Jurisprudência da terceira seção do STJ no primeiro semestre de 2025
terça-feira, 22 de julho de 2025
Atualizado às 06:41
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, colegiado especializado em Direito Penal e Processual Penal, desempenhou papel importante no primeiro semestre de 2025 na uniformização da jurisprudência criminal brasileira. Foram diversos os julgados paradigmáticos, tanto em sede de recurso repetitivo quanto em conflitos de competência e afetações, com destaque para os avanços interpretativos em matérias sensíveis como crimes ambientais, execução penal, sistema socioeducativo e persecução patrimonial.
Esta edição da coluna "Migalhas Criminais" oferece uma síntese dos principais julgamentos e tendências da Seção no período, com foco aos que foram objeto de destaque nos informativos oficiais do Tribunal.
1. Crimes ambientais e competência Federal: Flora e fauna em pé de igualdade
Em dois julgamentos unânimes, a Terceira Seção reafirmou a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes ambientais quando envolvidas espécies constantes da Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, tanto da fauna quanto da flora (AgRg no CC 206.862/SC e AgRg no CC 208.449/SC):
A proteção da flora ameaçada de extinção é equiparada à proteção da fauna, não havendo distinção quanto ao interesse da União, o que justifica a competência da Justiça Federal para julgar crime ambiental contra espécie vegetal ameaçada de extinção (AgRg no CC 206.862-SC, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 18/2/2025).
A competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais é atraída quando a conduta envolve espécies constantes na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, configurando interesse da União (AgRg no CC 208.449-SC, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/12/2024).
A Corte reiterou que a inclusão da espécie em ato normativo federal revela interesse direto da União, nos termos do art. 109, inc. IV, da CF/88, atraindo a competência da Justiça Federal, ainda que não haja transnacionalidade na conduta. A equiparação entre fauna e flora demonstra a evolução jurisprudencial na proteção ambiental, ampliando o espectro de incidência do entendimento consagrado no Tema 648 da Repercussão Geral do STF.
Tema 648/RG: "Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e espécimes exóticas ou protegidas por Tratados e Convenções internacionais" (STF, Tribunal Pleno, RE 835.558, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 09/02/2017).
A orientação elimina a exigência de demonstração específica de interesse internacional para a competência federal e fortalece a atuação do Ministério Público Federal e do IBAMA na persecução de crimes ambientais em todo o território nacional.
2. Inteligência financeira e reserva de jurisdição: Delimitação do Tema 990/RG
No Informativo 850/STJ, divulgado em 20 de maio de 2025, a Corte apresentou tema relevante enfrentado pela Terceira Seção sobre o compartilhamento de informações financeiras entre órgãos de controle e o Ministério Público.
Firmou-se o entendimento de que é inviável a requisição direta de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) ao COAF sem autorização judicial, afastando a interpretação extensiva do Tema 990 da Repercussão Geral do STF.
Tema 990/RG: "1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios".
A Terceira Seção ressaltou que o compartilhamento autorizado pelo STF se limita à atuação passiva da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), não legitimando pedidos diretos por parte dos órgãos de persecução penal.
1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável. 2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial (Segredo de Justiça, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, por maioria, julgado em 14/5/2025).
Essa decisão preserva a reserva de jurisdição, protege direitos fundamentais e reforça a necessidade de controle judicial prévio nos atos de investigação financeira.
3. Violência doméstica contra meninas: O gênero prevalece sobre a idade
Ao julgar o Tema Repetitivo 1.186 (REsp 2.015.598/PA), a Terceira Seção definiu que a condição de gênero feminino é suficiente para a aplicação da Lei Maria da Penha, ainda que a vítima seja criança ou adolescente.
1. A condição de gênero feminino é suficiente para atrair a aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica e familiar, prevalecendo sobre a questão etária. 2. A Lei Maria da Penha prevalece quando suas disposições conflitarem com as de estatutos específicos, como o da Criança e do Adolescente (REsp 2.015.598-PA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 6/2/2025).
Assim, mesmo diante da existência de varas especializadas para o atendimento infantojuvenil, prevalece a competência das varas de violência doméstica nos casos de agressão contra meninas, desde que caracterizada a violência baseada em gênero no ambiente doméstico ou familiar.
A interpretação sistemática dos artigos 5º e 13 da lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) fortalece a proteção das vítimas de gênero e evita fragmentações indesejadas de competência.
4. Outros temas julgados no primeiro semestre de 2025
Tema Repetitivo 1255: "O delito de falsa identidade é crime formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de resultado naturalístico".
Tema Repetitivo 1274: "O fato de o visitante cumprir pena privativa de liberdade em regime aberto ou em livramento condicional não impede, por si só, o direito à visita em estabelecimento prisional".
Tema Repetitivo 1277: "É possível, conforme o artigo 42 do Código Penal, o cômputo do período de prisão provisória na análise dos requisitos para a concessão do indulto e da comutação previstos nos respectivos decretos".
Tema Repetitivo 1303: "1. A confissão pelo investigado na fase de inquérito policial não constitui exigência do art. 28-A do Código de Processo Penal para o cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), sendo inválida a negativa de formulação da respectiva proposta baseada em sua ausência. 2. A formalização da confissão para fins do ANPP pode se dar no momento da assinatura do acordo, perante o próprio órgão ministerial, após a ciência, avaliação e aceitação da proposta pelo beneficiado, devidamente assistido por defesa técnica, dado o caráter negocial do instituto".
Tema Repetitivo 1318: "1. A premeditação autoriza a valoração negativa da circunstância da culpabilidade prevista no art. 59 do Código Penal, desde que não constitua elementar ou seja ínsita ao tipo penal nem seja pressuposto para a incidência de circunstância agravante ou qualificadora; 2. A exasperação da pena-base pela premeditação não é automática, reclamando fundamentação específica acerca da maior reprovabilidade da conduta no caso concreto".
Tema Repetitivo 1336: "O indulto previsto no Decreto n. 11.846/2023 não se aplica ao condenado por tráfico de drogas na forma do caput e § 1º do art. 33 da Lei de Drogas, vedação essa que abrange a pena de multa eventualmente cominada, salvo se beneficiado com o redutor especial (art. 33, § 4º, da lei 11.343/2006)".
5. Afetações para julgamento futuro: o que esperar do segundo semestre?
O primeiro semestre também foi marcado pela afetação de importantes temas para julgamento futuro:
Tema 1320 - Falta Grave em Monitoração Eletrônica: Verifica se a inobservância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura falta disciplinar de natureza grave, nos termos dos arts. 50, VI, e 39, V, da LEP.
Tema 1331 - Retroatividade da Jurisprudência Penal Mais Benéfica: Define a possibilidade de aplicação retroativa de jurisprudência mais benéfica ao acusado.
Tema 1332 - Unificação de Penas de Reclusão e Detenção: Discute a possibilidade de unificação das penas de reclusão e detenção.
Tema 1333 - Agravante Genérica e Contravenção Penal: Analisa se a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal é aplicável às contravenções penais praticadas no contexto de violência doméstica contra a mulher.
Tema 1337 - Danos Morais Coletivos em Tráfico de Drogas: Verifica se é cabível a fixação de reparação mínima por danos morais coletivos em razão da condenação por crimes de tráfico de drogas e, caso seja cabível, se o referido dano é presumido ou exige produção de prova específica.
Tema 1347 - Regressão Provisória de Regime e Prévia Oitiva do Condenado: Define se é necessária a prévia oitiva da pessoa apenada para que lhe seja imposta a suspensão cautelar (regressão provisória) do regime prisional mais favorável quando constatado o possível cometimento de falta disciplinar grave ou de fato definido como crime doloso.
Tema 1351 - Dosimetria da Pena e Discricionariedade Judicial: Delimita se a dosimetria da pena-base deve observar critérios determinados de exasperação da pena por circunstância judicial negativa ou se tal atividade insere-se no âmbito da discricionariedade vinculada do magistrado.
Tema 1353 - Continuidade Delitiva entre os Crimes dos Arts. 168-A e 337-A do Código Penal: Busca uniformizar a aplicação do instituto da continuidade delitiva entre os delitos de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária.
Tema 1354 - Progressão de Regime e Aplicação Retroativa do Pacote Anticrime: Define a possibilidade de aplicação retroativa da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) a cada condenação isoladamente, em uma mesma execução, para fins de cálculo para progressão de regime.
Tema 1355 - Associação para o Tráfico de Drogas e Livramento Condicional: Verifica a fração de cumprimento de pena exigida para a obtenção do livramento condicional no delito de associação para o tráfico, tipificado no art. 35 da Lei n. 11.343/2006.
Tema 1356 - Guardas Municipais e Prisão em Flagrante: Visa estabelecer se, a despeito da guarda municipal não desempenhar a função de policiamento ostensivo, ela pode prender quem esteja em flagrante delito, respaldada no art. 301 do Código de Processo Penal.
Tema 1357 - Remição Penal por Aprovação no ENEM/ENCCEJA: Procura uniformizar o entendimento a respeito da possibilidade de concessão do benefício da remição penal, por aprovação no ENEM/ENCCEJA, quando o sentenciado tenha concluído o ensino médio anteriormente ao início do cumprimento da pena".
Tema 1358 - Defensoria Pública e IRDR Penal; Necessidade de Perícia em Crime contra as Relações de Consumo: Determina se é cabível a atuação da Defensoria Pública em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) que versa sobre questões penais e processuais penais, independentemente da vulnerabilidade das partes, na condição de custos; de vulnerabilis ou, subsidiariamente, de amicus curiae. Também busca definir se é imprescindível, para caracterização do crime do art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/1990, laudo pericial, a fim de ser constatada efetiva impropriedade do produto ao consumo humano e, dessa forma, comprovar a materialidade delitiva".
Tema 1361 - Prescrição de Medida Socioeducativa: Discute se, na apuração da prescrição da pretensão executória de Medida Socioeducativa, deve ser levado em consideração o prazo mínimo eventualmente explicitado na sentença ou o prazo máximo abstratamente possível, segundo as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Considerações finais
O primeiro semestre de 2025 evidenciou uma Terceira Seção comprometida com a estabilidade e o aprimoramento da jurisprudência criminal brasileira. A diversidade de temas analisados - do meio ambiente à persecução patrimonial, da violência de gênero à inteligência financeira - revela uma atuação judicial atenta à complexidade dos desafios contemporâneos do Direito Penal e Processual Penal.
Espera-se que o segundo semestre consolide os debates iniciados e produza novas teses com capacidade de orientar a prática forense, oferecendo segurança jurídica e coerência institucional aos nossos precedentes. Permaneceremos atentos e vigilantes.