possibilidade de imposição de sanções aos empregados que se recusarem a tomar a vacina. Em 17 de dezembro de 2020, o STF decidiu que a União, os Estados e os Municípios poderiam estabelecer a compulsoriedade da imunização e impor restrições para quem decidir não se vacinar17. Seguindo o mesmo raciocínio, iniciou-se grande debate sobre a vacinação obrigatória ser condição para os empregados retornarem ou iniciarem o trabalho presencial. Para o MPT, por meio do Guia Técnico Interno sobre Vacinação editado em 28 de janeiro de 202118,  salvo situações excepcionais e plenamente justificadas (v.g., alergia aos componentes da vacina e contraindicação médica), não há direito individual do trabalhador a se opor à vacinação, desde que a vacina esteja aprovada pelo órgão competente (ANVISA), seja prevista no plano nacional de vacinação ou tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei e conste das ações das empresas. Nesse contexto, se houver recusa injustificada do empregado à vacinação, observados os pressupostos incluídos no referido Guia, incluindo o direito ostensivo à informação, a empresa poderia aplicar, em último caso, a demissão por justa causa. Sobre o tema, em entrevista para a Folha de São Paulo19, a Ministra Presidente do TST, Maria Cristina Peduzzi, afirmou que "É difícil enquadrar como justa causa a recusa do empregado à vacinação, mas não se deve ignorar que a lei impõe ao empregador manter ambiente de trabalho saudável". A Constituição Federal, no artigo 7º, inciso XXII, garante como direito dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança", motivo pelo qual nos filiamos à corrente que dispõe que as empresas não só podem, como devem garantir um ambiente de trabalho salubre, por meio de adoção de regras e protocolos de segurança para prevenção e redução do contágio pelo coronavírus, incluindo programa específico acerca da obrigatoriedade de vacinação, com imposição de sanções aos que recusarem a tomar a vacina de maneira injustificada. Em 2020, já falávamos na urgência na flexibilização das normas trabalhistas diante da Covid-19. Um ano depois, renovamos as mesmas expectativas e insatisfações diante da ausência de avanço legislativo. Não é demais lembrar que o artigo 8º da CLT dispõe que na hipótese de ausência de lei, as autoridades administrativas e as Cortes Trabalhistas devem considerar a preponderância do interesse público sobre o privado. Portanto, enquanto os temas polêmicos ora tratados não sejam objeto de legislação específica, justamente em razão do clamor público de se manter os empregos e atenuar os reflexos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da Covid-19, fixamos nossa posição de premência do reconhecimento da possibilidade de se flexibilizar os direitos trabalhistas, em especial por meio de acordos entre empregado e empregador, como mecanismo de preservação do interesse público e da continuidade da atividade empresarial no país. *Valéria Wessel S. Rangel de Paula é head da área trabalhista do Castro Barros Advogados. Graduada pela Faculdade de Direito no Mackenzie. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela PUC/SP e com MBA Executivo em Gestão Estratégica e Econômica de RH, na FGV.  __________ 1 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h41min. 2 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h44min.  3 DEL5452 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h21min Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (...) III - os empregados em regime de teletrabalho.(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) 4 Enunciado 21 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA. TELETRABALHO. CONTROLE DE JORNADA Reforma Trabalhista. Art. 62, inciso III/CLT. Controle efetivo da jornada. Nos casos em que for possível o acompanhamento ou controle indireto da jornada de trabalho pelo empregador, ainda que por meios informatizados ou telemáticos, o princípio do contrato realidade impõe a interpretação do dispositivo em epígrafe de acordo com o disposto no art. 7°, inciso XIII, da CF/88, art. 7°, "d" do PIDESC e art. 7º, "g", do Protocolo de San Salvador, garantindo ao trabalhador o direito às horas extras trabalhadas. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) - 9 e 10 de outubro de 2017. 5 Disponível aqui. Acessado em 30/03/2021, às 12h52min. 6 MPV 927 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h31min. Art. 4º  (...) § 3º  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. § 4º  Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador. 7 DEL5452 (planalto.gov.br) - Acessado em 29/03/2021, às 20h21min Art. 75-D.  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) 8 Enunciado 70 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA. TELETRABALHO: CUSTEIO DE EQUIPAMENTOS. O contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sistemática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT. 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) - 9 e 10 de outubro de 2017. 9 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 12h52min. 10 Processo nº 1000197-66.2018.5.02.0020 (RO); Órgão Julgador: 3ª Turma; Juiz Relator: Paulo Eduardo Vieira de Oliveira; Data da disponibilização: 04/12/2019. 11 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 13h12min. 12 As ações foram ajuizadas pelo Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342), pela Rede Sustentabilidade (ADI 6344), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349), pelo partido Solidariedade (ADI 6352) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354). Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 14h01min. 13 MPV 927 (planalto.gov.br) - Acessado em 30/03/2021, às 13h20min. Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. 14 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 13h31min. 15 Disponível aqui, às 13h32min. 16 L8213consol (planalto.gov.br) - Acessado em 30/03/2021, às 14h03min. Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: (...) § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. 17 Processos ADIns 6.586 e 6.587 e ARE 1.267.879. Por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese: I - A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras: a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei ou dela decorrentes e: tenham como base e evidência científica e análises estratégicas pertinentes; venham acompanhadas de ampla informação sobre eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes; respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam os critérios de proporcionalidade e razoabilidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; II - Tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União, como pelos Estados, DF e municípios, respeitadas as respectivas esferas de competências. 18 Disponível aqui, Acessado às 14h13min. 19 Disponível aqui - Acessado em 30/03/2021, às 14h15min.
Estabilidade do dirigente sindical Em decisão recente, a 4ª Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho se posicionou sobre a estabilidade provisória do dirigente sindical, ainda que o sindicato não possua a comprovação do seu registro no órgão competente (ARR-1393-06.2016.5.20.0005, DEJT de 31.07.2020): A ausência de comprovação desse registro, contudo, não pode impedir a eficácia (produção dos efeitos) dos atos praticados pelo sindicato, sob pena de ser criada uma presunção negativa de existência do próprio sindicato.  No caso em tela, o obreiro foi dispensado sem justa causa e alegou a estabilidade por ser dirigente sindical. Entretanto, no momento da dispensa, havia sido formado apenas um rascunho inicial do Sindicato, eis que ainda não existia pedido de registro do sindicato no órgão competente. Frise-se que essa decisão não é isolada, sendo um entendimento que já está sendo consolidado nos Tribunais Superiores. A SBDI-2 já havia decidido nesse mesmo sentido no processo ROAR-1276800-48.2007.5.02.0000, em decisão não tão recente.  A garantia provisória no emprego, outorgada em favor do empregado desde o registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical, estendendo-se até 1 (um) ano após o final do respectivo mandato, mesmo na condição de suplente, foi reconhecida, de início, em sede legislativa (art. 543, §3º, CLT), vindo, em momento subsequente, a qualificar-se como direito subjetivo, de índole social, impregnado de estatura constitucional, cuja base normativa repousa no art. 8º, inciso VIII, da Constituição, que assim dispõe: Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. O texto consolidado, que foi recepcionado (em parte) pela Constituição da República, já possuía texto semelhante ao constitucionalmente estabelecido e dispõe sobre a garantia provisória do dirigente sindical desde o registro da sua candidatura até um ano após o mandato, senão vejamos: § 3º - Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação. Da literalidade do texto constitucional extrai-se que a estabilidade somente alcança o membro de cargo de direção ou representação sindical e assim somente atinge os membros da Diretoria (ou órgão correspondente), mas não se aplica aos membros do Conselho Fiscal. Dicção da Orientação Jurisprudencial nº 365, da SDI-I do TST. Extrai-se também do texto constitucional que somente adquirirá a estabilidade o empregado eleito para o cargo, ou seja, não serão detentores de estabilidade os trabalhadores que recebam a atribuição por delegação, tais como os trabalhadores dirigentes do sindicato patronal ou aqueles a quem incumbir por nomeação a atribuição para o exercício desse mister. Limitação pacificada pela jurisprudência do TST nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 369 da SDI-I. Cabe aqui um destaque de que há uma forma de monopólio implícita no sistema de organização sindical. Como são os únicos entes legitimados para a representação dos trabalhadores no trato coletivo com os empregadores, os sindicatos afastam a autonomia privada dos trabalhadores para estabelecer as condições de trabalho em instrumento coletivo, que incidirão no contrato individual de trabalho. A estabilidade do dirigente sindical surge, então, como uma garantia ao exercício da representação coletiva, pois permite ao trabalhador incumbido da gestão sindical desenvolver seu mister sem receio de sofrer retaliações pelo seu empregador. É também fundamental observar que o sindicato necessita do cumprimento de duas fases para a sua existência e são elas: a fundação e o registro em órgão competente. Na fundação, há o registro em cartório que serve para conferir à entidade sindical a existência legal da pessoa jurídica, nos termos do art. 45 do Código Civil de 2002, e a respectiva publicidade inerente aos serviços registrais, conforme a lei 6.015/73. No entanto, seus efeitos são limitados, pois até esse momento a entidade tem apenas a característica de uma associação, não havendo capacidade de representação de sua categoria perante o sistema sindical brasileiro. A efetivação da personalidade jurídico-sindical se volta ao órgão competente para reconhecer a validade da fundação do sindicato e conferir o respectivo registro tratado no inciso I do art. 8º da CRFB que, atualmente, é o Ministério da Economia. Aqui cabe uma observação quanto ao registro sindical, criado com a Lei de Sindicalização, Decreto 19.770, de 19 de março de 1931, pois essa formalidade legal condicionava a existência da entidade de representação sindical ao reconhecimento mediante registro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Tal controle se manteve mesmo na breve experiência pseudo-pluralista do decreto 24.694 de 1934 e com o decreto-lei 1.402 de 1939, quando o registro assumiu importância decisiva para transformar as associações sindicais em aparelhos do sistema corporativista como órgãos de colaboração com o Estado. A Consolidação das Leis do Trabalho de Vargas incorporou à legislação sindical de tutela repressiva o registro com significado de reconhecimento ou credenciamento que assegurava o controle estatal. E, mais, a Constituição de 1988 veda a exigência de autorização do Estado para a fundação de sindicato, mas ressalva o registro no órgão competente.  Assim, para se mostrarem legitimados à negociação coletiva, os sindicatos devem respeitar algumas regras, dentre elas a de ter seus atos constitutivos regularmente registrados junto ao Ministério da Economia, que é o órgão responsável, no momento do registro sindical, pela verificação do respeito à unicidade sindical. Destarte, embora vede ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, o texto constitucional estabelece a possibilidade de exigência legal do registro no órgão competente, não indicando o órgão destinado a efetuá-lo. Face ao imbróglio estabelecido, em 03 de agosto de 1992, a Associação Profissional dos Bombeiros Civis após ter o pedido de registro sindical sobrestado pelo Ministério do Trabalho -  até que fosse editada a regulamentação estabelecendo a quem competiria realizar o registro - propôs o Mandado de Injunção 144-8/SP para que o Supremo Tribunal Federal provocasse o Congresso Nacional a editar a respectiva norma regulamentadora. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, no entanto, foi em sentido oposto. Segundo os ministros do STF - em decisão norteadora que pôs fim à celeuma previamente estabelecida - não haveria lacuna a ser suprimida na regra do art. 8, I da CRFB/88. A partir da análise do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, podem ser extraídas três grandes conclusões deste julgado: (I) Ficou estabelecida a competência legal do Ministério do Trabalho e Emprego para o registro das entidades sindicais, que desponta como corolário lógico da legislação pré-constitucional. (II)  Em seguida, concluiu-se que o Ministério do Trabalho se mantinha como órgão competente para zelar pelo princípio da unicidade sindical. (III)  E por fim, restou declarado no referido mandado de injunção que o registro sindical é requisito necessário à aquisição da personalidade jurídico-sindical, e não apenas cadastro de entidades sindicais. Em 2003, após diversos julgamentos relativos ao registro sindical, o Supremo Tribunal Federal, enfim, fixa sua jurisprudência quanto ao tema através da Súmula 677, estabelecendo a competência do Ministério do Trabalho para proceder registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade, até que a lei viesse a regular a matéria, in verbis: "Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade."  Conclusão Conforme dito acima, uma entidade sindical sem registro no Ministério da Economia é apenas uma associação, já que não possui legitimidade para representar uma categoria profissional. O que garante a legitimidade de representação da categoria é o registro no Ministério da Economia e, desta forma, faz-se a discordância do decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho. Dissonante o entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho quando defende que não há exigência do registro sindical, para que se estabeleça a estabilidade do empregado que é dirigente sindical (ou seria melhor dizer dirigente de associação que tem pretensão de tornar-se sindicato?), sendo que  o Supremo Tribunal Federal sustenta que há a necessidade do aludido registro para que a categoria seja legitimamente representada, conforme entendimento no Agravo Regimental no RE 740.434/MA. A estabilidade do dirigente sindical existe para que este não sofra discriminação por parte do empregador, por estar lutando por melhorias para a categoria de trabalhadores. Mas essa categoria apenas pode ser representada por sindicato devidamente registrado no Ministério da Economia, para que haja a garantia da Unicidade Sindical. Desta forma, não deveria ser estendido o direito da estabilidade no emprego, disposto no artigo 543, §3º da CLT c/c 8º, inciso VIII, da CRFB, ao dirigente de sindicato sem registro, eis que esse sindicato não possui legitimidade para representação da categoria.  Bibliografia  BARRETO, André. O Direito de estabilidade de dirigente de sindicato sem registro sindical. Brasil de Fato. Pernambuco. 2020. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2020. BOITO  Jr.,  Armando.  O Sindicalismo de Estado no Brasil: Uma Análise Crítica da Estrutura Sindical. Campinas: Editora da Unicamp. 1991. CONEXÃO TRABALHO. 1ª Turma do STF reafirma que legitimidade de sindicato em processos judiciais depende de registro sindical no Ministério do Trabalho. S.L. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021. GOLDBERG, Arthur. Trabalho: União ou Monopólio? Rio de Janeiro: Lidador. 1965. SPERB, Arthur Coelho. Afinal quando nasce o sindicato? Jus.com.br. 2011. Disponível aqui. Acesso em 17 de fevereiro de 2021. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. SDI-2 assegura estabilidade de dirigente de sindicato sem registro no MTE. Jus Brasil. S.L. 2010. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.
sexta-feira, 5 de março de 2021

Acordo extrajudicial trabalhista

A Reforma Trabalhista, lei 13.467 de 2017, convalidou a possibilidade da realização do acordo extrajudicial entre o profissional e seu antigo empregador. Certo é que a citada reforma trouxe regras especificas para a formalização do pacto, tais como realização de petição do acordo extrajudicial de forma conjunta, sendo as partes representadas por advogados diversos. Assim, 15 (quinze) dias após a distribuição do Termo de Acordo Extrajudicial, o juiz responsável analisará a petição conjunta e, se necessário, designará audiência, e, ao final, proferirá a sentença. O prazo prescricional referente aos direitos constantes no termo do acordo estará suspenso, voltando a fluir no primeiro dia útil imediatamente após o trânsito em julgado da sentença que negar a homologação do acordo. Importante destacar que as partes poderão interpor recurso caso o juízo realize a prolação da sentença indeferindo ou deferindo parcialmente a homologação do acordo pretendido pelas partes. Destaca-se que o regramento do Acordo Extrajudicial está previsto nos artigos 855-B ao 855-E da CLT. Ocorre que há grande discussão quanto aos alcances e efeitos da homologação do Acordo Extrajudicial constando cláusula de quitação geral e irrestrita ao extinto contrato de trabalho, e não apenas aos direitos descritos na petição conjunta. Recentemente, o TRT/MG da 3ª região ratificou a sentença do Juiz da Vara do Trabalho que não homologou o acordo extrajudicial. O acordo previa cláusula de quitação geral, não podendo o obreiro reclamar qualquer valor ou direito decorrente do extinto pacto laborativo. O Juízo de 1ª Instância não homologou o acordo, de modo que as empresas recorreram, sendo o recurso improvido. O Desembargador relator decidiu que "Não se pode admitir que o acordo extrajudicial contenha cláusula que represente renúncia total a direitos trabalhistas e ao direito de ação (artigo 5º, XXXV, da Constituição da República)", bem como que "a eficácia geral à homologação extrajudicial viola a Súmula 330 do TST, que prevê que a quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo, e a quitação irrevogável do extinto contrato de trabalho ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição, pelo qual não se pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito" (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição).  O TRT da 3ª região destacou que não foi regularmente comprovada a base de cálculo relativa ao valor acordado entre as partes, vez que não foi apresentado documento referente à rescisão do contrato de trabalho que demonstrasse a adequação dos valores descritos no acordo e a regularidade dos depósitos relativos ao FGTS, contrariando, portanto, o previsto na legislação trabalhista e atraindo a nulidade disposta no artigo 166, inciso II do CC.  Contudo, para o Tribunal Superior do Trabalho - TST, em decisão prolatada no Processo nº 1000015-96.2018.5.02.0435, não cabe a Justiça questionar a vontade das partes envolvidas.  No caso em tela, a empresa e seu ex-funcionário celebraram o Termo de Acordo Extrajudicial em virtude do extinto contrato de trabalho havido entre as partes, dando quitação geral e irrestrita a quaisquer direitos e/ou valores decorrentes daquele. Sendo certo, ainda, que a entidade empresarial assumiu deveres e concedeu vantagens que não estavam previstas em lei, ao profissional.  No entanto, o juiz de primeira instância homologou parcialmente o acordo, sob o argumento de que é válida a quitação apenas relativa às verbas e aos direitos constantes no acordo.  O ministro relator, Ives Gandra, ratificou, como visto preteritamente, que o artigo 855-B da CLT balizou a apresentação do Termo de Acordo Extrajudicial passível de homologação pela Justiça do Trabalho, constatando que as partes respeitaram integralmente o que dispõe a legislação em vigor e que a petição em conjunta demonstra a anuência mútua dos interessados em encerrar o contrato de trabalho.  O ministro frisou, ainda, em sua excelente decisão, que a atuação da Nobre Justiça do Trabalho é de não homologar ou homologar em sua integralidade o acordo realizado pelas partes, ou seja, "não lhe é dado substituir-se às partes e homologar parcialmente o acordo se este tinha por finalidade quitar integralmente o contrato de trabalho extinto". Assim, constata-se que o acordo extrajudicial poderá sim conceder ampla e irrestrita quitação ao extinto contrato de trabalho, desde que fique comprovado de forma robusta e contundente que os direitos e deveres decorrentes da rescisão do pacto laborativo estão sendo fiel e integralmente quitados.  Logo, não caberia a Justiça do Trabalho, em qualquer hipótese, sendo respeitado todo o regramento legal trabalhista e os demais requisitos gerais do negócio jurídico, questionar a vontade das partes. Daí porque ratifica-se que o Termo de Acordo Extrajudicial poderá ser um grande aliado empresarial na diminuição do passivo trabalhista, evitando, assim, que ex-funcionários ajuízem reclamatórias trabalhistas, notadamente porque no citado acordo estarão previstos e quitados todos os direitos e valores que os antigos funcionários eventualmente façam jus, constando, ainda, a cláusula de quitação geral ao extinto contrato de trabalho. *Rodrigo da Costa Marques é sócio coordenador do núcleo trabalhista do escritório Nelson Wilians Advogados, Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes (Niterói - RJ), com curso de pós-graduação - Direito e Processo do Trabalho - Universidade Candido Mendes, advogado com 11 anos de experiência, responsável pelo gerenciamento de equipes de advogados e de carteiras de clientes para atuação em processos judiciais e administrativos, além de elaboração de pareceres, relatórios de Assessoria Empresarial, estruturação e criação de projetos para redução de passivo trabalhista.  Fonte Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Laboratório e gerente conseguem homologação de acordo extrajudicial para encerrar contrato. Justiça do Trabalho rejeita acordo extrajudicial com cláusula que representava renúncia total de direitos.
No final de dezembro de 2020, foi sancionada a "nova" Lei de Recuperação Judicial e Falências. Desde o dia 23 de janeiro de 2021, estão valendo as novas regras da lei 14.112/2020, que reformulou a lei 11.101/2005. A mudança da legislação pode ser considerada uma das grandes apostas do Governo Federal na busca da recuperação da economia do país para este ano de 2021, contribuindo ainda para o célere restabelecimento da saúde financeira das empresas. O objetivo da Recuperação Judicial é evitar que uma empresa "quebre". A ideia não é apenas ajudar os empresários (donos do negócio), mas evitar que o índice de desemprego aumente ainda mais. A lei moderniza o sistema e prioriza a efetiva continuidade das atividades empresariais, considerando a importância social da empresa e a manutenção dos postos de trabalho. É verdade que, diante da crise causada pela Covid-19, o país segue suportando os trágicos efeitos da pandemia. As medidas de isolamento e distanciamento social refletem diretamente na economia do país. A pandemia acelerou a transformação da sociedade e da economia de praticamente uma década em um ano, em todo o mundo, conduzindo a economia mundial ao pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial. É obvio que no Brasil a história não seria diferente, afinal, segundo dados do IBGE, mais que 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise atual. Em recente entrevista, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Luis Felipe Salomão, destacou que: "A expectativa é que até 80% das empresas vão enfrentar algum tipo de dificuldade decorrente da atual crise global. Este momento tão delicado demanda do Judiciário, cada vez mais, planejamento e estratégia para se evitar maiores prejuízos sociais e econômicos". Sua Excelência está à frente do recém-lançado estudo Métricas de Qualidade e Efetividade da Justiça Brasileira: o tempo e o custo de um processo de recuperação de crédito, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A Recuperação Judicial é vista como medida de reestruturação econômica por meio da qual empresas conseguem regularizar o seu passivo com descontos consideráveis, se protegendo, inclusive, de eventuais penhoras, podendo servir de instrumento para alavancar empresas em dificuldade. O empresário busca, através da Recuperação Judicial, um meio para evitar que a sua empresa seja levada a falência. O processo da recuperação permite que as empresas renegociem suas dívidas acumuladas em um momento de crise, recuperando suas atividades e evitando a dispensa de funcionários. Ao ingressar com o pedido, a empresa obtém o direito de suspender os pagamentos aos credores, recebendo ordem judicial autorizativa para que, durante o processo da Recuperação Judicial, efetue o pagamento apenas dos funcionários, da matéria prima e produtos essenciais para o devido funcionamento da empresa. A principal inovação com a nova legislação é a possibilidade de o devedor contratar um financiamento junto as instituições bancárias utilizando bens pessoais e até mesmo de outras pessoas como garantia, constituindo-se numa possibilidade de a empresa garantir seu fluxo de caixa. Diante da crise enfrentada pela empresa é comum que os bancos deixarem de emprestar dinheiro, devido ao alto risco de inadimplemento. Com a reforma legislativa, o empréstimo depende de autorização judicial, e caso a falência seja decretada antes da liberação do valor total do financiamento, o contrato será automaticamente rescindido, sem multas e encargos. Além da possibilidade do citado financiamento, a lei traz algumas mudanças que asseguram a suspensão das execuções por um prazo de 180 dias (stay period), com a possibilidade de renovação pelo mesmo período, bem como autoriza o parcelamento das dívidas tributárias em até 120 meses, autorizando, ainda, o parcelamento de novos débitos. O texto também inova quando traz a possibilidade de os credores apresentarem um Plano de Recuperação, com o objetivo de resolver o conflito entre as próprias partes. Tal situação ocorrerá quando, na hipótese de o Plano de Recuperação do devedor ser rejeitado, a Assembleia poderá aprovar um plano de recuperação apresentada pelos credores. É importante destacar a existência da Recuperação Extrajudicial, que é um procedimento de negociação privada, entre empresa devedora e seus credores, embora precise ser homologado no Poder Judiciário. Ao contrário da proibição anteriormente em vigor, pela nova lei pode-se incluir os créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na Recuperação Extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional (art. 161). Tanto na Recuperação Judicial, quanto na Extrajudicial, o Plano é um título executivo, e, consequentemente, se a devedora não cumprir com o que foi devidamente apresentado, o credor poderá pedir, por corolário lógico, a execução do acordo ou entrar com um pedido de falência. Pois bem, diante das inovações da nova lei, vamos verificar as principais alterações na legislação em relação aos Créditos Trabalhistas.  Durante o processo de recuperação judicial, a consequência mais comum é a redução no quadro de empregados, onde ocorrem as demissões em massa. Os empregados de uma empresa em recuperação ou falida continuam a ter a preferência aos seus créditos. Aliás, se identificando a presente de algum ativo, ele será naturalmente utilizado para pagar as dívidas trabalhistas. As ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, permitindo pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação dos créditos trabalhistas, que serão inscritos no quadro geral de credores pelo valor determinado em sentença. A lei 14.112/2020 trouxe também como inovação a possibilidade da extensão do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas em mais dois anos (artigo 54, §2°), mantendo a regra geral do prazo de um ano, que agora poderá ser estendido, totalizando um prazo final de pagamento de até três anos, desde que cumpridos os requisitos legais de forma cumulativa, quais sejam: (i) apresentação de garantias que o juiz entenda serem suficientes; (ii) aprovação dos credores trabalhistas no quórum determinado pelo artigo 45, §2°, da LRF (maioria simples dos credores presentes); e (iii) garantia da integralidade dos créditos trabalhistas. Assim, cumpridos os requisitos acima mencionados, é permitida a ampliação do prazo do pagamento, mas sem aplicação concomitante do deságio. Ainda, o legislador silenciou quanto à incidência de juros e da correção monetária para a recomposição dos valores durante esse prazo adicional. Quanto à classificação dos créditos, houve alteração no artigo 83. Nesse sentido, os créditos derivados da legislação trabalhista limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidente de trabalho, permanecem em primeiro lugar na ordem de classificação. Outra alteração importante diz respeito à manutenção da natureza do crédito, ainda que este seja cedido a terceiros, ou seja, o crédito continuará preferencial na ordem de classificação, sendo revogado o §4° do artigo 83. Antes, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros perdiam sua natureza e passavam a ser tratados como créditos sem preferência. Em se tratando de créditos extraconcursais, segundo a nova legislação, os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência foram colocados em quarto lugar na ordem de preferência do art. 84. Antes disso, teremos o pagamento antecipado e indispensável à administração da falência, além dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador.  Neste atual cenário, nasceu juntamente com a nova legislação a possibilidade aos credores, quando se tratar de crédito trabalhista, que adjudiquem os bens alienados na falência ou os adquiram por meio de constituição de sociedade de fundo ou de outro veículo de investimento, com a participação, se necessária, dos atuais sócios do devedor ou de terceiros, ou mediante conversão de dívida em capital. Enfim, ao analisar todo o contexto e as novidades trazidas com a lei 14.112/2020, notam-se que os objetivos principais foram facilitar a recuperação das empresas, trazer maior celeridade e efetividade à liquidação das empresas, viabilizar o acordo entre as partes e, quando não houver acordo, garantir um procedimento em tempo razoável que permita a manutenção dos postos de trabalho, o pagamento dos credores e a recuperação do empresário. *Regiane Aurélia Bonin de Moraes é advogada trabalhista, graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP/SP, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIMEP/SP, pós-graduanda em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo IEPREV.
Quando a terceirização surgiu a ideia era de que os tomadores pudessem contratar serviços específicos, ou seja, alguém terceirizaria uma atividade que não era de sua expertise. Porém, com o passar do tempo, a contratação por intermediário ganhou novos contornos, e assim acabou por surgir o conceito de terceirização predatória (aquela que se dá com o objetivo direto de redução de encargos e destinação dos lucros). A terceirização nas relações de trabalho sempre foi um tema que dividiu opiniões e gerou debates calorosos. Se, de um lado, há quem entenda ser interessante privilegiar a eficiência do processo produtivo de acordo com a demanda, flexibilizando assim a espécie de contratação, de outro, defende-se que a terceirização tem o cunho de afastar o empregado da tutela jurídica que lhe busca conferir o Direito do Trabalho. De acordo com o Professor Sergio Pinto Martins: [...] a terceirização deriva do latim tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. Terceiro é o intermediário, o interveniente. No caso, a relação entre duas pessoas poderia ser entendida como a realização entre o terceirizante e o seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto, ser terceiro.1 Ainda sobre o tema, o autor e ministro do TST Maurício Godinho Delgado descreveu: [...] Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhista, que se preservam fixados com uma entidade interveniente [...].2 Logo, resta evidente, que o fenômeno da terceirização contraria o clássico modelo bilateral, em que a relação empregatícia se estabelece entre o trabalhador e o tomador. Em relação ao arcabouço legal, convém destacar que não existe uma lei específica acerca de terceirização, como às vezes se faz crer na prática, o que se tem é uma legislação (lei 6.019/74) que trata de trabalho temporário, e que, na referida norma, foram inclusas algumas disposições sobre a terceirização em si. Mas pode-se firmar a tese de que a lei 6.019/74 não é capaz de regular e trazer segurança jurídica a todas as situações e percalços que podem ocorrer no outsourcing. Por falta de amparo legal específico, a Súmula 331 do TST funcionou por muito tempo praticamente como fonte isolada de consulta quando o assunto era terceirização. Mais tarde, a lei 13.429/17 (que alterou a lei 6.019/74) foi a primeira a trazer informações excepcionais daquilo que era encontrado na Súmula 331 do TST, e, principalmente, foi a legislação que trouxe a primeira mensagem sobre a possibilidade da terceirização da atividade-fim. A redação da lei 13.429/17 acabou sendo muito contestada, pois acarretava dúvidas sobre a possibilidade ou não de terceirizar a atividade-fim (para muitos ela não tinha uma redação muito clara). Porém, com a chegada da reforma trabalhista, o legislador acabou por deixar a redação mais explícita e direta. A lei 13.467/17 alterou as redações dos artigos 4º-A e 5º-A da lei 6.019/74, e, a partir deste momento, ficou evidente a possibilidade da terceirização de quaisquer atividades, inclusive a principal, pois pelo que pareceu a intenção do legislador foi justamente espancar qualquer dúvida da redação da lei anterior. Mesmo com uma redação mais objetiva e cristalina, a lei 13.467/17 ainda merecia alguns questionamentos: seria constitucional a terceirização de quaisquer atividades das empresas? Ou seja, como aplicar o novo regramento previsto na lei 6.019/74 diante do que preconiza a Carta da República? Para reflexão acerca de alegada violação à Constituição Federal, vale a pena a transcrição dos dizeres de Gabriela Neves Delgado e Helber Santos Amorim (Precarização e Terceirização faces da mesma realidade, página 139): [...] A Constituição da República não deixa ao legislador infraconstitucional margem de ação para instituição ou autorização da terceirização na atividade fim das empresas, seja em face da alta densidade de conteúdo das regras dos arts. 7º a 11 do Texto Constitucional, que conferem uma proteção constitucional específica ao trabalhador, dotada de integração à empresa e de pretensão de continuidade do vínculo de trabalho, seja em face dos princípios constitucionais que asseguram os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República (Constituição, art. 1º, IV), a função social da propriedade e da empresa como fundamento da ordem econômica (art. 170, III) e o primado do trabalho como base de toda ordem social (art. 193).                A permissão constitucional à terceirização na atividade-meio das empresas, assim como ocorre no âmbito da Administração Pública, tem por pressuposto viabilizar que o empreendedor dedique seus recursos à realização de sua atividade finalística, seu core business, a fim de racionalizar o aproveitamento do tempo e das energias institucionais com máxima eficiência administrativa. Nesse espaço da atividade-fim, a Constituição reserva à empresa a função social de promover emprego direto com o trabalhador, com máxima proteção social, tendo em conta a dupla qualidade protetiva desse regime de emprego: uma proteção temporal, que remete à pretensão de máxima continuidade do vínculo de trabalho, e uma proteção espacial, de garantia de integração do trabalhador à vida da empresa [...]. Diante das violações e questionamentos surgidos, o tema acabou sendo levado ao STF que, no dia 30 de agosto de 2018, no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, decidiu pela licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, ou seja, permitiu que a terceirização ocorresse em qualquer tipo de atividade da empresa, chancelando assim o previsto na lei 6.014/74. Por mais que a Suprema Corte tenha entabulado seu entendimento sobre a possibilidade da terceirização da atividade-fim, é interessante destacar que a jurisprudência não acatou de forma imediata e absoluta tal posicionamento. Em nível de ilustração e para dimensionar o tamanho da discussão, a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) organizou uma série de estudos sobre o tema e acabou por editar alguns enunciados contrários ao entendimento previsto na lei 6.019/74. Em um dos muitos enunciados elaborados, vale a pena a citação o de número 80 (COMISSÃO 6) da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, e ainda na mesma Jornada, porém em outra comissão (COMISSÃO 3), dois enunciados (32 e 33) merecem especial atenção.3  A realidade é que, mesmo com a presença de controvérsias e contestações, o permissivo legal e jurisprudencial para a contratação de quaisquer atividades acabou por consolidado. E, o alavancar exponencial do processo de terceirização parece um caminho sem volta, ainda mais se enxergado como uma possibilidade para a contratação "mais barata" e de maior lucratividade. Com isso, toma conta de muitos a sensação de que dificilmente no futuro o empregador vai desejar contratar os empregados diretamente. Em outras palavras, certamente ocorrerá a prevalência de contratações indiretas. Não se acredita que a contratação indireta "rasgue" direitos ou até mesmo a CLT, mas faz sim que cada vez menos haja preocupação com a figura do empregado, que cada vez menos haja interesse em um trabalho mais direto, mais qualificado e acompanhado de "cuidados" próximos do empregador. Logo, a questão que fica é: será que o empregado contratado diretamente pelo empregador de hoje será o terceirizado de amanhã? A resposta parece ser objetiva e um tanto óbvia. Ora, se terceirizar vai representar uma contratação mais barata e livre de menos ônus para o empregador, se terceirizar pode representar maior lucratividade, se a terceirização agora pode ocorrer em atividade-fim com aval do legislador e do STF, parece cristalina a ideia de que ao invés de contratar um empregado diretamente a empresa possa optar por contratar uma empresa, para esta fornecer os serviços. Isto fará (em uma previsão realista) com que o número de empregados contratados diretamente pelo empregador diminua e o número de terceirizações cresça. Indubitável que em situações futuras o empregado de hoje vire o terceirizado de amanhã. A ideia do presente texto não foi demonstrar que o número de empregos em nível geral vai diminuir, pelo menos não por força da possibilidade de terceirizar atividade-fim, mas sim deixar evidenciada a tese de que a contratação direta fatalmente vai reduzir, dando cada vez mais espaço ao trabalho terceirizado, que por razões já expostas no texto é questionável e violador de princípios, preceitos e valores constitucionais. Referências bibliográficas BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª edição ver. e ampl. - São Paulo: LTr, 2008. DELGADO. Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012. LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Saraiva. 2014. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho - 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012 PINTO MARTINS, Sérgio. Direito do Trabalho. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Disponível aqui, acesso: 31/01/2021. Site do Planalto. Disponível aqui, acesso: 31/01/2021. Site do Planalto. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. Disponível aqui, acesso em 31/01/2021. *Leandro Antunes de Oliveira é sócio fundador do Antunes & Mota Mendonça Advogados. Doutorando em Direito PPGD/UVA. Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador técnico e professor da pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho do Ibmec/RJ. Professor universitário e de diversos cursos de atualização jurídica e OAB. Professor da pós-graduação Lato Sensu do CEPED/UERJ. Presidente da Comissão de Estudos de Direito Material e Processual do Trabalho da OAB/RJ. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. __________ 1 MARTINS, Sergio Pinto. Terceirização no direito do trabalho - 15 ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 27. 2 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16 Ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 503. 3 Anamatra.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Justa causa por recusa em tomar vacina

Trabalhadores e empregadores têm recorrido a este escritório de advocacia especialista em Direito do Trabalho com a mesma pergunta: havendo disponibilização da vacina para Covid-19, seja via órgãos públicos, seja por intermédio da disponibilização privada pelo empregador (e, portanto, sem custo ao empregado), pode este se reusar a ser vacinado? E se o empregado se recusar a tomar vacina, pode ele ser dispensado pelo empregador por justa causa? Tal hipótese de justa causa por recusa em se vacinar encontra respaldo na CLT? Qual a orientação da jurisprudência sobre o tema? O que pensam os Tribunais acerca da recusa do trabalhador em se vacinar? Por mais que o direito à vida e à saúde sejam direitos constitucionais insculpidos como basilares, se faz necessário abordar o referido tema tendo em vista o negacionismo por parte da população quanto a questão. A temática ainda é muito nova no Brasil, mas sendo uma advocacia especializada em Direito do Trabalho, é possível antever desde logo alguns dos posicionamentos que serão adotados sobre a recusa do empregado em tomar vacina. Isto porque em recente decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o art. 3º inciso III, alínea 'd', da lei 13.979/2020, o STF entendeu que é constitucional e, portanto, válido, a compulsoriedade do plano de vacinação. Decerto que o fato de ser válida a vacinação compulsória não quer dizer necessariamente que o Estado obrigará todos a tomar vacinas à força, contra suas respectivas vontades. Todavia, por outro lado, é também certo que aqueles que se negarem em receber a vacina terão de arcar com as consequências de tal ato. Analisemos sob a seguinte ótica: ninguém pode ser obrigado a tratar câncer, por exemplo, pois a decisão de não se tratar não afeta diretamente direito de terceiros. Ninguém será prejudicado por alguém não tratar câncer, apenas a pessoa que está doente é que sofrerá as consequências, mas igual raciocínio não ocorre ao tratarmos de doenças infectocontagiosas, que podem disseminar vírus e provocar mortes, além de prejudicar duramente a atividade do empregador, por exemplo. Diante de tal cenário se faz necessário refletir: quais as implicações trabalhistas dos trabalhadores que, injustificadamente, se negarem em a receber a vacina? Segundo o nosso entendimento aqui esposado, o direito à vida e a saúde coletiva se sobrepõem a qualquer direito de personalidade. Logo, embora exista um conflito de direitos fundamentais, pois, de um lado, é inegável que existe o direito à individualidade, o direito de autodeterminação que consiste na livre vontade das pessoas em guiarem suas vidas em acordo com suas próprias convicções morais, filosóficas ou religiosas; por outro lado, tais direitos não se sobrepõem ao direito da coletividade, em especial os direitos à vida e à saúde, de forma que está correta a interpretação do STF sobre a compulsoriedade da vacina. Os que conhecem a lei sabem que os direitos fundamentais dos cidadãos e os direitos sociais dos trabalhadores estão assegurados nos artigos 5º e 7º da Constituição Federal de 1988. Tais artigos, aliás, são considerados cláusulas pétreas e, portanto, imutáveis, não podendo ser alterados nem mesmo via emenda constitucional. É importante relembrarmos, porém, que o Supremo também já decidiu que direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles que constam nos respectivos artigos 5º e 7º da Lei Maior, abrindo a possibilidade de que outros direitos previstos também sejam considerados como cláusula pétrea, tamanha sua importância não apenas para a sociedade que somos, mas, sobretudo, para a sociedade que queremos ser e, bem por isto, é que o art. 225 da Constituição Federal que consagra o 'meio ambiente saudável como obrigação de todos', inclusive do trabalhador, por ser beneficiário direto. Logo, embora o direito ao ambiente saudável não esteja insculpido nos artigos 5º e 7º da Carta da República, este também deve ser considerado como direito fundamental, tendo em vista que é a premissa básica para se ter um trabalho digno. Assim, deve esta obrigação do empregador ser analisada como direito fundamental do trabalhador. Ademais, tal título dos direitos fundamentais é tão sensível e importante que o legislador que, conquanto tenha atribuído tal responsabilidade e obrigação ao empregador, também garantiu ao trabalhador a responsabilidade, via obrigação, em colaborar com as medidas de segurança e saúde para um ambiente saudável, como bem se extrai do parágrafo único do artigo 158 da CLT. A colaboração mencionada no inciso II do art. 158 da CLT, na verdade, trata-se de uma obrigação. Bem por isso, se o empregador solicitar que o trabalhador demonstre ter atendido às demandas de prevenção a disseminação da doença, via campanha de vacinação nacional/estadual, e não o faz, deixa colaborar com o meio ambiente seguro, colocando em risco não apenas a si próprio, mas também aos demais trabalhadores, o que, sem uma justificativa plausível e técnica, é inadmissível. Diante de tais premissas é cristalino que aquele trabalhador que se recursar injustificadamente em receber a vacina está agindo de forma faltosa, caracterizando, de imediato, ato incontinência de conduta, criando condição para aplicação da justa causa, se preenchidos os demais requisitos legais, quais sejam, imediatidade, proporcionalidade, non bis in idem e não discriminação. Outrossim, considerando o estado de pandemia, bem como que os reflexos da negativa do trabalhador em não receber a vacina transcendem o indivíduo colocando uma coletividade em risco, não há que se falar em gradação das penalidades, sendo proporcional a aplicação da justa causa em face da negativa de receber a vacina. Por fim, apenas para salientar, entendemos que a única possibilidade de justificativa para o não recebimento da vacina se daria por intermédio de laudo médico devidamente fundamentado expondo os riscos à saúde, não sendo possível a desincumbência de tal justificativa por mera declaração médica genérica. *Silmara Lino Rodrigues é fundadora do escritório SLR Advogados Associados. Graduada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul/SP, com especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE); pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; pós-graduanda em Direito Empresarial e Complice pela EPD - Escola Paulista de Direito; e em Processo Civil pela ESA - Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Nova Lei do Trabalho Remoto no Brasil

A abertura deste breve texto está ligada à futura novidade legislativa que deve ser aprovada neste ano de 2021. Fruto do trabalho de um grupo técnico de estudiosos formado por advogados, magistrados, professores, auditores fiscais do trabalho e membros do ministério público do trabalho de todo país, no dia 17/12/2020 foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5581 pelo deputado Federal, Rodrigo Agostinho (PSB/SP). Com efeito, é cediço que a decretação à época do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus fomentou, em larga escala, o sistema do trabalho remoto que, há tempos, sempre foi sinônimo do chamado home office, mas que, por força da Lei da Reforma Trabalhista, ganhou maiores e mais complexos contornos com a criação da figura do teletrabalho. E sem adentrar no mérito da então Medida Provisória 927 que, no início da pandemia, trouxe um forçoso disciplinamento do trabalho remoto no país, mas que acabou perdendo vigência por não ter sido convertida em lei ordinária pelo Parlamento, fato é que, salvo os artigos normativos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (artigo 6º e parágrafo único - home office; e artigos 62, III c/c 75-A até 75-E - teletrabalho), não há legislação específica no Brasil que regulamente, em sua inteireza, os efeitos da prestação de serviços ocorrida à distância. Bem por isso, indiscutível que as diversas consequências jurídicas resultantes da transferência de milhares de trabalhadores dos seus locais nas empresas para suas casas, por força da pandemia da Covid-19, não estão disciplinadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Isso obrigou, em certa medida, a promoção e a viabilização de negociações coletivas para trazer um mínimo de segurança jurídica a essas consequências, como também a adoção de normas internas contratuais pelas empresas, tudo em prol da busca de uma mínima previsibilidade jurídica para respaldar decisões que afetam, diária e diretamente, as relações laborativas entre empregados e empregadores. Acontece, porém, que a esmagadora maioria dos empregadores brasileiros, por fazer parte do grupo dos micros e pequenos empresários, não têm mínimas condições de negociar com o sindicato da categoria profissional, muito menos estão sendo corretos e adequadamente orientados de como proceder com a situação excepcional instaurada pelo coronavírus que impactou, decisivamente, na própria continuidade das atividades empresariais. Justamente neste atual cenário de crise das relações laborativas é fundamental perquirir acerca de uma legislação ordinária que traga diretrizes, ainda que básicas, para que sirvam de auxílio ao empresariado brasileiro e, de igual sorte, estabeleça condições que respeitem os direitos básicos desses empregados que fizerem de seus lares os novos ambientes de trabalho. Nesse sentido, questões afetas à jornada de trabalho e seu respectivo controle, ergonomia, saúde e segurança, medicina e as doenças ocupacionais - v.g., acidentes residenciais e a Síndrome de Burnout - tudo isso exige uma postura mais ativa do Congresso Nacional em parametrizar aludidas relações jurídicas. Logo, custos com a implementação do trabalho remoto, instrumentos a serem utilizados, material de apoio, responsabilidades e obrigações das partes contratantes do pacto laboral, dentre outras tantas problemáticas, são apenas facetas de complexas relações trabalhistas que estão sendo impactadas pelo uso das novas tecnologias.        De mais a mais, não se pode fechar os olhos no sentido de que parcela das grandes empresas adotará, em caráter definitivo e permanente, este novo regime de trabalho à distância que veio para ficar em algumas atividades profissionais e segmentos empresariais. Afinal, a redução de custos operacionais pelas empresas, aliada a uma melhor autonomia e produtividade dos colaboradores, são exemplos de que, pós pandemia, espera-se uma dinâmica distinta do modelo tradicional de trabalho até então praticado. Bem por isso, urge ser oportuno e necessário que o país tenha uma legislação que possa estar à frente do seu tempo, mostrando-se compatível com um novo mundo que, aliás, num futuro próximo, trará a implementação de regras para o 5G e para a expansão da internet das coisas (IoT). Assim sendo, tal como se deu no início deste brevíssimo artigo, e que, aliás, foi a maior justificativa para sua elaboração, oportuno realçar, uma vez mais, o PL 5581/2020, cujo inteiro teor pode ser acessado neste aqui, trazendo na íntegra a justificativa de sua propositura, a saber: Justificativa O ano de 2020 foi de uma enorme surpresa após sermos "invadidos" por um vírus que causou a morte de centenas de brasileiros, infectando milhões ao redor do mundo, denominado Covid-19, forçando a mudança drástica de postura por parte de todos nós brasileiros. Entre as mudanças determinadas pela pandemia, muito do que era dito pelas empresas tornou-se realidade, no sentido de colocar os trabalhadores em home office ou teletrabalho, tendo o legislador no ano de 2017 feito sensível alteração na CLT a respeito do tema, mas sem que patrões e empregados tivessem efetivamente aderido a este estilo de trabalho. No entanto, a partir de março de 2020, praticamente todos os brasileiros foram, digamos assim, forçados a trabalhar diretamente de suas residências, seja adaptando locais ou criando espaços em seus imóveis, bem como até mesmo mudando de lugar para poder enfrentar essa nova realidade que se avizinhava sem qualquer perspectiva de retorno a curto prazo, com exceção dos serviços definidos como "essenciais", que continuaram abertos, como supermercados e postos de combustíveis. Assim é que as empresas passaram a manter suas atividades, agora com seus empregados em suas respectivas casas, sem qualquer regulamentação efetiva, criando-se benefícios ou incentivos por vontade própria dos empregadores, o que não podemos permitir que continue, razão pela qual referido projeto de lei vem para regulamentar todo um sistema de trabalho que está sem efetiva proteção, tanto para patrões como para os empregados. Esta realidade, de trabalho em home office ou teletrabalho deverá se manter por um longo período em nosso País, sendo certo que o debate acerca da desnecessidade de retorno efetivo aos locais de trabalho ganha cada vez mais projeção, haja visto a enorme adaptação e aceitação por este "tipo" de trabalho sendo necessária a regulamentação da forma, saúde e segurança do teletrabalho. Com efeito, a preocupação ambiental plasmou-se internacionalmente em 1972, na Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, quando se reconhecia que o homem é duplamente natureza e modelador de seu meio ambiente e que, de todas as coisas no mundo, as pessoas são a mais preciosas, propelindo o progresso social, criando riquezas sociais e desenvolvendo a ciência e a tecnologia. A mesma tônica norteou a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e a chamada "Agenda 21", que compendiou as diretrizes de desenvolvimento econômico e social para o século XXI. Por fim, quero fazer um agradecimento especial ao Prof. Ricardo Calcini, que esteve à frente da coordenação geral do grupo de trabalho que analisou minuciosamente as questões relacionadas ao teletrabalho, bem como, aos renomados especialistas e acadêmicos, cito: Dr. Célio Neto, Dr. Guilherme Feliciano, Dra. Fernanda Perregil, Dr. Luis Otávio Camargo Filho, Dr. Patrick Maia Merisio, Dra. Cristiane Araújo, Dr. Carlos Eduardo Dantas, Dr. Leonardo Bello e Dra. Nadia Demoliner Lacerdaque; e, cujas sugestões estão consubstanciadas nesta proposição. Desta forma, apresento a esta Casa de Leis, proposta de legislação para regulamentar o tema, contando com meus Pares na discussão e aprovação de futura legislação, dando segurança jurídica aos trabalhadores e às pessoas jurídicas em um tema que certamente somente ganhará maior repercussão ao logo dos anos, devendo ser devidamente regulamentado, já que ausente legislação específica até o momento vigente em nosso país. Portanto, a existência de um regramento próprio do trabalho remoto é medida que se impõe, seja com o aperfeiçoamento do teletrabalho, seja com a criação novos institutos que possam regulamentar, de forma pormenorizada e com todas as suas particularidades, os direitos e obrigações existentes entre patrões e empregados quando o assunto, doravante, for a prestação de serviços à distância.
O tempo sempre foi um fator relevante na relação de trabalho, pois aquele que não detém os meios de produção somente pode oferecer a sua força de trabalho e o faz por determinado período. Karl Marx, em O Capital (1909), constatou que "a força de trabalho é comprada e vendida pelo seu valor, o qual, como o de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção". No período pós Revolução Francesa, quando do estabelecimento de um Estado Liberal, foi alterada a forma de produção advinda principalmente com a Revolução Industrial. Flávio Roberto Batista (2016) descreve que esta revolução "marcou a passagem do protocapitalismo comercial para o capitalismo industrial", considerando que se deixou o modelo das Corporações de Ofício para uma produção mecanizada. Os trabalhadores deixaram de possuir o controle da sua força de trabalho, já que se iniciou a utilização das máquinas à vapor e a produção passou a ser mecanizada, alterando radicalmente a relação entre capital e trabalho. Dessa forma, a propriedade dos meios de produção era somente do burguês rico (BATISTA, 2016, p. 153-154). Evaristo de Moraes, em 1905, fazendo referência ao pensamento clássico dos economistas à época, afirmou que havia crença nas virtudes da liberdade do trabalho não se admitindo quaisquer normas para regulamentação do contrato entre empregado e empregador (MORAES, 1998). O pensamento até então vigente era do homem livre com o direito de vender o seu trabalho, pelo preço e nas condições que quisesse, resultando então opressão, miséria, exploração e rebaixamento progressivo (MORAES, 1998). A autonomia da vontade, vigente até o momento, fazia com que os trabalhadores "vendessem sua força de trabalho por até vinte horas diárias, bem como que o trabalho fosse feito por mulheres, inclusive as grávidas - eram comuns os partos dentro da fábrica, durante o horário de trabalho -, e crianças mesmo muito pequenas, a quantidade de acidentes fatais e mutilantes era muito alta, agravando ainda mais o cenário" (BATISTA, 2016). O fenômeno da Revolução Industrial fez que com o número médio de horas de trabalho por ano subisse das 2,5 mil horas nos períodos pré-industriais para 3-3,5 mil horas durante as revoluções industriais, não havendo registro de períodos históricos que este patamar tenha sido alcançado (ROSSO, 1996). Foi Robert Owen, em 1810, que dentre outras melhorias da condição dos trabalhadores em sua empresa em New Lanark (Inglaterra)[1], limitou a jornada de trabalho para 10 horas diárias, sendo este limite aplicado a todo país em 1847. Em nível constitucional, o texto do México de 1917, foi a pioneiro em estabelecer a "desmercantilização do trabalho", pois "firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre os trabalhadores e empresários na relação contratual (...)" (COMPARATO, 2012). Neste sentido, o referido texto constitucional, no seu art. 123, trouxe o limite da jornada de trabalho em oito horas (inciso I) e sete horas para trabalho noturno (inciso II), descanso de um dia para cada seis dias trabalhados (inciso IV), salário igual sem distinção de sexo ou nacionalidade (VII) e responsabilidade do empregador quando o empregado for vítima de acidente do trabalho ou de doença ocupacional (inciso XIV). No entanto, foi pequena a repercussão do texto constitucional mexicano. A Europa desconheceu à época a legislação até mesmo pela escassez de estudos doutrinários, ao contrário do que ocorreu com a Constituição de Weimar, de 1919 (OLIVEIRA, 1991 apud PINHEIRO, 2006). A estrutura da Constituição de Weimar, imantando os direitos sociais com a força de norma constitucional, iniciou uma conscientização no Ocidente sobre o dever do estado em garantir a dignidade humana (AUAD, 2008). O texto possui basicamente duas partes: uma que regula a estrutura administrativa do Estado e seus poderes, e outra que regula os direitos sociais como educação, saúde, dignidade da relação trabalhista, proteção à infância e à maternidade (AUAD, 2008, p. 338-339). A Constituição Weimar influenciou as constituições modernas, e claramente isso também ocorreu no Brasil na Constituição de 1934, que no art. 121 trouxe regras de proteção social do trabalhador, dentre elas o limite de trabalho diário de oito horas. A duração do trabalho possui diversas implicações. Sadi Dal Rosso (2006) cita três: (i) o impacto na qualidade de vida, considerando a possibilidade de usufruir ou não de mais tempo livre; (ii) demarca a quantidade de tempo durante o qual as pessoas se dedicam a atividades econômicas; e (iii) ainda tem relação direta entre as condições de saúde. Gil Sevalho (1993), citando a medicina de Broussais, aponta que este "via a saúde e a doença limitadas entre si pelo excesso ou diminuição do trabalho fisiológico normal sob a ação de estímulos ambientais externos". Dessa forma, o período de energia para outra pessoa, como um operário em uma fábrica, tem relação direta com a saúde do trabalhador. Como forma de resguardar a saúde do trabalhador e proporcionar sua recuperação física e mental foram estabelecidos descansos obrigatórios, um período de não trabalho, o qual deve ocorrer tanto no meio da jornada de trabalho e ainda entre o final de uma jornada e o início de outra. Rodrigo Coimbra (2016), citando Giuseppe D'eufemia (1969), destaca que a limitação da jornada respeita diversos motivos: humanos, sociais e econômicos em face dos limites fisiológicos do ser humano, e ainda questões sociais, políticas e religiosas. No entanto, geralmente a doutrina considera aspectos de natureza física ou biológica, psíquica, social, cultural e econômica. Sob a ótica física ou biológica, leva em conta a elevada duração da jornada, podendo causar a fadiga do trabalhador; psíquica e psicológica pelo esgotamento desta natureza do empregado, afetando a saúde mental e a capacidade de concentração do empregado; social e cultura, pois o empregado como componente social necessita ter relação com a comunidade e sua família; econômica, pois um trabalhador cansado não desempenha seu trabalho com mesma qualidade e rendimento, além de aumentar o risco de acidentes de trabalho e de doenças resultantes do trabalho (COIMBRA, 2016). O professor Maurício Godinho Delgado (2019) define como períodos de descanso os lapsos temporais regulares ou não situados intra ou intermódulos diários, semanais ou anuais do período de labor, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador, com o objetivo de recuperação e implementação de suas energias ou de sua inserção familiar, comunitária ou política. No Brasil, desde 1988, a jornada máxima de trabalho deve ser de 44 horas semanais (inciso XIII do art. 7º da Constituição), dispondo a legislação que os intervalos, salvo casos específicos, devem ser de 15 minutos para uma jornada de trabalho acima de 4 horas até 6 horas, e de 1 a 2 horas para um trabalho acima de 6 horas (art. 71, caput e §1º da CLT). A Lei nº 605/49 regulamenta um descanso semanal que deve ser devidamente remunerado. No entanto, Sadi Dal Rosso (2011) expõe que essa separação de período de trabalho e de não trabalho está cada vez mais tênue, ressalvando que nem todas as atividades de não trabalho carregam o significado positivo, caso do desemprego, por exemplo. Contribui com a diminuição do tempo de não trabalho a gestão empresarial, quando  focada na cultura do desempenho, como exposto por Vincent de Gaulejac (2007), onde alguns trabalhadores são colocados em evidência para que outros se sintam obrigados a ter mesma rentabilidade. Esse sistema transmite uma ideia de pressão em toda a sociedade, pois é fomentada uma competição onde para ser o melhor precisa ser o primeiro. A vigilância de boa parte dos trabalhos deixou de ser física e passou a ser comunicacional. A tecnologia fez com que o controle seja sobre os resultados do trabalho, não havendo mais a necessidade de quadricular o tempo, mas sim conseguir uma disponibilidade total do trabalhador para atingir as metas da empresa (GAULEJAC, 2007). O tempo morto não mais existe, pois os períodos de deslocamentos, espera e contratempos podem ser utilizados para resolver pequenos problemas (GAULEJAC, 2007). Diante da grande exigência do trabalhador pós moderno, aprofundada pela crise econômica e a pandemia, com implementação em larga escala do teletrabalho, a desconexão passa a ser um direito extremamente relevante, pois o dano à saúde pode ser relevante. Ao contrário do que se entendia quanto ao teletrabalho, que seria um ganho na qualidade de vida do trabalhador por não ter que enfrentar o deslocamento e estar fora do ambiente empresarial, isso não ocorre. Como já expôs Márcio Túlio Viana (1999), esse sistema de trabalho não impede que o trabalho continue a sofrer as cobranças constantes: "na verdade, a volta ao lar que hoje se ensaia não significa menos tempo na empresa, mas - ao contrário - a empresa chegando ao lar". A permanência da conexão ocorre por exigência clara do empregador ou quando o empregado, por receio de perder o emprego, se permite permanecer conectado, o que muitas vezes é objeto de elogios perante os demais trabalhadores. Para Jorge Luiz Souto Maior, o direito à desconexão não é individual do trabalhador, mas da sociedade e da própria família, esclarecendo que o não-trabalho não se traduz no não trabalhar, mas no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde (2003). A legislação francesa já avançou neste aspecto e regulamentou o direito à desconexão como um direito fundamental do trabalhador (Lei nº 2016-1088), estabelecendo que as empresas deverão adotar modalidades de modo a propiciar ao trabalhador do pleno exercício de seu direito a desconexão e ainda regular as ferramentas digitais para assegurar o cumprimento dos períodos de repouso e férias (HARFF, 2017). Em nossa legislação o direito à desconexão não é regulamentado de forma de clara, mas pode ser construído esse entendimento, pois os períodos de descanso são componentes importantes da saúde do trabalhador e a saúde é um direito fundamental, conforme art. 6º do texto constitucional. Notamos no recente noticiário um movimento espontâneo de empresas em respeitar o direito à desconexão. Estão adotando mecanismos de controle, não da jornada, mas do período de descanso do trabalhador, impedindo qualquer conexão deste ao seu empregador, seja em quantidade de horas no dia ou por dias inteiros. A tecnologia nos trouxe um mundo sem barreiras, a comunicação se dá em tempo real, houve uma profunda alteração da prestação de serviços, mas a fisiologia do trabalhador é aquela mesma da revolução industrial. Não podemos neste século ter as mesmas demandas, devemos evoluir.    *Alan Martinez Kozyreff é advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde, Especialista em Direito do Trabalho e em Direito Previdenciário. _________ 1- Robert Owen também atua na educação permanente dos trabalhadores, no bem-estar, limita a contratação de crianças para a partir de 10 anos de idade, proporciona educação infantil e lazer (SOUZA; OLIVEIRA, 2006). _________ AUAD, Denise. Os Direitos Sociais na Constituição de Weimar Como Paradigma do Modelo de Proteção Social da Atual Constituição Federal Brasileira. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 103, p. 337/355, jan./dez. 2008. BATISTA, Flávio Roberto. Apontamentos Críticos Para Uma História do Direito Previdenciário no Ocidente Capitalista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 1 n. 11, p. 143-176, jan./fev. 2016. CARDIM, Talita Corrêa Gomes. Direito à desconexão: um novo direito fundamental do trabalhador. Direitos fundamentais e inovações no direito. Flávio Martins Gabriel Martín Rodríguez (Coord.)  Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos - IBEROJUR - Porto, Portugal, 2020. COIMBRA, Rodrigo. Fundamentos e evolução da limitação constitucional da duração do tempo de trabalho no brasil. e-Pública, Lisboa, v. 3, n. 1, p. 184-206, abr. 2016. Disponível em https://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2183-184X2016000100011&lng=pt&nrm=iso. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DA ROSSO, Sadi. (2011). Tempo de trabalho. In D. A. Cattani & L. Holzmann (Orgs.). Dicionário de trabalho e tecnologia (pp. 418-422). Porto Alegre: Zouk. DAL ROSSO, Sadi. Jornada de trabalho: duração e intensidade. Cienc. Cult., São Paulo, v. 58, n. 4, p.31-34, Dec. 2006. Disponível em: https://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252006000400016&lng=en&nrm=iso. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr, 18 ed. São Paulo, 2019. GAULEJAC, Vincent de. (2007). Gestão como doença social. Aparecida: Idéias & Letras. HARFF, Rafael Neves. Direito à desconexão: estudo comparado do direito brasileiro com o direito francês. Revista eletrônica: acórdãos, sentenças, ementas, artigos e informações, Porto Alegre, RS, v. 13, n. 205, p. 53-74, jul. 2017. MARX, Karl. O capital. Crítica da Economia Política. Tradução da 3ª edição alemã, por Bamuel Moore e Edward Aveling, editora Charles H. Kerr & Company, 1909. MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário. LTr, São Paulo, 1998. PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro. A Constituição de Weimar e os Direitos Fundamentais Sociais - A preponderância da Constituição da República Alemã de 1919 na inauguração do constitucionalismo social à luz da Constituição Mexicana de 1917. Revista de informação legislativa, Brasília, vol. 43, n. 169, jan./mar. 2006. SEVALHO, Gil. Uma abordagem histórica das representações sociais de saúde e doença. Cadernos de Saúde Pública, 9, 349-363, 1993. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 23, 2003. Disponível em trt15.jus.br/escola_da_magistratura/Rev23Art17.pdf. SOUZA, Washington José de; OLIVEIRA, Marcos Dias de. Fundamentos da gestão social na revolução industrial: leitura e crítica aos ideais de Robert Owen. Organ. Soc., Salvador, v. 13, n. 39, p. 59-76, Dec. 2006. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-92302006000400004&lng=en&nrm=iso. VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado- O direito do Trabalho no limiar do século XXI. Vol. 63. n º 07. 63-07/99. Revista LTr. Julho de 1999, p. 888. WERNER, Antonio Frederico. Passado e Presente do Dia 1º de Maio. Rev Bras Med Trab.2005;3(2):148-152.      
O artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela lei 13.467/17, prevê que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição e fornecimento dos equipamentos tecnológicos necessários à prestação do trabalho remoto (rectius: teletrabalho) serão previstas em contrato escrito. O risco do empreendimento é de responsabilidade do empregador, à luz do artigo 2º, caput, da CLT; portanto, este deve adquirir ou fornecer os equipamentos tecnológicos para o regular desempenho do labor na modalidade teletrabalho. Por equipamento, compreende-se qualquer objeto ou ferramenta necessária para a atividade laboral, como tablet, computador e smartphone. Situação passível de verificar-se no cotidiano é a de o trabalhador possuir equipamento tecnológico pertinente à realização do trabalho na modalidade teletrabalho. Em verdade, hodiernamente, como regra geral, os computadores, tablets e smartphones permitem o uso de uma infinidade de programas, com a viabilidade de serem utilizados, simultaneamente, tanto para uso pessoal como para uso profissional. Nessa toada, não há transferência do risco do empreendimento para o empregado. Eventual contrato escrito, com a previsão de que, para o desempenho do teletrabalho, serão utilizados equipamentos tecnológicos de propriedade do trabalhador, desde que com a anuência deste e mediante o pagamento de um valor mensal. Também prevê o artigo 75-D, caput, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição ou fornecimento da infraestrutura necessária para o teletrabalho deverão constar em contrato escrito. No particular, a infraestrutura indispensável para o desempenho do teletrabalho abarca desde a estação de trabalho (incluído o mobiliário) até eventuais softwares (programas de computador). Aplica-se à infraestrutura o mesmo raciocínio esposado no tópico anterior, ou seja, caso o trabalhador possua a infraestrutura em seu domicílio (estação de trabalho) ou, mesmo, softwares em seu instrumento telemático, a utilização não caracteriza transferência do risco do empreendimento para o empregado (artigo 2º, caput, da CLT), desde que haja previsão contratual por escrito, referendada, naturalmente, com a anuência obreira e mediante o pagamento de um valor mensal. Seguindo a mesma lógica, o multicitado artigo 75-D, caput, da CLT, consagra que as disposições relativas à responsabilidade pela manutenção dos equipamentos tecnológicos para o desenvolvimento do telelabor têm de estar previstas em contrato. No tocante à manutenção dos equipamentos tecnológicos para a atividade telelaboral, a assunção dos riscos do empreendimento (artigo 2º, caput, da CLT) imputa ao empregador a responsabilidade em arcar com os custos relativos à preservação das ferramentas utilizadas1. Há que se aventar eventual ausência de responsabilidade patronal pela manutenção do equipamento tecnológico, caso este seja de propriedade do empregado, e utilizado, concomitantemente, para uso pessoal e profissional. E mais, poderá existir dificuldade em detectar a origem de eventual dano se decorrente de uso pessoal ou profissional2. Em processo submetido à apreciação do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a 8ª Turma manteve a condenação,  em primeiro grau, a título de aluguel de notebook, de determinada empresa que não forneceu equipamento telemático para o desempenho do teletrabalho, fazendo com que o trabalhador tivesse de utilizar o próprio notebook para o seu desempenho3. Na sentença, o Juiz do Trabalho, Rodrigo Trindade, registrou que o autor fez uso de seu notebook sem a devida contraprestação por parte da reclamada, não havendo dúvida de que a utilização do equipamento se mostrava indispensável à realização do trabalho4. Com fulcro na vedação legal de repasse dos riscos do empreendimento ao empregado, fixou o aluguel no valor único de R$ 1.500,00, por quase três anos de uso do computador por parte do trabalhador em prol do empregador. Portanto, deverá ser celebrado pacto, por escrito, em que a empresa se compromete a pagar um determinado valor, em periodicidade definida, a título de aluguel de equipamento tecnológico. Referido valor, que deverá ser compatível para tanto, se destina a locar a ferramenta e, consequentemente, compensar eventuais gastos com manutenção que o trabalhador possa vir a dispender5. Enfim, as disposições relativas à responsabilidade pela manutenção da infraestrutura necessária para o teletrabalho precisam estar reguladas em pacto escrito. Incide, no particular, o que foi exposto no tópico anterior, sendo de responsabilidade do empregador, à luz do princípio da alteridade, o aluguel de espaço coletivo de trabalho (coworking), caso o teletrabalho seja exercido no espaço, bem como de eventual(is) software(s) utilizado(s) para o labor6. Todo o exposto até aqui se alinha à ideia do princípio do usuário-pagador ou utilizador-pagador, que é a de impor ao responsável o pagamento de uma prestação pecuniária, de molde ao artigo 4º, inciso VII, da lei que trata da Política Nacional do Meio Ambiente (lei 6.938/81), e determina ao usuário o dever de contribuir pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos, de forma que a paga despendida não possua qualquer conotação de ordem punitiva, senão a de, precipuamente, colaborar com a qualidade do ambiente. O pagamento justifica-se sob a ótica da solidariedade ambiental, pois o uso dos elementos naturais e o usufruto do patrimônio ambiental podem gerar impacto negativo na coletividade, sob o aspecto do potencial desequilíbrio ecológico a ser gerado. Não importa perquirir, nessa medida, qualquer ato ilícito praticado pelo pagador, já que, definitivamente, a contribuição tem o condão de promover a consciência ambiental no consumo de patrimônios ambientais, tais como água, solo, ar, permitindo uma socialização justa, igualitária e equânime do uso dos mesmos7. Dentro desse contexto, a Lei nº 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza8, dispôs que, em casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, é obrigado o empreendedor a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral (artigo 36, caput). Para tanto, o montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor deve ser de, pelo menos, 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento (artigo 36, §1º). Trata-se de exemplo da positivação do princípio do usuário-pagador no ordenamento jurídico brasileiro. Foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade, nº 3.378, no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade da normativa que prevê a contrapartida empresarial pelos potenciais danos ao ambiente, sob o argumento de ofensa à legalidade, à harmonia e à independência dos Poderes, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como imposição de pagamento, sem prévia parametrização e comprovação de dano, ensejando enriquecimento ilícito do Estado9. A Excelsa Corte entendeu que o financiamento é mecanismo de assunção da responsabilidade social partilhada pelos custos ambientais derivados da atividade econômica e que, embora não haja dano ambiental efetivo, tal fato, por si, não significa isenção do empreendedor em partilhar os custos de medidas preventivas10. Houve expressa alusão ao artigo 36, da citada lei, que densifica o princípio do usuário-pagador, com o registro de que uma de suas vertentes é justamente a que impõe ao empreendedor o dever de arcar com medidas de prevenção de impactos ambientais como consequência da implantação da atividade econômica desempenhada. Assim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente. Durante o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, a Medida Provisória nº 927/20 consagrou a seguinte sistemática: caso o trabalhador não possua os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância, o empregador pode fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura ou, não sendo possível, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador (art. 4º, §4º, incisos I e II, da Medida Provisória nº 927/20). Neste caso, se o empregador não tem condições de oferecer equipamentos em regime de comodato aos seus empregados, fato que poderá eventualmente prejudicar a realização das atividades necessárias, o período caracterizar-se-á como tempo à disposição daquele11. Ademais, também consagrou que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo (art. 5º, da Medida Provisória nº 927/20). Para além da aquisição, do fornecimento e da manutenção de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura para o teletrabalho, prevê o artigo 75-D, caput, da CLT, que o reembolso de despesas assumidas pelo empregado ativado em teletrabalho deverá ser tratado em contrato escrito, tais como o custeio de passagens e hospedagens necessárias à participação do trabalhador ativado em teletrabalho em momentos laborais presenciais obrigatórios (reuniões, capacitações, integrações)12. É objeto de debate jurídico o dever do empregador em reembolsar gastos do teletrabalhador ativado em home office com energia elétrica e internet banda larga. No caso de energia elétrica, é presumível que o empregado tenha gastos extras para o desempenho do teletrabalho, visto que a utilizará para o funcionamento de computador, impressora, ar-condicionado, ventilador etc. Em vista disso, deve haver a restituição dos custos extras despendidos pelo trabalhador, desde que demonstrados efetivamente em reclamação trabalhista. Os gastos ordinários pertencem ao empregador e eventuais custos extraordinários são imputados ao empregador, aplicando-se analogicamente o artigo 23, inciso XII, da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações), que descreve como responsabilidade do locatário quitar as despesas ordinárias de condomínio e do locador as despesas extraordinárias13. Carlos Henrique Bezerra Leite compreende que pequenos aumentos de gastos com água e energia elétrica não dão direito ao ressarcimento, pois são compensados pela ausência de deslocamento para o local de trabalho14. Assim também entendeu a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, no RO 10006619820165020719, de relatoria da Desembargadora Kyong Mi Lee, em que consta que é possível que as partes pactuem que a remuneração do reclamante, mesmo que seja idêntica à dos que se ativam na sede empresarial, englobe as despesas feitas para a realização do teletrabalho, como internet e energia elétrica, pois o teletrabalho, em domicílio, proporciona vantagens ao empregado que, de outro flanco, é poupado das despesas e do tempo gasto em transporte, permanecendo na comodidade de seu lar15. Como já afirmado em escrito anterior, as custas, no particular, detêm limitada relevância jurídica para fins de reembolso dos danos materiais16. Nesse sentido, trecho de acórdão de relatoria do Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado: (...) Por outro lado, a possibilidade de indenização empresarial pelos gastos pessoais e residenciais efetivados pelo empregado no exercício de suas funções empregatícias no interior de seu home office supõe a precisa comprovação da existência de despesas adicionais realizadas em estrito benefício do cumprimento do contrato, não sendo bastante, em princípio, regra geral, a evidência de certa mistura, concorrência, concomitância e paralelismo entre atos, circunstâncias e despesas, uma vez que tais peculiaridades são inerentes e inevitáveis ao labor em domicílio e ao teletrabalho. (...) Agravo de instrumento desprovido. (AIRR - 62141-19.2003.5.10.0011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 07/04/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2010)17. Quanto ao reembolso de gastos com o fornecimento de internet banda larga, caso o empregado a possua em sua residência e não exista exigência, por parte do empregador, de contratação de plano com custo superior, não há como se divisar o montante empreendido para o trabalho e o utilizado para fins particulares18. Portanto, é possível que do contrato de trabalho conste que, no salário percebido pelo empregado, estão inclusas quaisquer despesas para a execução do labor home office, à luz do previsto no artigo 75-D, da CLT. Parece ser este o entendimento da 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no julgamento do RO 10007311720175020708, de relatoria do Desembargador Edilson Soares de Lima19, em que afirma "(...) não se trata de transferência do risco da atividade econômica ao empregado, calhando ponderar que o regime de teletrabalho traz uma série de vantagens, no que se incluem flexibilidade de horários, economia de tempo com deslocamentos nas grandes cidades e até com vestuário.". Ademais, complementa que deve-se atentar à nova dinâmica das relações trabalhistas, compreendendo-as sob o enfoque da distribuição dos riscos e não de um prisma puramente tradicional. *Antonio Capuzzi é mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professor em cursos de graduação e pós-graduação. Palestrante da Comissão de Cultura e Eventos da OAB/SP. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SP. Advogado trabalhista. __________ 1 Evoluímos de pensamento registrado em artigo anteriormente publicado: "Quanto à manutenção dos equipamentos, o mesmo raciocínio se aplica, de forma que se os equipamentos forem de propriedade do trabalhador, caberá a este a responsabilidade pelos custos de sua manutenção, e sendo de propriedade do empregador este arcará com as despesas correspondentes". CAPUZZI, Antonio. Teletrabalho: perspectivas no contexto da reforma trabalhista. In: MIZIARA, Raphael; ASSUNÇÃO, Carolina Silva Silvino; CAPUZZI, Antonio. Direito do trabalho e estado democrático de direito: homenagem ao professor Maurício Godinho Delgado. São Paulo: LTr, 2018, p. 135-150.  2 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  3 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário: 0020405-15.2015.5.04.0028. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Embora seja possível a caracterização das duas condições especiais da atividade, de risco potencial à integridade física e à saúde do trabalhador empregado, e, por consequência, o ajuizamento de ação em relação aos adicionais de insalubridade e de periculosidade, e a despeito de ser possível a declaração judicial do direito a ambos os adicionais, não é possível, por expressa vedação legal, impor ao empregador o pagamento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade de forma acumulada. Aplicação da súmula 76 deste Tribunal. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. IDENTIDADE DE FUNÇÕES PROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE FATO IMPEDITIVO AO DIREITO DO EMPREGADO. DIFERENÇAS SALARIAIS DEVIDAS. Provada a identidade de funções entre o equiparando e o paradigma e ausente qualquer fato impeditivo ao direito do empregado - cujo ônus de prova, diante de alegação expressa, incumbe ao empregador -, são devidas diferenças salariais decorrentes de equiparação salarial, na forma do art. 461 da CLT. HORAS EXTRAS. EMPREGADO QUE EXERCE ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE HORÁRIO. NÃO SUJEIÇÃO DO TRABALHADOR À EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 62, I, DA CLT. Sendo a atividade externa realizada pelo empregado compatível com a fixação e controle de jornada, não há falar na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, sendo devidas ao trabalhador as horas extras laboradas. Recorrente: Tim Celular S.A.; Zopone-Engenharia e Comércio Ltda. Recorridos: Zopone-Engenharia e Comercio Ltda.; Tim Celular S.A.; Oi S.A. - Em Recuperação Judicial; Ubirata Ribeiro Domingues. Relator: João Paulo Lucena, Data de Julgamento: 05.10.2017, 8ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 02.12.2019.  4 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Sentença em Reclamação Trabalhista: 0020405-15.2015.5.04.0028. Diante do exposto, e de tudo o mais constante nos autos, rejeita-se a preliminar e julga-se procedente em parte os petitórios dos processos movidos por Ubirata Ribeiro Domingues aforado em face de ZOPONE-Engenharia e Comercio LTDA, Tim Celular S.A. e OI S.A. Reclamante: Pedro Omar Oliveira da Rocha. Reclamado: WMS Supermercados do Brasil LTDA. Juiz do Trabalho Rodrigo Trindade de Souza. 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS. Data da publicação: 10.11.2016. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  5 A propósito, há jurisprudência nesse sentido: 1. RESTITUIÇÃO DE VALORES. MANUTENÇÃO DE COMPUTADOR PORTÁTIL ("NOTEBOOK"). CONTRATO DE LOCAÇÃO - As partes ajustaram contrato de aluguel de computador portátil, estabelecendo obrigação do autor em manter o equipamento em perfeitas condições de uso. Cumpria, pois, ao autor manter o equipamento em bom estado de modo a servir ao uso a que se destinava e a mantê-lo nesse estado pelo tempo de vigência do contrato, obrigação anexa ao contrato de trabalho, em conformidade com o que estabelece o artigo 566, inciso I, do Código Civil - CC. Despropositada, assim, a pretensão de restituição dos valores efetivamente gastos a esse título. 2. SALÁRIO PRODUÇÃO. HABITUALIDADE NO PAGAMENTO. NATUREZA REMUNERATÓRIA RECONHECIDA - O pagamento habitual de salário produção evidencia a natureza remuneratória da parcela devendo integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. Recurso provido. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região. Recurso Ordinário: 0024944-87.2015.5.24.0021. Recorrente: Telemont Engenharia de Telecomunicações S/A. Recorrido: Gabriel Pereira Mendes. Relator: Francisco das Chagas Lima Filho. Data de Julgamento: 17.05.2017, 2ª Turma. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  6 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  7 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Ambiental: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 227.  8 BRASIL. LEI N. 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília, DF, jul 2000. Disponível aqui. Acesso em: 04.09.2019.  9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade: 3378 DF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. Confederação Nacional da Indústria, Cassio Augusto Muniz Borges, Presidente Da República, Advogado-Geral Da União, Congresso Nacional, Instituto Brasileiro De Petróleo E Gás - IBP, Carlos Roberto Siqueira Castro E Outros. Relator: Ministro Carlos Britto. Data de Julgamento: 09.04.2008, Tribunal Pleno, Brasília, Data de Publicação: 20.06.2008. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 12.09.2019.  10 O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 896.863, já se manifestou acerca da distinção entre a compensação ambiental oriunda do artigo 36, da Lei n. 9.985/00 e a indenização ambiental assentada no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. Vejamos sua ementa: PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC.OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. ART. 36 DA LEI Nº 9.985/2000. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: 896.863 DF 2006/0226648-9. Recorrente: Distrito Federal. Recorrido: Companhia Urbanizadora da Nova Capital Do Brasil - NOVACAP. Relator: Ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 19.05.2011, 2ª Turma, Data de Publicação: 02.06.2011. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 15.09.2019.  11 STUMER; FINCATO, Gilberto; Denise Pires. Teletrabalho em tempos de calamidade por COVID 19: impacto das medidas trabalhistas de urgência. 341-364. In: BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney (coord.). O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 359.  12 STUMER; FINCATO, Gilberto; Denise Pires. Teletrabalho em tempos de calamidade por COVID 19: impacto das medidas trabalhistas de urgência. 341-364. In: BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney (coord.). O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 351.  13 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  14 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Recurso Ordinário: 0000809-73.2014.5.17.0010. ACÚMULO DE FUNÇÕES. DIFERENÇAS SALARIAIS. O exercício cumulativo de tarefas em uma mesma jornada de trabalho, para um único empregador, não justifica o pagamento de plus salarial, sobretudo quando o empregado executa tarefas compatíveis com sua função e condições pessoais (critério da multifuncionalidade). Recorrente: CARIMI CARPINETTI MERIJ. Recorrido: ORTENG SPE PROJETOS E MONTAGENS LTDA, ORTENG MPN ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA e VALE S.A.  Relator: Carlos Henrique Bezerra Leite, Data de Publicação: 26.05.2015. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  15 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário: 1000661-98.2016.5.02.0719. Recorrentes: GOL LINHAS AÉREAS S/A e MARLEIDE MARIA DE SANTANA (Recurso Adesivo). Relator: Kyong Mi Lee, 3ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 01.10.2019. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  16 CAPUZZI, Op. Cit., 2018, p. 135-150.  17 Seguindo a mesma linha de raciocínio: "(...) Da mesma forma, não socorre à pretensão da trabalhadora a juntada de comprovas de gastos mensais com energia elétrica, visto que não realizado qualquer cotejo que demonstrasse acréscimo nos valores pagos e que poderiam ser imputados à execução dos serviços prestados em favor da ré - o que, registre-se, poderia ter demonstrado a autora, por meio de confronto das despesas anteriores e posteriores ao início da prestação laboral -, buscando a parte apenas o deferimento de pretensão com base em arbitramento de valores, pelo MM. Juízo "a quo", com balizamento em limites apontados na inicial e que não se respaldam em efetivos elementos de prova que favoreçam a pretensão. (...)". BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Recurso Ordinário: 1001996-31.2016.5.02.0048. Recorrente: Franciele Cristina Maia Fernandes e Gol Linhas Aereas S.A.  Recorrido: Gol Linhas Aereas S.A., Gol Linhas Aereas Inteligentes S.A., Franciele Cristina Maia Fernandes. Relator: Sérgio Roberto Rodrigues, 11ª Turma, Cadeira 5, Data de Publicação: 10.10.2017. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.  18 Nesse sentido: BRASIL. Op. Cit., Recurso Ordinário: 0000809-73.2014.5.17.0010, 2018. 19 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Recurso Ordinário: 1000731-17.2017.5.02.0708. Diverso do alegado, não se trata de transferência do risco da atividade econômica ao empregado, calhando ponderar que o regime de teletrabalho traz uma série de vantagens, no que se incluem flexibilidade de horários, economia de tempo com deslocamentos nas grandes cidades e até com vestuário. Há que se atentar também à nova dinâmica das relações laborais, visualizando-as sob um novo enfoque quanto à distribuição dos riscos, e não de um prisma puramente tradicional. Repiso que não restou corroborado acréscimo concreto de despesas por parte da reclamante - notadamente em contraponto às economias/benesses que passou a ter - que justifique o ressarcimento postulado. Recorrentes: LUZIA PULQUERIA DA SILVA LIMA e GOL LINHAS AÉREAS S/A (Recurso adesivo). Relator: EDILSON SOARES DE LIMA. Relator: Edilson Soares de Lima, 15ª Turma - Cadeira 2, Data de Publicação: 25.10.2018. Jusbrasil. Disponível aqui. Acesso em: 05.12.2019.
A lei 13.467, de 2017, em seus artigos 611-A e 611-B, possibilitou às negociações coletivas a instituição de regramentos em patamares inferiores aos previstos em lei. Nesse prumo, o artigo 611-A estabelece que "a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei" quando dispuserem, "entre outros", sobre diversos temas elencados, como, v.g., o regime de sobreaviso, o trabalho intermitente, a prorrogação de jornada e a duração dos intervalos. O artigo 611-B, por sua vez, estipula que a supressão ou a redução dos direitos nele elencados constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Todavia, no dispositivo consta o advérbio "exclusivamente" (e não "entre outros", como é o caso do artigo 611-A), destacando, pela lógica, a intenção de estabelecer a possibilidade de negociação de outros temas em prejuízo dos trabalhadores. O parágrafo único do referido dispositivo estabelece que "regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo", com a clara finalidade de esclarecer que as negociações coletivas poderão estipular normas relativas à duração do trabalho e aos intervalos inferiores que aquelas previstas em lei. A leitura dos dispositivos permite concluir, portanto, que somente são ilícitas as cláusulas negociais que envolvam os temas inscritos nos incisos do artigo 611-B. A nova legislação determina, em outras palavras, que sindicatos e empresários têm liberdade para negociar entre si e fixar condições de trabalho piores do que aquelas previstas na legislação. O Direito do Trabalho, entretanto, norteado pelo princípio da proteção, tem como característica um critério próprio de hierarquia das normas não distinguindo a eficácia a partir da origem da norma1. No caso de existir mais de uma norma aplicável, deve-se, por princípio, optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador - ainda que não seja a que corresponde aos critérios clássicos da hierarquia das normas2. As previsões contidas nos dispositivos em análise são contrárias ao texto constitucional. Isso porque, tanto o caput, como o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, direcionam a negociação coletiva para o objetivo de estabelecer condições de trabalho superiores àquelas previamente fixadas em lei. Ademais, a Constituição Federal somente permite a negociação coletiva reducionista no caso daqueles direitos expressamente elencados (como, v.g., o inciso XIV do artigo 7º). Verifica-se, ainda, que a previsão do negociado sobre o legislado descumpre as normas contidas nas Convenções nº 98, 151, 154 e 163 da OIT, pois o objetivo da negociação coletiva deve necessariamente ser a busca de condições de trabalho mais favoráveis do que aquelas existentes3. E, além da contrariedade às referidas convenções da OIT, essa inovação legislativa viola também outros tratados de direitos humanos, especialmente aqueles que reconhecem o trabalho digno e protegido como dimensões da dignidade da pessoa humana (a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Carta das Nações Unidas e da Convenção Interamericana de Direitos Humanos)4. Nesse sentido, levando em conta a legislação interna (constitucional) e internacional sobre o tema, bem como o princípio protetivo, somente seria possível aplicar os dispositivos em análise se se considerar que as convenções coletivas de trabalho alcançam prevalência sobre a lei apenas no que puderem oferecer melhores condições sociais em comparação com o previsto na legislação5.  Impõe-se considerar também que a Reforma Trabalhista objetivamente enfraqueceu o poder dos sindicatos (e, consequentemente, do movimento social e das greves) por meio do artigo 579 da CLT. A revogação do caráter compulsório da contribuição sindical em um ordenamento jurídico regrado pela unicidade sindical pode, sem mudanças culturais e sociais prévias, ocasionar crise em um dos principais e mais tradicionais instrumentos de promoção da transformação social: os sindicatos6. A legislação, portanto, rompe a teia de proteção social, porquanto provoca a perda da força dos sindicatos para sua organização e mobilização7, além de permitir o estabelecimento de normas coletivas supressivas. Não é possível pressupor, desse modo, que sindicatos de empregados e de empregadores têm iguais condições para negociar entre si - e, por isso, é indispensável a proteção contra o retrocesso social causado por normas coletivas supressivas. Conforme apontam Ricardo Antunes e Luci Praun8, "quanto mais frágil a legislação protetora do trabalho e a organização sindical na localidade, maior o grau de precarização das condições de trabalho, independentemente do grau de 'modernização' das linhas de produção ou ambientes de trabalho como um todo". Obviamente, em uma sociedade democrática, espera-se que os sindicatos tenham plena liberdade para negociar com as empresas - no entanto, sem a possibilidade de criar condições inferiores do que aquelas previstas pela legislação trabalhista. Compreende-se, ainda, que dispositivos como os artigos 611-A e 611-B da CLT somente poderiam ser discutidos, no Brasil, após um processo de reforma sindical. Quer-se dizer: o modelo sindical brasileiro, composto pela unicidade sindical e não-obrigatoriedade de contribuição pelo trabalhador subordinado, é pouco consistente do ponto de vista sistemático, considerando-se também o aumento simultâneo dado à autonomia privada do trabalhador subordinada e à autonomia dos entes sindicais pela Reforma Trabalhista. Ou opta-se por um sistema de normas laborais cogentes e irrenunciáveis, isto é, de intervenção do estado nas relações privadas e subordinadas de trabalho, ou por um sistema de collective laissez-faire (como existente no Reino Unido em boa parte do século XX), privilegiando-se a negociação coletiva9. Ambos, impulsionados de forma conjunta pela lei 13.467/17, constituem verdadeira jabuticaba criada pelo legislador10. Caso a Convenção nº 87 da OIT fosse ratificada pelo Brasil e, consequentemente, fosse adotado um modelo de ampla liberdade sindical, com sindicatos estruturados e solidificados (como é o caso do modelo Alemão, por exemplo)11, esse tipo de dispositivo poderia ser colocado em debate. Entretanto, com os sindicatos enfraquecidos e diante da precarização do trabalho que tem se agravado com o passar do tempo, como demonstram os dados estatísticos12, não há como considerar legítima a previsão de normas coletivas supressivas de direitos. Quiçá o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento do Tema 1046, trará novos horizontes e ponderada análise ao regime negocial trabalhista peculiar estabelecido no Brasil pelos artigos 611-A e 611-B da CLT. *Bóris Chechi de Assis é advogado no Escritório Krieg da Fonseca Advogados. Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa - Especialidade em Ciências Jurídico-Laborais. Bacharel em Direito pela PUC/RS. Pesquisador na área de Direito do Trabalho. Pesquisador do Grupo de Estudos Araken de Assis - GEAK/IMED. Pesquisador do Núcleo de Pesquisas PUCRS/CNPQ Relações de Trabalho e Sindicalismo. Professor integrante do corpo docente do Instituto Ibero-Americano de Compliance - IIAC.  **Helena Kugel Lazzarin é advogada no Escritório Lazzarin Advogados Associados. Doutora e mestre em Direito pela UNISINOS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Bacharel em Direito pela PUC/RS. Pesquisadora nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital: retrocesso social e avanços possíveis, vinculado à UFRGS/USP/CNPQ. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas PUCRS/CNPQ Relações de Trabalho e Sindicalismo. Integrante do Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS. Parecerista da Revista da AGU - Advocacia-Geral da União. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa no Sistema de Saúde Mãe de Deus - CEP/SSMD. Professora integrante do corpo docente do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da PUC/RS. __________ 1 DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. A Negociação Coletiva e a Lei 13.467: resistindo à interpretação regressiva. In: SEVERO, Valdete Souto. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz (coords.). Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017. p. 455. 2 Ou seja, o princípio da aplicação da regra mais favorável é consectário do princípio da proteção, norte de todo o sistema jurídico-laboral brasileiro (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978. p. 43; e DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2020. p. 238). 3 TRINDADE, Rodrigo. Negociado sobre Legislado: o mito de Ulisses e as sereias. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães. TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (orgs.). Reforma Trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. p. 178-179. 4 SANTOS, Roseniura. Negociado sobre o Legislado e os Limites Impostos pelas Normas Internacionais do Trabalho e Outros Tratados de Direitos Humanos. In: SILVA FILHO, Carlos Fernando da. JORGE, Rosa Maria Campos. RASSY, Rosângela Silva (orgs.). Reforma Trabalhista: uma reflexão dos auditores-fiscais do trabalho sobre os efeitos da Lei n. 13.467/2017 para os trabalhadores. São Paulo: LTr, 2019. p. 268-270. 5 TRINDADE, Rodrigo. Negociado sobre Legislado: o mito de Ulisses e as sereias. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães. TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia. FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho (orgs.). Reforma Trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, 2017. p. 183. 6 MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e Resistência. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 166. 7 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 8ª ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora Unicamp, 2002. p. 69-70. 8 ANTUNES, Ricardo. PRAUN, Luci. A Sociedade dos Adoecimentos no Trabalho. Disponível aqui. Acesso em: 31 out. 2020. 9 DUKES, Ruth. Otto Kahn-Freund: A Weimar Life. In: Modern Law Review, vol. 80, Issue 6, 2017. p. 1164-1177. 10 ASSIS, Bóris Chechi de. LAZZARIN, Helena Kugel. Estudo Comparado sobre Liberdade Sindical: Espanha, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho. (No prelo) 11 ASSIS, Bóris Chechi de. LAZZARIN, Helena Kugel. Estudo Comparado sobre Liberdade Sindical: Espanha, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho. (No prelo) 12 LAZZARIN, Helena Kugel. SANTOS JR., Rubens Fernando Clamer. O Aquecimento da Economia e o Pleno Emprego gerado pela Reforma Trabalhista: mitos e verdades. In: Revista Fórum Justiça do Trabalho, ano 37, n. 438, jun/2020. p. 35-36.
Ordinariamente, o recurso de embargos de declaração é cabível em três casos de defeitos intrínsecos no julgado: a omissão, a contradição e a obscuridade. A omissão é a ausência de manifestação do juízo acerca do pedido, fato ou tese sobre os quais deveria necessariamente se manifestar. É a principal hipótese de cabimento do recurso e também a mais frequente. Há contradição quando a decisão é contraditória consigo mesma. A contradição pode ocorrer na fundamentação versus dispositivo ou mesmo internamente em cada um dos elementos da sentença. Por exemplo: num parágrafo da fundamentação o juízo consigna que restou comprovado que a empresa garantiu ao reclamante a fruição regular do intervalo intrajornada e, em sentido contrário, no dispositivo há condenação em horas extras pela supressão da referida pausa intervalar. A obscuridade, por sua vez, é a ausência de clareza na decisão. A parte sucumbente, por exemplo, não consegue compreender os exatos limites da decisão judicial. Nesse caso, os embargos visam aclarar ou esclarecer a sentença. Entretanto, as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração não se esgotam na omissão, contradição e obscuridade. Isso porque, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve a introdução (expressa) do erro material no rol de hipóteses de cabimento dos embargos de declaração: Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Erro material é basicamente o erro de grafia, nomes ou valores. É cabível a oposição de embargos de declaração para a correção do erro material, mas esse pode ser corrigido também a qualquer tempo por simples petição e também de ofício. O erro material não transita em julgado. Outra hipótese de cabimento dos embargos de declaração é o manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso, nos termos do art. 897-A, caput, da CLT: Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subsequente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso. Podemos citar como exemplo o caso em que o relator deixa de admitir o recurso por ausência de preparo, mas as guias e comprovantes foram devidamente e tempestivamente juntados aos autos. Por fim, não menos importante, é a hipótese de cabimento de embargos de declaração pela ocorrência de erro de fato, também chamado erro de premissa fática. Diferentemente das demais hipóteses acima elencadas, o erro de fato não possui previsão expressa para o recurso de embargos de declaração. Entretanto, o erro de fato é previsto como situação capaz de ensejar o cabimento da ação rescisória, nos termos do art. 966, VIII do CPC/15: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. Aqui vale lembrar a máxima "quem pode o mais, pode o menos". Ou seja, se o erro de fato é capaz de ensejar a desconstituição da coisa julgada através de uma ação rescisória, é razoável que se considere o erro de fato como situação idônea a desafiar os embargos de declaração. Afinal, havendo erro de fato, por que esperar o trânsito em julgado da decisão para se recorrer ao instituto da ação rescisória? Nesse sentido, segue uma recente decisão da 5ª Turma do TST: "(...) a jurisprudência admite, excepcionalmente, a utilização dos embargos de declaração para correção de defeitos decorrentes de erro de fato, que ocorrem quando o julgador se equivoca acerca de fato relevante, podendo ensejar a modificação de sua decisão. Precedentes. Tal entendimento jurisprudencial visa naturalmente prestigiar o princípio da celeridade processual, introduzido pelo art. 5.º, LXXVIII, da CF. Isso porque, na prática, evita a desconstituição da decisão pela propositura de ação rescisória. (...)" (ED-ED-RR-544-68.2014.5.06.0013, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 26/06/2020). Mas, afinal, o que é o erro de fato? O erro de fato basicamente é o equívoco ou descuido do julgador que não observou adequadamente determinada premissa fática dos autos. Por exemplo, no acórdão regional a turma mantém a rescisão indireta do contrato de trabalho, porquanto a reclamada não juntou aos autos o comprovante de depósitos do FGTS. Ocorre que o comprovante estava nos autos e o colegiado não se atentou. A decisão fora baseada em erro de fato ou de premissa fática. A este respeito, seguem alguns fragmentos de decisões da 3ª, 4ª e 7ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho em que admitido o erro de fato e o cabimento e provimento dos embargos de declaração: "(...) tanto a jurisprudência quanto a doutrina entendem que os embargos de declaração podem ser utilizados, de forma excepcional, para a correção de erro de fato, conforme previsto no artigo 966, VIII, e § 1º, do CPC e reconhecem a mencionada circunstância como causa de rescisão da sentença transitada em julgado. Portanto, uma vez verificado que a decisão se baseou em fato equivocado, é permitido ao julgador sanar o equívoco, acolhendo os embargos de declaração opostos pela parte e, se for caso, imprimindo efeito modificativo. (...)" (ED-ARR-10171-53.2016.5.15.0053, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 21/02/2020). "(...) Não obstante a delimitação do rol de vícios sujeitos ao saneamento pela via dos embargos de declaração, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, de forma excepcional, têm admitido a utilização do citado remédio processual para a correção de defeitos decorrentes de erro de fato, cuja previsão encontra-se insculpida no artigo 966, VIII e § 1º, do CPC/2015, o qual reconhece a mencionada circunstância como causa de rescisão da sentença transitada em julgado. O erro de fato é aquele derivado do descuido do juiz, o qual se equivoca acerca de fato relevante e que, caso considerado pelo magistrado, enseja modificação na sua decisão. Para a circunstância, nada obsta que o julgador sane o equívoco perpetrado, acolhendo os embargos de declaração para, inclusive, se for o caso, dar-lhes efeito infringente. Precedentes do STF e STJ. (...)" (ED-RR-128200-92.2005.5.12.0033, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 27/03/2020). "(...) O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho admitem o manejo dos embargos de declaração para corrigir julgamento que parte de premissa fática flagrantemente dissociada dos autos. Precedentes. II. No caso vertente, adotou-se a premissa de que a unicidade contratual e a condenação solidária das prestadoras fundaram-se tão somente no reconhecimento da ilicitude da terceirização, sem se considerar que o Tribunal Regional, em embargos de declaração, acrescentou fundamento independente no sentido de que as prestadoras integram grupo econômico. Trata-se, assim, de vício passível de ser sanado em embargos de declaração. (...)" (ED-RR-136800-57.2008.5.24.0003, 7ª Turma, Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 26/06/2020). Entrementes, não é pacífico na doutrina e jurisprudência se o erro de fato é um tipo autônomo de defeito do julgado ou uma espécie de algum dos defeitos clássicos. Nesse sentido, segue a seguinte decisão da lavra da 1ª Turma do TST que considera o erro de fato uma espécie de omissão: "(...) A jurisprudência do STF, do STJ e do TST tem admitido embargos de declaração em que a parte aponta erro de fato quanto à premissa adotada no julgamento do recurso interposto, espécie de omissão de ponto sobre o qual o Tribunal devia se pronunciar (arts. 897-A da CLT e 1.022, II, do CPC). 2. Na espécie, a omissão reside na desconsideração do fato de que a presente ação de indenização por dano moral e material decorrente de acidente de trabalho fora ajuizada na Justiça Comum antes da vigência da Emenda Constitucional nº 45/2004, o que permite a condenação em honorários advocatícios, por mera sucumbência, nos termos do art. 20 do CPC. (...)" (ED-RR-49500-94.2007.5.15.0083, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 29/11/2019). Seja considerando-se o erro de fato um tipo autônomo de defeito da sentença, seja uma espécie de omissão1, o que importa é que os Tribunais Superiores o consideram um defeito idôneo a ensejar a oposição de embargos de declaração com efeito modificativo. Desta forma, como mencionado pelo ministro do TST, Breno Medeiros, em julgado acima referido, a admissão de embargos de declaração nos casos de erro de fato consagra o princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal). ____________ 1 Os professores Fredie Didier e Leonardo Carneiro classificam o erro de fato como uma espécie de erro material. DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. 720 p. 3 v.
O teletrabalho surgiu com o desenvolvimento tecnológico. Os novos e diversos mecanismos de comunicação uniram ainda mais o empregado ao empregador. E, neste cenário, o empregador viu a possibilidade de poder se comunicar com o seu empregado mesmo à distância do seu local de trabalho. A reforma trabalhista regulamentou o teletrabalho por meio dos artigos 75-A ao 75-E da CLT, podendo esta modalidade ser, preponderantemente, desenvolvida em qualquer local fora das dependências da empresa, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. O regime de teletrabalho não está sujeito ao controle de jornada, bem como marcação de ponto, conforme art. 62, III, da CLT. Assim, o trabalhador deve estabelecer e cumprir uma rotina de trabalho, além de estar online de modo a possibilitar a interação com a equipe e com seu superior sempre que necessário.  Desta forma, deverá constar expressamente em contrato individual de trabalho ou em aditivo que a modalidade adotada pela empresa será o teletrabalho, devendo existir mútuo acordo entre as partes. Cabe ressaltar que o empregador deve proceder com as devidas anotações na CTPS do trabalhador. É essencial que fique formalizado como se dará o custeio e o fornecimento de materiais e equipamentos necessários para prestação da atividade, conforme disciplina o art. 75-D da CLT. É importante destacar que mesmo que ocorra o comparecimento eventual do empregado nas dependências do empregador para efetuar atividades específicas, esse fato não descaracteriza o regime de teletrabalho. E, para transição de um empregado da modalidade em teletrabalho para o presencial, deve ser respeitado um prazo mínimo de 15 dias. Já o home office, diferente do teletrabalho, pode ser utilizado eventualmente pelos funcionários sem que seja um período longo fora das dependências da empresa. E, para tanto, não há necessidade de previsão em contrato de trabalho. Geralmente, o home office surge como benefício a ser concedido ao empregado, uma vez por semana, por exemplo, ou em caso de medidas emergenciais, como enchentes, greve no transporte público, ou como prevenção contra a nova Covid-19. Dessa maneira, ficam incólumes todas as cláusulas previstas no contrato de trabalho, inclusive o controle de jornada. Nesse sentido, é importante que saibamos diferenciar esses institutos que não são análogos. A MP 927/2020, que regulamentava o teletrabalho durante o período de pandemia do Covid-19, de uma maneira geral flexibilizou algumas exigências previstas pela CLT, o que tornou mais célere o procedimento de alteração da modalidade presencial para teletrabalho. Apesar da medida provisória não ter sido convertida em lei, o que fez com que ele perdesse sua eficácia, é importante esclarecer que a perda da validade apenas teve efeitos para aqueles empregadores que não adotaram o teletrabalho durante a sua vigência. Nesse sentido, para as empresas que se socorreram da Medida Provisória 927, o teletrabalho continua válido até o dia 31/12/2020, quando termina o estado de calamidade pública determinado pelo Decreto Federal n. 6/2020. Com a caducidade da MP 927/2020, as empresas que hoje optarem pela modalidade teletrabalho deverão, contudo, observar os termos da legislação celetária, não podendo mais flexibilizar. É fato público e notório que a crise instalada pela pandemia causou mudanças drásticas e significativas na estrutura das empresas e na rotina dos empregados de maneira repentina. Ocorre que, conforme noticiado na mídia, grandes empresas já cogitam aderir definitivamente ao teletrabalho. Para o empregado, o teletrabalho pode trazer benefícios, pois não perderá tantas horas se deslocando para a empresa. E, com isso irá produzir mais e melhor. Mas em contrapartida, corre-se o risco de trabalhar mais e assim não conseguir separar a vida pessoal da profissional, já que está executando suas tarefas profissionais dentro de sua residência. Tal fato causa relativa preocupação, uma vez que a própria natureza da prestação do serviço em teletrabalho permite ao empregado uma maior confusão entre a atividade laboral e a sua vida privada. Assim, a alteração no regime deve ser realizada com parcimônia, uma vez que não é possível deixar de lado as questões de saúde e segurança do trabalho. O que a princípio parece tão benéfico, pode trazer uma série de implicações no tocante a saúde do trabalhador, sendo uma delas as doenças psíquicas advindas do excesso de trabalho. Nesse sentido, os teletrabalhadores ficam expostos a inúmeros riscos que prejudicam a sua integridade física e mental se não houver uma fiscalização eficaz por parte do empregador. É relevante ressaltar que o direito à desconexão é garantia fundamental do trabalhador, por se tratar de norma de saúde, higiene e segurança do trabalho, prevista no art. 7º da Constituição Federal. Manter o trabalhador conectado ao labor sem o devido controle nos momentos em que ele deveria estar descansando, fere o que modernamente vem sendo chamado de direito à desconexão1. O direito a desconexão nasce da moderna relação entre tecnologia e trabalho, consistindo no direito a desconectar-se do seu trabalho. É o direito a "se desconectar completamente da empresa, ou seja, desligar o computador, o telefone, ou qualquer que seja o meio pelo qual ele se comunique com o seu empregador"2.  Os teletrabalhadores necessitam de proteção e, sobre a temática, o Desembargador do TRT/15 e Professor, Dr. Jorge Luiz Souto Maior3, publicou artigo sobre o direito à desconexão, suscitando que este não seria somente um direito individual do trabalhador, mas da sociedade e também da família. O direito a desconexão também já foi objeto de estudo na OIT (Organização Internacional do Trabalho) que publicou relatório destacando as vantagens do teletrabalho, como, por exemplo, a maior autonomia no tempo de trabalho, além da redução no tempo de deslocamento; e, em sentido contrário, também fez uma análise acerca das desvantagens, a exemplo da tendência de o empregado trabalhar por longas horas, o que pode elevar os níveis de estresse4. Ainda sobre o tema, há o projeto de lei 4.044, de 2020, em tramitação no Senado Federal, citando novas teorias jurídicas sobre a regulamentação do teletrabalho e decisões judiciais a favor da imposição de "limites a fim de preservar a vida privada e a saúde do trabalhador"5. O referido projeto de lei tem como objetivo alterar o § 2º do art. 244 da CLT, para acrescentar o § 7º ao art. 59 e os arts. 65-A, 72-A e 133-A ao decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, de modo a dispor sobre o direito à desconexão do trabalho, disciplinando o teletrabalho quanto às regras da jornada de trabalho, períodos de descanso e férias6. Segundo o texto do PL 4.044/2020, o empregador não poderá solicitar normalmente a atenção de um empregado em regime de teletrabalho, por telefone ou por qualquer ferramenta de comunicação eletrônica, fora do horário de expediente. Além disso, o empregado em gozo de férias deverá ser excluído dos grupos de mensagens do trabalho e removerá de seus dispositivos eletrônicos privados quaisquer aplicativos de internet (sem excluir outras ferramentas tecnológicas que vierem a ser criadas) voltados exclusivamente para uso no trabalho. Desta forma, concluímos que a legislação trabalhista não protege de forma eficiente essa nova realidade vivenciada sobretudo em tempos de pandemia, havendo a necessidade de regulamentação acerca do tema. Em arremate, o uso de novas tecnologias de informação e comunicação no âmbito do ambiente de trabalho vem sendo pauta de debate nos Tribunais. Ao analisar a complexa discussão da jornada de trabalho e os direitos fundamentais, verifica-se que existe a preocupação em acompanhar as tendências do mundo atual e na forma como o Direito do Trabalho deve tratar a rotina dos trabalhadores, em particular num mundo cada vez mais conectado, garantindo-se o direito à desconexão do trabalho para que seja garantida qualidade de vida ao trabalhador. *Fernanda Prado dos Santos é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, sócia, fundadora e coordenadora do setor trabalhista do escritório Fernanda Prado Sociedade Individual de Advocacia. **Thaís de Siqueira Campos Azevedo é advogada graduada em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e pós-graduanda em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, sócia e fundadora do escritório Thaís de Siqueira Campos Advocacia. __________ 1 Tribunal Regional do Trabalho 1ª Região, processo nº 0001609-74.2012.5.01.0024, relator Leonardo Dias Borges, publicado em DOU 3/9/2014. 2 MENDONÇA, Talita Rodrigues. O Teletrabalho e o Direito à Desconexão como forma de garantir o gozo do Intervalo Intrajornada. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 6. Região. Recife, PE, v.19, n. 36, p. 238 jan/dez/2018. 3 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Do direito à desconexão do Trabalho. 2013, p. PDF. Disponível aqui, acesso em 30 jun.2020. 4 Nações Unidas Brasil. Acesso em 02 set. 2020. 5 Senado Federal. Acesso em 02 de set.2020. 6 Senado Federal.