O STJ e a violência doméstica e familiar contra a mulher: Uma análise do Tema repetitivo 1.333
terça-feira, 9 de setembro de 2025
Atualizado em 8 de setembro de 2025 10:33
Nesta edição da coluna Migalhas Criminais, temos a honra de contar com a colaboração da professora Cristina Alves Tubino, mestre em Direito pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa e atual assessora de ministra no STJ. Com destacada trajetória na advocacia criminal e na defesa dos direitos das mulheres, Cristina atuou por mais de duas décadas como advogada nas áreas penal, de família e violência doméstica. É autora de livros jurídicos e foi agraciada, em 2022, com a Medalha Myrthes Gomes de Campos.
A partir desse repertório profissional, a autora analisa criticamente o julgamento do Tema repetitivo 1.333 pelo STJ, em que a 3ª seção fixou importante tese sobre a aplicabilidade da agravante genérica do art. 61, II, "f", do CP às contravenções penais praticadas no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher.
O texto propõe uma leitura contextualizada da decisão, destacando como ela reafirma o papel do Poder Judiciário no enfrentamento à violência de gênero e se alinha com outros importantes precedentes do próprio STJ - como os Temas 1.197 e 1.249 - que consolidam a compreensão de que a violência contra a mulher exige respostas normativas e institucionais firmes, coerentes e protetivas.
Além da análise técnico-jurídica da tese aprovada, a autora traz dados estatísticos atualizados sobre a violência doméstica no Brasil e no mundo, problematizando os efeitos da subnotificação e da persistente cultura de silenciamento das vítimas. A partir dessa abordagem, evidencia-se a relevância do julgamento como instrumento para reforçar a responsabilização penal e coibir condutas violentas, mesmo quando enquadradas como contravenções.
Trata-se, portanto, de uma contribuição valiosa, que conjuga rigor dogmático com sensibilidade prática, e que amplia o debate sobre os limites e possibilidades do Direito Penal no combate à violência de gênero.
Boa leitura!
A 3ª seção do STJ, na sessão do dia 7/8/25 julgou, sob a relatoria do desembargador convocado do TJ/SP Otávio de Almeida Toledo, o Tema repetitivo 1.333, cuja redação aprovada à unanimidade, se apresentou da seguinte forma:
"1 - A agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal é aplicável às contravenções penais praticadas no contexto de violência doméstica contra a mulher, salvo se houver previsão diversa pela Lei das Contravenções Penais, por força do que dispõem seu art. 1º e o art. 12 do Código Penal.
2 - Não é possível tal aplicação para a contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 da Lei das Contravenções Penais, na hipótese de incidência de seu §2º, incluído pela Lei n. 14.994/2024, por força dos princípios da especialidade e da proibição de bis in idem.
Ao fixar o novo Tema, o STJ marca sua posição de destaque no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher e firma a compreensão da necessidade de o Poder Judiciário atuar de forma mais efetiva no combate à violência de gênero.
Destaque-se que o Tema 1.333 segue no mesmo sentido dos já aprovados Temas repetitivos 1.197 ("A aplicação da agravante do art. 61, inc. II, alínea f, do CP, em conjunto com as disposições da lei Maria da Penha (lei 11.340/06), não configura bis in idem") e do Tema 1.249 que tratou das Medidas Protetivas de Urgência e reconheceu a sua natureza jurídica de tutela inibitória sem subordinação à existência de boletim de ocorrência, inquérito policial ou processos judiciais (cíveis ou criminais); além de estabelecer que podem ser fixadas por prazo indeterminado, vinculando-se apenas à persistência de situação de risco à mulher; e entender pela necessidade de prévia oitiva da vítima para sua revogação.
Dados sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil e no mundo
A violência doméstica e familiar contra a mulher, que já foi anteriormente considerada uma pandemia silenciosa, é um fenômeno mundial.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2022), pelo menos 45.000 mulheres e meninas, em todo o mundo, foram mortas por seus familiares, maridos ou companheiros. A Organização Mundial da Saúde divulgou, em 2025, dados que indicam que 27% das mulheres no mundo, entre 15 e 49 anos de idade, sofreram atos de violência física/sexual ao longo da vida.
Já no Brasil, o Atlas da Violência 2025, divulgado em 7/5/25, trouxe dados informando que no período compreendido entre 2013 e 2023 foram registrados, pelos órgãos oficiais 47.463 homicídios de mulheres, o que equivale a 13 mortes por dia, sendo que em 2023 foram 3.603 vítimas.
A 5ª edição do Relatório "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Datafolha, informa que no último ano (2024-2025) 21,4 milhões de mulheres (acima de 16 anos) sofreram algum tipo de violência no Brasil e que 57% de tais atos de violência ocorreram em suas próprias casas. Outros dados relevantes trazidos informam que apenas 25,7% das mulheres buscaram órgãos oficiais para denunciar a violência sofrida? 14,2% buscaram as delegacias especializadas em atendimento à mulher; 10,2% procuraram delegacias não especializadas, 2,2% buscaram auxílio da Polícia Militar e 1,8% ligaram para a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).
Ou seja, se por um lado a subnotificação é a regra, por outro os números oficiais e as pesquisas realizadas demonstram que a violência contra a mulher vem atingindo maiores números a cada ano.
Sobre o julgamento do Tema 1.333
Vê-se, portanto, a importância do julgamento do Tema 1.333 pelo STJ - tanto quanto dos Temas 1.197 e 1.249 -. Ao adotarem entendimento que reflete a adoção de postura mais efetiva não apenas para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, mas também no sancionamento dos autores dos atos de violência com a aplicação de agravante prevista no art. 61, II, 'f" do CP.
Quando do julgamento do Tema, o relator ressaltou que apesar do art. 61 do CP fazer menção a "crime", o art. 12 do diploma legal se refere a "fatos incriminadores" o que faz presumir que se trata do gênero (infrações penais) e não sobre a espécie (crime). E que "com relação à dosimetria da pena e, em especial, o regime de agravantes, a LCP é silente em sua parte geral, não disciplinando de forma diversa o tratamento de tais infrações penais. Portanto, de acordo com a regra da especialidade, não havendo regulamentação própria em sentido diverso pela lei especial, deve incidir a Parte Geral do Código Penal na matéria".
E afirmou, ainda, que a "hipótese sob análise, encampa vetor interpretativo que direciona a solução da questão posta em sentido inequívoco: cabe ao Poder Judiciário, ao analisar ilícitos de relevância penal (sejam eles contravenções ou crimes), quando envolverem violência contra a mulher, conferir-lhes o devido desvalor".
Daí porque a fixação da tese considerando a necessidade de aplicar a agravante mencionada aos crimes de contravenção penal, excetuando-se a contravenção das vias de fato em razão da alteração legislativa trazida pela lei 14.994/24, nas hipóteses do parágrafo 2º em razão do princípio da especialidade, uma vez que tal dispositivo já prevê que se aquela contravenção for praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do decreto-lei 2.848, de 7/12/1940 (CP), aplicar-se-á a pena em triplo.